Acórdão Nº 01058010620198200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 20-11-2023

Data de Julgamento20 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01058010620198200001
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0105801-06.2019.8.20.0001
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):
Polo passivo
DARI ALVES DA SILVA e outros
Advogado(s):

Apelação Criminal nº 0105801-06.2019.8.20.0001.

Origem: Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN.

Apelante: Ministério Público.

Apelados: Dari Alves da Silva e Leidjane das Neves do Nascimento.

Def. Público: Dr. José Wilde Matoso Freire Júnior.

Relator: Desembargador Glauber Rêgo.

EMENTA: PENAL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, INCISO II, DA LEI Nº 8.137/1990). SONEGAÇÃO FISCAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELO ACUSATÓRIO. PRETENSÃO CONDENATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DOLO. DESCRIÇÃO QUE MAIS SE COADUNA COM NEGLIGÊNCIA OU IMPRUDÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1- “Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo com a utilização de expedientes espúrios e motivado por interesses pessoais.” (STJ - REsp 1854893 / SP RECURSO ESPECIAL 2018/0316778-9, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020).

2 - As provas colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa não foram capazes de comprovar o dolo dos apelados, ainda que genérico, indicando que a descrição do fato mais se coaduna como imprudência ou negligência.

3 - Recurso conhecido e desprovido.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em dissonância com o parecer da 4ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento ao recurso, tudo nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público contra a Sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN (ID 20192917) que, julgando improcedente a Denúncia, absolveu Dari Alves da Silva e Leidjane das Neves do Nascimento da prática do crime disposto no art. 1º, II, c/c arts. 11 e 12, I, da Lei n.º 8.137/1990 c/c o artigo 71, do Código Penal.

Nas razões recursais (ID 20193124), o Parquet de primeiro grau pugna pela condenação dos apelados pela prática do crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º, II, c/c artigos 11 e 12 da Lei n.º 8.137/1990 em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal).

Em sede de contrarrazões (ID 20193144), após rebater os fundamentos do recurso, a defesa pugnou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

Por intermédio do parecer de ID 20539553, a 4ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

Ao eminente Des. Revisor.

VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Inconformado com a absolvição dos réus pela prática do crime previsto no art. 1º, II, c/c arts. 11 e 12, I, da Lei n.º 8.137/1990 c/c o artigo 71, do Código Penal, o Ministério Público de primeiro grau maneja recurso de apelação criminal, pugnando pela condenação dos acusados.

Razão não lhe assiste.

Ab initio, imperioso se faz esclarecer, mormente por questão de segurança jurídica, que o conceito de sonegação fiscal da Lei 8.137 de 1990 abrange vários incisos e artigos diferentes, de modo que o Superior Tribunal de Justiça elenca dolo e requisitos diversos, a certo modo, para cada um deles.

Dito isto, saliento que o presente caso trata-se do art. 1º, II que assim determina:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

(...)

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

No entanto, para este crime em específico, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento que, embora baste a presença de dolo genérico, muitas vezes, a descrição do fato mais se amolda a questões de negligência ou imprudência, como, por exemplo, uma má administração da empresa, do que um dolo de sonegar propriamente dito, de modo que a condenação, nesses casos, seria impossível, em razão de não haver previsão do referido crime na modalidade culposa.

Nesse sentido, mutatis mutandis:

RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. DOLO. ESSENCIALIDADE. DESCRIÇÃO DE CULPA EM SENTIDO ESTRITO. INCOMPATIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA ABSOLVER A RECORRENTE. 1. A teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si mesma para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado à realidade, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo. 2. Não há, portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva. 3. Na espécie, a acusada assumiu a propriedade da empresa de composição gráfica personalizada, em virtude do súbito falecimento de seu cônjuge. Movida pela pouca experiência para a condução da empresa, delegou as questões tributárias aos gerentes com conhecimento técnico especializado, bem como a empresas de consultoria. Tal constatação, longe de representar incursão no plano fático, é reconhecida, de modo incontroverso, pelas instâncias ordinárias, que concluíram pela ação equivocada na contratação e na delegação da condução fiscal da empresa. 4. Diante desse quadro, não há como imputar-lhe o delito de sonegação de tributo com base, única e exclusivamente, na teoria do domínio do fato, máxime porque não houve descrição de nenhuma circunstância que indique o nexo de causalidade, o qual não pode ser presumido. 5. O delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua configuração, que a conduta do agente seja dolosa, consistente na utilização de procedimentos (fraude) que violem de forma direta a lei ou o regulamento fiscal, com objetivo de favorecer a si ou terceiros, por meio da sonegação. Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo com a utilização de expedientes espúrios e motivado por interesses pessoais. 6. Na hipótese, o quadro fático descrito na imputação é mais indicativo de conduta negligente ou imprudente. A constatação disso é reforçada pela delegação das operações contábeis sem a necessária fiscalização, situação que não se coaduna com o dolo, mas se aproxima da culpa em sentido estrito, não prevista no tipo penal em questão. 7. Recurso especial provido para absolver a acusada. (STJ - REsp 1854893 / SP RECURSO ESPECIAL 2018/0316778-9, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020). Grifei.


Diante de tais considerações e antes mesmo de adentrar à análise das provas quanto à existência ou não do dolo, necessário se faz apontar, de pronto, que a apelada Leidjane das Neves do Nascimento não tinha qualquer ingerência na empresa, sendo apenas aquela que emprestou seu nome para a sua abertura, uma vez que todas as provas dos autos comprovam ser o apelado Dari Alves da Silva o dono de fato/administrador da empresa, inclusive com sua própria confissão e demais provas orais colhidas em audiência.

No entanto, mesmo afastando a acusada acima do delito de sonegação fiscal, ainda quanto ao apelado Dari, também não consigo enxergar o dolo necessário capaz de ensejar o édito condenatório. Explico.

O auditor fiscal Pedro Regis da Costa, ouvido em audiência (ID 20193134) declarou que foi o responsável pela fiscalização da referida empresa e em diligência feita no local, verificou que o estabelecimento estava fechado e vazio, tendo uma pessoa que estava presente naquele momento lhe afirmado não existir mais a empresa. Diante da referida situação e sabendo que existia uma contadora no cadastro, a procurou e esteve no seu escritório. Nesta ocasião, relatou ter ela procuração da empresa para assinar os documentos, sendo, inclusive, a responsável por assinar o recebimento dos autos de infração. Prosseguiu relatando nunca ter tido contato com os acusados, pois este era feito com a contadora.

Esclareceu,...

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