Acórdão Nº 01051226920208200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 30-03-2021

Data de Julgamento30 Março 2021
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01051226920208200001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0105122-69.2020.8.20.0001
Polo ativo
IGOR DOS SANTOS DA SILVA e outros
Advogado(s): FLAVIA KARINA GUIMARAES DE LIMA
Polo passivo
MPRN - 75ª PROMOTORIA NATAL e outros
Advogado(s):

Apelação Criminal nº 0105122-69.2020.8.20.0001

Origem: 7ª Vara Criminal da Comarca de Natal

Apelante: Igor dos Santos da Silva

Advogada: Flávia Karina Guimarães de Lima (OAB/RN 10.423)

Apelado: Ministério Público

Relator: Dr. Roberto Guedes (Juiz convocado)

EMENTA: PENAL. APCRIM. ROUBO CIRCUNSTANCIADO EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 157, §2º, II, E §2º-A C/C 70, E ART. 157, §2º, II, E §2º-A, I, NA FORMA DO ART. 71, TODOS DO CP). PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA MODALIDADE TENTADA. INVERSÃO DA POSSE DA RES FURTIVA (TEORIA DA AMOTIO). CRIME CONSUMADO. INVIABILIDADE. AGRAVANTE DA CALAMIDADE PÚBLICA. RECRUDESCIMENTO ADMITIDO SOMENTE QUANDO O AGENTE SE VALE DA PECULIARIDADE VIVENCIADA. HIPÓTESE DIVERSA. DECOTE SEM REPERCUSSÃO NO QUANTUM DA PENA. DESPROPORÇÃO DAS MAJORANTES. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO AO CÚMULO DOS VETORES. FACULDADE CONFERIDA PELO ART. 68 DO CP. INOCORRÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO OU EXCESSIVIDADE DO RESULTADO. REJEIÇÃO. RETIRADA DA CAUSA DE AUMENTO DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. DEPOIMENTO DAS VÍTIMAS EM HARMONIA COM DEMAIS ELEMENTOS COMPROVANDO O EMPREGO DO ARTEFATO. TESE IMPRÓSPERA. PRECEDENTES. DECISUM REFORMADO EM PARTE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores integrantes da Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos e em consonância com a 1ª Procuradoria de Justiça, conhecer e prover parcialmente o Apelo, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Apelo interposto por Igor dos Santos da Silva em face da sentença da Juíza da 7ª VCrim da Capital, a qual na AP 0105122-69.2020.0001, onde se acha incurso no art. 157, §2º, II, e §2º-A, I (vítima Valdecir de Melo) e art. 157, §2º, II, e §2º-A c/c 70 (vítimas Erica Farias e Marcos Souza), e art. 157, §2º, II, e §2º-A, I, na forma do art. 71, todos do CP, lhe condenou à pena de 12 (doze) anos, 05 (cinco) meses e 09 (nove) dias de reclusão, em regime fechado, além de 27 (vinte e sete) dias-multa (ID 8440697).

2. Segundo a denúncia, reproduzida na sentença, “[...] 1) Em 03 de setembro de 2020, por volta das 18h, entre os bairros Nossa Senhora de Nazaré e Lagoa Nova, nesta Capital, o denunciado, em comunhão de vontades e unidade de ações com outro indivíduo ainda não identificado, subtraiu para si, mediante grave ameaça exercida pelo emprego de arma de fogo, bens móveis pertencentes a Valdecir Fernandes de Melo, Érica Silva Farias, Marcos Antônio Melo de Souza e Nailson Ferreira Rodrigues, de forma continuada. 2) Depreende-se do expediente policial incluso que o Sr. Valdecir de Melo encontrava-se trabalhando em sua oficina, situada na Avenida Jerônimo Câmara, quando repentinamente adentraram no estabelecimento o denunciado e outro indivíduo, com uma arma de fogo em punho, oportunidade na qual subtraíram um veículo Toyota/Etios, placas OKB-5414, de propriedade de um cliente. Durante a evasão, ainda no mesmo bairro, a dupla colidiu o Etios em outro carro, razão pela qual resolveu abandoná-lo em via pública e fugir a pé. 3) Logo em seguida, os assaltantes abordaram o casal Érica e Marcos no Hyundai/HB20, cor preta e placas QGK-3577, com idêntico modus operandi, logrando êxito em subtrair uma bolsa feminina tira-colo, dois aparelhos celulares, sendo um G6 Plus e outro Samsung/Gran Prime do casal vitimado. 4) Em seguida, já na Avenida Miguel Castro, o acusado e seu comparsa subtraíram de Nailson Ferreira a motocicleta Honda, cor vermelha e placas QGT-3803, após anunciar o roubo com emprego de arma de fogo. Nesta fuga, a dupla veio a colidir a motocicleta roubada contra um ônibus. A polícia, que já havia sido acionada, chegou rapidamente ao local e conseguiu deter apenas IGOR, enquanto o segundo agente criminoso evadiu-se. 5) Conduzido para a Central de Flagrantes e interrogado pela autoridade policial, o réu fez uso do direito ao silêncio, nada obstante todos os ofendidos o tenham reconhecido como um dos autores dos crimes.[...]”.

3. Extrai-se da Irresignação, em síntese (ID 8440700): i) necessidade de desclassificação para modalidade tentada; ii) inidoneidade no fundamento da agravante do art. 61, II, “j” do CP (calamidade pública); e iii) impossibilidade de aplicação sucessiva de majorantes da parte especial do CP.

4. Pede a reforma do decisum.

5. Contrarrazões ao ID 8440701.

6. Parecer pelo seu provimento (ID 8774613).

7. É o relatório.

VOTO

8. Conheço do Apelo.

9. No mais, merece prosperar em parte.

10. Com efeito, acerca do pedido de desclassificação para modalidade tentada (ponto i), prevalece no nosso ordenamento jurídico a teoria da amotio ou apprehensio, como já o disse o STJ, a partir do AREsp. 1088922, da relatoria do Ministro Joel Ilan Paciornik e publicado em 27/06/2017:

“(...) Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada (...)”.

11. Em casos congênere, assim decidiu esta Corte Criminal:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO (ART. 157, CAPUT, CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO CRIMINAL. PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO TENTADO. ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DO CONSTRANGIMENTO SOBRE A VÍTIMA. NÃO CABIMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO CONTUNDENTE A LASTREAR A CONDENAÇÃO. VÍTIMA IMPELIDA A ENTREGAR O APARELHO CELULAR EM RAZÃO DA EXPRESSÃO DE AGRESSIVIDADE E GESTO EXERCIDO COM A MÃO CERRADA. INTIMIDAÇÃO CONFIGURADA. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA FORMA TENTADA. INVIABILIDADE. CONFIGURADA A INVERSÃO DA POSSE DA RES FURTIVA, AINDA QUE TEMPORÁRIA. CRIME CONSUMADO. TEORIA DA AMOTIO, ADOTADA PELO STJ. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(...)" (ApCrim 2017.006114-1, Rel. Des. Gilson Barbosa, Julg.: 12/12/2017, Câmara Criminal/TJRN).

12. Dessa feita, em todos os contextos criminosos apresentados (03 vítimas de roubo), houve a inversão da posse dos bens, sendo irrelevante, portanto, aferir o tempo no qual permaneceu em poder dos agentes, como bem destacado pela 1ª PJ (ID 8774613):

“[...] No presente caso, restou nítido do arcabouço probatório produzido nos autos que, a vítima Valdecir de Melo teve subtraído pelo denunciado e seu comparsa um veículo Toyota/Etios, de propriedade de um cliente de sua oficina, tendo o réu, momentos após a subtração, colidido o referido veículo, o que levou os agentes a abandonarem o automóvel. Evidenciou-se, ainda, que imediatamente após a subtração do veículo Etios, os assaltantes abordaram o casal Érica Silva e Marcos Antônio, com idêntico modus operandi, tendo subtraído destes uma bolsa feminina e dois aparelhos celulares. Logo após, os agentes subtraíram a motocicleta Honda de propriedade da vítima Nailson Ferreira e, durante a fuga, colidiram com um ônibus. [...] Por sua vez, a vítima do segundo roubo, Érica Silva, ao ser ouvida em juízo informou ter sido abordada, juntamente com seu marido, por duas pessoas armadas, as quais subtraíram seu aparelho celular e sua bolsa. Noticiou, ainda, que os agentes tentaram roubar o veículo pertencente ao casal, entretanto, não obtiveram êxito. [...] Por fim, destaque-se que Nailson Ferreira, terceira vítima, informou em audiência de instrução que os dois agentes anunciaram assalto com emprego de um revólver, subtraindo seu capacete e sua motocicleta. Afirmou que o acusado permaneceu no veículo, tendo o comparsa conseguido empreender fuga (cf. mídia audiovisual anexa). Assim, embora a defesa argumente a incidência da modalidade tentada “em virtude do reduzido lapso temporal entre a subtração e o abandono da res furtiva”, é certo que o delito de roubo se consuma com a mera inversão da posse, sendo irrelevante aferir o tempo em que o agente criminoso permaneceu com a bem subtraído. [...]”.

13. Aprofundando ainda mais o iter criminis empregado pelos agentes, e no afã de reforçar a efetiva consumação dos delitos em continuidade delitiva, destaca-se, isoladamente, os atos:

  1. Vítima Valdecir Melo (subtração do veículo Toyota/Etios): acusados chegaram a acionar o veículo, “... fazendo-o movimentar, sendo tal automóvel quase que imediatamente abandonado por IGOR e seu comparsa em razão do veículo ter batido em outro carro [...]” (ID 8440697, p. 7);

  1. Vítimas Marcos Souza e Erica Farias (objetos pessoais e veículo): “[...] ao ser ouvida em juízo informou ter sido abordada, juntamente com seu marido, por duas pessoas armadas, as quais subtraíram seu aparelho celular e sua bolsa. Noticiou, ainda, que os agentes tentaram roubar o veículo pertencente ao casal, entretanto, não obtiveram êxito [...]” (ID 8774613). Relativamente ao carro, [...] chegaram a ingressar no HB20, somente resolvendo abandoná-lo após serem informados pelos ofendidos acerca da existência de bloqueador e rastreador [...]”(ID 8440697, p. 7);

  1. Vítima Nailson Rodrigues (subtração da moto): “[...] destaque-se que Nailson Ferreira, terceira vítima, informou em audiência de instrução que os dois agentes anunciaram assalto com emprego de um revólver, subtraindo seu capacete e sua motocicleta. Afirmou que o acusado permaneceu no veículo, tendo o comparsa conseguido empreender fuga (cf. mídia audiovisual anexa) [...]” (ID 8774613).

14. Na dinâmica fática, portanto, restou clara terem os agentes abordado a primeira vítima e adentrado no veículo, colocando em funcionamento (insucesso por colisão); subtraído bens de Marcos Souza e Erica (parte da res furtiva não recuperada – ID 8440697, p. 4); e inversão da posse na motocicleta (3º episódio), até o momento da abordagem policial e fuga do outro comparsa.

15. Assim, repito, o entendimento levado a efeito no primeiro grau,...

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