Acórdão Nº 01044702320188200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 30-01-2023

Data de Julgamento30 Janeiro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01044702320188200001
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0104470-23.2018.8.20.0001
Polo ativo
CHRISTIANE LIMA DE PAIVA
Advogado(s): MAGNA MARTINS DE SOUZA
Polo passivo
MPRN - 76ª Promotoria Natal
Advogado(s):

Apelação Criminal n° 0104470-23.2018.8.20.0001

Origem: 12ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN.

Apelante: Christiane Lima de Paiva.

Advogada: Magna Martins de Souza (OAB/RN 11349).

Apelado: Ministério Público.

Relator: Desembargador Glauber Rêgo.

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS, (ART. 33, CAPUT, LEI N. 11.343/2006). PRELIMINAR DE NULIDADE DAS PROVAS, SUSCITADA PELA DEFESA. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. MÉRITO. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS, POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NÃO ACOLHIMENTO. EXISTÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. CONTEXTO FÁTICO ANTERIOR À ENTRADA NO DOMICÍLIO À AUTORIZAR AS BUSCAS. CRIME DE NATUREZA PERMANENTE. DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. PLEITO ABSOLUTÓRIO QUANTO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS ANTE A ALEGADA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. CONTEXTO PROBATÓRIO FIRME E ROBUSTO ACERCA DA AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. CIRCUNSTÂNCIAS DA APREENSÃO DA DROGA. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL À CARACTERIZAR O CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ANÁLISE DE OFÍCIO DA DOSIMETRIA. NECESSÁRIO DECOTE DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. REDIMENSIONAMENTO DA PENA QUE SE IMPÕE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 4.ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento ao recurso, realizando, de ofício, ajustes na dosimetria da pena e fixando-a em 02 anos e 10 meses de reclusão, além do pagamento de 260 dias-multa, mantendo todos os demais termos da sentença hostilizada, tudo nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por Christiane Lima de Paiva, já qualificada nos autos da ação penal, em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 12ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN (ID 14047653 - Págs. 01-07), que a condenou a uma pena de 03 anos e 02 meses de reclusão e 270 dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006).

A apelante, em suas razões (ID 16365638 - Págs. 01-04), suscitou preliminar de nulidade ante a invasão ao domicílio e realização de busca e apreensão sem decisão judicial ou consentimento expresso dos moradores. No mérito, ante a alegada insuficiência de provas, requereu a sua absolvição.

Em sede de contrarrazões (ID 17204390 - Págs. 01-11), após rebater os fundamentos dos recursos, o Ministério Público de primeiro grau pugnou pelo desprovimento do apelo.

Por intermédio do parecer de ID 17239253 - Págs. 01-04, a 4.ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

Ao Eminente Desembargador Revisor.

VOTO


PRELIMINAR DE NULIDADE DAS PROVAS SUSCITADA PELA APELANTE – PROVAS OBTIDAS MEDIANTE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO

Deixo para apreciar este pleito no mérito, por se tratar de questão que demanda análise de fatos e provas.

MÉRITO


Verifico preenchidos os requisitos de admissibilidade, portanto, conheço do presente recurso.

Inicialmente objetiva a recorrente a nulidade das provas obtidas sustentando que houve quebra da inviolabilidade domiciliar em razão da entrada na residência sem autorização dos moradores e sem o respectivo mandado judicial de busca e apreensão.

Inexiste respaldo na tese defensiva.

A inviolabilidade domiciliar constitui um dos mais caros e relevantes direitos fundamentais estampados na Constituição Federal de 1988, garantindo ao proprietário ou ocupante de um aposento habitado a garantia da incolumidade de sua residência contra as forças do Estado ou de outros particulares, dependendo, para o ingresso, de sua autorização ou em situações excepcionais elencadas pelo próprio texto constitucional, senão vejamos:

Art. 5 (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Consoante aponta o próprio texto constitucional, por meio de uma limitação expressa ao direito fundamental que ora se discute, permite-se que as forças policiais repressivas do Poder Público adentrem no domicílio de quem esteja praticando em flagrante delito alguma infração penal, tendo em vista que a inviolabilidade domiciliar não pode servir de escudo à prática delituosa.

Nesse diapasão, considerando que a flagrância delitiva é hipótese que mitiga o direito fundamental em comento, resta saber se na hipótese vertente houve flagrante delito que tivesse autorizado a entrada forçada dos policiais militares na residência da acusada sem que houvesse autorização ou exibição de mandado judicial.

No caso dos autos, verifico que a quebra da inviolabilidade domiciliar ocorreu com a devida regularidade e dentro da hipótese excepcional autorizada pela norma constitucional, uma vez que o delito tipificado no art. 33, da Lei de Drogas, sobretudo em sua modalidade de ter em depósito, possui natureza permanente, de tal forma que nos crimes dessa classificação o flagrante existe enquanto durar a permanência delitiva, porquanto a consumação se portrai durante no tempo.

Por outro lado, a fim de evitar arbitrariedades do Poder Público nesses casos de flagrante em crimes permanentes, a jurisprudência dos Tribunais Superiores sedimentaram o entendimento que a entrada forçada apenas é permitida se houver fundadas razões que legitimem o ingresso no domicílio do suspeito, senão vejamos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. DECISÃO MANTIDA. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. INVASÃO À DOMICÍLIO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. INDÍCIOS PRÉVIOS DA SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. MANIPULAÇÃO DO APARELHO CELULAR DA AGRAVANTE SEM AUTORIZAÇÃO. NATUREZA DA SUBSTÂNCIA APREENDIDA.TEMAS NÃO DEBATIDOS NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. No que se refere à ilicitude das provas obtidas em razão de violação do domicílio, é cediço que "o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio" (AgRg no HC 678.069/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 20/9/2021).

No caso em apreço, extrai-se dos autos justa causa para ingresso dos policiais no domicílio da agravante, tendo em vista que, em patrulhamento de rotina, os policiais militares avistaram a agravante e seu companheiro em uma lanchonete, que, ao perceberem a presença da viatura, se dirigiram a um veículo e ficaram dando voltas até parar novamente no mesmo local, e quando iam saindo novamente, os policiais os abordaram e, durante vistoria no veículo, encontraram duas porções de maconha e correspondências abertas com o endereço da acusada. Na busca domiciliar foram apreendidos 4kg de cocaína, além da quantia de R$ 97.100,00 (noventa e sete mil e cem reais) e caderno com anotações típicas da contabilidade da traficância, confirmando-se a possível ocorrência dos delitos de tráfico e associação para o tráfico. Nesse contexto, a partir da leitura dos autos, verifica-se que foi constatada a existência de indícios prévios da prática da traficância, o que autoriza a atuação policial, não havendo falar em nulidade das provas produzidas por ausência de mandado judicial. Ademais, foi destacado pela Corte estadual que "o acusado [corréu] afirmou, em seu interrogatório na fase policial, que franqueou a entrada dos policiais militares no quarto onde reside" (fl. 319). Desse modo, é inadmissível rever a conclusão das instâncias ordinárias na via estreita do habeas corpus, ante a necessária incursão probatória.

2. As matérias referentes à suposta manipulação, sem autorização judicial, do aparelho celular da agravante pelos policiais, bem como o fato da substância apreendida de cor branca não ser cocaína, não foram apreciadas pelo TJ/SP, no julgamento do habeas corpus originário, o que obsta a análise direta por este Tribunal Superior de Justiça, uma vez vedada a supressão de instância.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 701.156/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 19/10/2022.) Destaques acrescidos.

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LICITUDE DA PROVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Na esteira do decidido em repercussão geral pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616, para a adoção da medida de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em fundadas razões as quais indiquem a situação de flagrante delito no imóvel.

2. No caso, o Tribunal de origem reconheceu a busca domiciliar como válida, porque precedida de justa causa, constando dos autos que os policiais abordaram alguns indivíduos que estavam em frente a uma residência e encotraram nos bolsos das calças do paciente e do corréu porções de maconha, tendo o acusado...

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