Acórdão Nº 01043375420138200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 20-10-2021

Data de Julgamento20 Outubro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01043375420138200001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0104337-54.2013.8.20.0001
Polo ativo
SOLON ERNESTINO DE OLIVEIRA e outros
Advogado(s): JOAO CARLOS DOS SANTOS, GLADIS ROSANE SCHMIDT
Polo passivo
FRANCISCA ALVES DA SILVA e outros
Advogado(s):

Apelação Cível 0104337-54.2013.8.20.0001

Apelantes: Solon Ernestino de Oliveira e outros

Advogados: Drs. João Carlos dos Santos

Apelados: Robson Clayton Nunes de Andrade e outros

Advogados: Dr. Thiago Aurélio de Freitas Brandão

Apelados: José Andrade e Manoel Nascimento Bezerril Nobre

Advogados: Drs. Darwin Campos de Lima e Marcelo Maranhão Alves Cardoso

Apelado: Município de Natal

Procurador: Dr. Thiago Tavares de Queiroz

Apelada: Geani Lima de Moura

Defensor: Dr. Bruno Barros Gomes da Câmara

Relator: Desembargador João Rebouças.


EMENTA: CIVIL. PROCESSO CIVIL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. PROCESSO CONTENDO VASTO ACERVO DE PROVA APTO À COMPREENSÃO E SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. USUCAPIÃO. ENFITEUSE. DIREITO REAL PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INSTITUTO EXTINTO COM O CÓDIGO CIVIL DE 2002. IMÓVEL FOREIRO CUJA ENFITEUSE NÃO FOI CONSTITUÍDA NO REGISTRO IMOBILIÁRIO RESPECTIVO. AUSÊNCIA QUE OBSTA A CARACTERIZAÇÃO DE ENFITEUSE NO PRESENTE PROCESSO. VEDAÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE NOVAS ENFITEUSES SOB A VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE USUCAPIÃO DE ENFITEUSE NO PRESENTE CASO DIANTE DA AUSÊNCIA DE REGISTRO CARTORÁRIO DA ENFITEUSE. USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. ART. 183, § 3º, DA CR/1988. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

- Não há que se falar em cerceamento do direito de defesa, pois o processo conta com farta prova documental, prova essa capaz que delimitar a controvérsia e dela sendo possível extrair a solução do caso concreto. Os documentos anexados ao processo são suficientes para a compreensão e para o deslinde da causa, inexistindo cerceamento do direito de defesa no caso concreto.

- A enfiteuse era direito real sobre coisa alheia previsto no Código Civil de 1916 e extinto com o advento do Código Civil de 2002.

- Para existir, a enfiteuse deveria constar no registro imobiliário. No presente processo, não consta enfiteuse em nome dos autores/recorrentes perante os cartórios da Cidade de Natal.

- A ausência de registro perante os cartórios de Cidade de Natal obsta a existência (configuração) da enfiteuse no presente caso.

- De acordo com o art. 2.038 do Código Civil, fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Código Civil de 1916 e leis posteriores.

- Segundo o STJ, 1) a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam mediante inscrição no respectivo Cartório de Registro Imobiliário e 2) A mera convenção entre as partes não é condição suficiente a ensejar a constituição da enfiteuse, fazendo-se mister a efetivação de um ato formal de ingresso do título no registro imobiliário – REsp 1228615/SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 05/03/2014 e AgInt no AREsp 1665211/CE, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/05/2021, DJe 19/05/2021)

- O imóvel debatido no processo é pertencente ao patrimônio foreiro do Município de Natal e sobre ele, como dito, não foi constituída enfiteuse no registro imobiliário.

- Tendo em vista o disposto no art. 2.038 do CC/2002, associado ao fato de a Carta de Aforamento do presente processo (Carta de Aforamento n. 11.817) não ter ingressado nos Cartórios da Cidade de Natal (não ter sido registrada), é impossível se declarar a prescrição aquisitiva do domínio útil com base em enfiteuse não constituída, vez que os direitos reais imobiliários são perfectibilizados quando se procede à transcrição no registro público.

- Vê-se, portanto, que a usucapião de enfiteuse é cabível se previamente for reconhecida a existência da enfiteuse, existência essa que depende de registro em cartório. No caso, como não houve registro da enfiteuse no tempo devido e não sendo mais possível a constituição de novas enfiteuses a partir do Código Civil de 2002, o pedido dos autores não deve ser acolhido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores da Segunda Turma da Terceira Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação interposta por Solon Ernestino de Oliveira e outros em face de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 22ª Vara Cível da Comarca de Natal que nos autos da ação de usucapião por eles ajuizada (0807593-69.2014.8.20.6001) julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial.

Alegam os recorrentes que o fundamento utilizado para improcedência dos pleitos dos autores fora pautado no art. 332, I, do CPC, concluindo que a pretensão deduzida contrariava enunciado da Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal, que informa a impossibilidade de usucapião de bens públicos

Revelam que é notório o equívoco e desconhecimento do magistrado ao desconsiderar o ofício de n. 321/2021 – SEMURB, trazido aos autos pelo Município de Natal e que confirma que a Carta de Aforamento originária do terreno foreiro não era a até então conhecida Carta de Aforamento de n. 11.817, mas, em verdade a de se tratava da Carta de Aforamento n. 7404, devidamente registrada na 2ª C.R.I com a matrícula nº 17.829.

Defendem que há de se concluir que fora efetivamente constituída a enfiteuse em seu favor.

Argumentam que tais informações modificam inteiramente o imbróglio que se instaurou nos autos em razão da então carta de aforamento não registrada e suas impossibilidades legais para fins de usucapião do imóvel foreiro.

Relatam que com o ofício da SEMURB juntado aos autos, confirmou-se que o terreno foreiro possuía Carta de Aforamento com registro na 2ª C.R.I de Natal.

Requerem a anulação da sentença para fins de retorno dos autos para maior dilação probatória ou, restando convencidos do preenchimento de todos os requisitos para a usucapião do domínio útil do bem imóvel objeto da demanda – em especial o registro da carta de aforamento e constituição da enfiteuse, a prodecência in totum, dos pleitos dos recorrentes constantes na exordial.

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso pelo Município de Natal – ID 11048146.

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso por Geani Lima de Moura – ID 1048149.

A 14ª Procuradoria de Justiça declinou de sua intervenção no processo – ID 11076557.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Destaque-se, inicialmente, que não há que se falar em cerceamento do direito de defesa, pois o processo conta com farta prova documental, prova essa capaz que delimitar a controvérsia e dela sendo possível extrair a solução do caso concreto. Os documentos anexados ao processo são suficientes para a compreensão e o deslinde da causa.

O cerne do presente recurso consiste em saber se o autor da ação faz jus a obter declaração de usucapião de enfiteuse do bem imóvel descrito na petição inicial.

O autor, recorrente, ingressou com ação de usucapião alegando ter a posse forma mansa e pacífica de imóvel onde atualmente reside, localizado na Rua Sampaio Correia, s/n, Bairro Dix-Sept Rosado, CEP 59.052-060, sequencial n. 1.057232-5 – ver descrição na fl. 08 – ID 11046642. Tal bem faz esquina com a Rua Severino Soares, tem como confrontantes imóveis de José Andrade e Manoel Nascimento Bezerril Nobre e foi adquirido em 30 de setembro de 1977, conforme recibo na fl. 23 – ID 11046642.

O Juízo de Primeiro Grau indeferiu o pedido, pois considerou que o bem era público.

Conforme petição do Município de Natal na fl. 92 – ID 11046645, o imóvel objeto da ação de usucapião pertence ao patrimônio foreiro municipal.

Segundo informação expedida pela Prefeitura de Natal na fl. 32 – ID 11046642, o bem é área aforada, integrante de aforamento n. 11.817.

De fato, a certidão expedida pelo Terceiro Ofício de Notas da Cidade de Natal informa que o bem objeto de discussão é um terreno foreiro do patrimônio municipal de Natal – ver fl. 172 – ID 11046654.

Declaração expedida pelo Engenheiro Civil Luiz Alberto Araújo do Nascimento o terreno objeto da ação de usucapião está situado dentro dos limites da área foreira do Município de Natal – ver fl. 93 – ID 11046645.

Como dito em Primeiro Grau, fl. 237 – ID 11046664:


- a certidão fundiária (f. 25) consigna que o imóvel usucapiendo corresponde à área aforada, integrante da Carta de Aforamento n. 11.817, tratando-se do lote n. 04, quadra 12, do loteamento de Maria Isabel de Moura;

- a certidão imobiliária da 1ª C.R.I. (f. 137-v) indica que a Carta de Aforamento em tela não obteve ingresso perante tal Serventia, de modo que o bem “encontra-se em área sob o domínio do MUNICÍPIO DE NATAL

- a 2ª C.R.I., no Ofício que repousa à f. 133, aponta que inexiste no Indicador Real o terreno foreiro com as características do imóvel usucapiendo, assim como não existe, no Indicador Pessoal, registros em nome de Maria Isabel de Moura (e nem do demandante)."


Tendo em vista o disposto no art. 2.038 do CC/2002, o qual prescreve que fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as...

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