Acórdão Nº 01093875120198200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 18-12-2023

Data de Julgamento18 Dezembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01093875120198200001
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0109387-51.2019.8.20.0001
Polo ativo
MPRN - 10ª PROMOTORIA NATAL e outros
Advogado(s):
Polo passivo
SILVIO NEY DE SOUSA
Advogado(s): ISLAYNNE GRAYCE DE OLIVEIRA BARRETO

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte

Gabinete do Desembargador Gilson Barbosa - Juiz Convocado Ricardo Tinoco

Apelação Criminal n. 0109387-51.2019.8.20.0001.

Origem: 4ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN.

Apelante: Ministério Público.

Apelado: Silvio Ney de Sousa.

Advogado: Dr. Islaynne Grayce de Oliveira Barreto - OAB/RN 7.221.

Relator: Juiz Convocado Ricardo Tinoco.

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DO ART. 1º, II E V, DA LEI N. 8.137/1990. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO MINISTERIAL. DOSIMETRIA DA PENA. PRETENSO RECONHECIMENTO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES ENTRE AS CONDUTAS PRATICADAS NOS ANOS DE 2014, 2015 E 2016. NÃO ACOLHIMENTO. CONDUTAS QUE CARACTERIZAM HIPÓTESE TÍPICA DA CONTINUIDADE DELITIVA. CRIMES DE MESMA ESPÉCIE TRIBUTÁRIA, PRATICADOS EM SEMELHANTES CONDIÇÕES DE TEMPO, LUGAR E MANEIRA DE EXECUÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO PENAL DO ART. 69 DO CP. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição a 5ª Procuradora de Justiça, conhecer e negar provimento ao recurso interposto, mantendo inalterados os termos da sentença recorrida, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público contra sentença proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN que condenou Sílvio Ney de Sousa pela prática do crime previsto no art. 1º, II e V, da Lei n. 8.137/1990, a pena total de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, a saber, prestação pecuniária, consistente no pagamento em dinheiro da quantia de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais) em favor de uma entidade pública ou privada com finalidade social e prestação de serviços à comunidade.

Em suas razões recursais. ID 21811878, o Ministério Público pleiteou o reconhecimento do concurso material entre as condutas praticadas nos anos de 2014, 2015 e 2016.

Em contrarrazões, a defesa refutou os argumentos ministeriais, para afastar a tese de reconhecimento do concurso material e manter a sentença condenatória sem reformas, ID 21811886.

Instada a se pronunciar, a 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradora de Justiça, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso interposto pelo Ministério Público, a fim de que fosse reformada a sentença para reconhecer a figura do concurso material entre os crimes cometidos nos anos de 2014, 2015 e 2016, ID 21971462.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, deve ser conhecido o presente recurso.

O Ministério Público pretende o reconhecimento do concurso material por três vezes, entre as condutas praticadas nos anos de 2014, 2015 e 2016.

Não merece acolhimento o pleito recursal.

Narra a denúncia que nos meses de agosto, outubro e novembro de 2014; janeiro, abril, maio, julho a dezembro de 2015; março, junho, julho, agosto e outubro de 2016 (ocorrência 1), o réu Sílvio Ney de Sousa, na condição de gestor da empresa SÍLVIO NEY DE SOUSA ME, CNPJ n. 24.590.416/0001-75, Inscrição Estadual n. 20.032.541-8, fraudou a fiscalização tributária, ao deixar de escriturar algumas operações de saída de mercadorias tributadas realizadas na modalidade crédito e/ou débito, divergindo das informações fornecidas pelas administradoras de cartões de crédito/débito e, portanto, suprimindo o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS nos valores de R$ 55.806,54 (cinquenta e cinco mil, oitocentos e seis reais e cinquenta e quatro centavos), de acordo com a ocorrência 01 do auto de infração n. 1387/2016 – 1ª URT.

Conforme a sentença, ID 21811876 - p. 6, o réu foi condenado nas penas do art. 1º, II e V, da Lei 8.137/1990, em continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, por dezessete vezes, resultando na pena de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias multa, em regime aberto, não tendo sido reconhecido o concurso material entre os anos de 2014, 2015 e 2016, como requerido nas alegações finais pelo parquet, ID 21811873 - p. 7.

Isso porque, como destacou o magistrado em sentença, não assiste razão ao Ministério Público quando sustenta a ocorrência do concurso material, pois a mudança do ano fiscal não enseja o afastamento dos requisitos objetivo e subjetivo da continuidade delitiva, ID. 21811877 - p. 6.

Pois bem.

Sobre tema, primeiramente deve ser evidenciado que o que o ICMS é um imposto de apuração mensal[1], conforme se extrai do art. 118, § 2.º, e art. 130-A, III, do RICMS.

Ou seja, o valor da prestação pecuniária tributária a ser paga aos cofres públicos é levantado a cada mês, com apuração dos fatos geradores ocorridos naquele período, não interessando ao cálculo o fechamento do exercício financeiro anual (para esse tributo especifico). Assim, a Fazenda averigua a ocorrência ou não de recolhimento fraudulento considerando esse espaço de tempo, sem considerar o fechamento do ano.

Com o contexto tributário firmado, verificam-se os requisitos exigidos para a continuidade delitiva, no caso, a reiteração de condutas nas mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução, além de unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos.

In casu, inegável a incidência da continuidade delitiva, dado que foram praticadas 17 (dezessete) omissões fiscais delituosas ao longo do período fiscalizado, cujas semelhantes condições de tempo, lugar, forma e elemento subjetivo demonstram que as condutas subsequentes devem ser tidas como continuação das anteriores, mesmo que entre algumas dessas omissões haja interstício maior que 30 (trinta) dias.

Ora, os eventos relatados na denúncia e confirmados em juízo apontam que o réu, na condição de gestor, era o responsável pelas omissões na escrituração dos documentos fiscais da pessoa jurídica que representava, além de ter deixado de emitir as notas fiscais relativas à venda de mercadorias, ao longo dos anos de 2014, 2015 e 2016.

Presentes, então, todos os requisitos do art. 71 do Código Penal desde a primeira até a última conduta imputada nestes autos, não havendo em momento algum a descontinuidade do nexo causal e/ou quebra de propósito criminoso por parte do apelado.

Descabido, portanto, o argumento do Ministério Público de que é necessário o reconhecimento do concurso material de crimes entre os anos distintos da prática delitiva, uma vez que existiram durante os anos de 2014, 2015 e 2016 uma clara rotina de omissões fiscais na vida contábil da empresa gerida pelo apelado.

Isso porque todas as condutas caracterizaram a prática do delito de mesma espécie tributária nos períodos de 2014, 2015 e 2016, em semelhantes condições de tempo, lugar e maneira de execução, em clara vinculação entre elas.

Ademais, destaca-se que a rotina das omissões fiscais configura tão somente a continuidade delitiva, sendo desproporcional a adoção da regra do concurso material.

Neste sentido, segue jurisprudência da Câmara Criminal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUÁRIA (ART. 1º, II E V, DA LEI Nº 8.137/1990) APELO MINISTERIAL CONTRA A DOSIMETRIA DA PENA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO CONCURSO MATERIAL EM ADIÇÃO À CONTINUIDADE DELITIVA RECONHECIDA NA SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA. PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS PARA APLICAÇÃO DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL NÃO É ABSOLUTO. CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE A PRIMEIRA E A ÚLTIMA AÇÃO COMPROVADA NOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE CRIMES AUTÔNOMOS QUE RECLAMEM O CONCURSO MATERIAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. CONSONÂNCIA COM O PARECER DA 1ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA, EM SUBSTITUIÇÃO A 5ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA. (TJRN - Apelação Criminal n° 2020.000272-1 - Câmara Criminal - Rel. Des. Gilson Barbosa - j. 16/06/20).

PENAL E TRIBUTÁRIO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, INCISOS II E V, DA LEI 8.137/1990) EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 71 DO CP) E CONCURSO MATERIAL (ART. 69 DO CP), APELAÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE EVIDENCIADAS ATRAVÉS DE LEGÍTIMO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO, TESTEMUNHAS E CONFISSÃO DOS ACUSADOS. COAUTORIA EXISTENTE, NA FORMA DO ART. 11 DA LEI 8.137/90. DOLO GENÉRICO CARACTERIZADO. DOSIMETRIA. CAUSA DE AUMENTO DO INCISO I DO ART. 12 DA LEI 8.137/90. PLEITO RECURSAL DE AFASTAMENTO DA MAJORANTE QUE MERECE PROSPERAR. INDICAÇÃO DO VALOR SONEGADO SEM INDICAÇÃO DE ELEMENTO CONCRETO APTO A DEMONSTRAR O GRAVE DANO À COLETIVIDADE, NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS FIXADOS PELA 3ª SEÇÃO DO STJ NO RESP 1.849.120/SC. EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, DO ADICIONAMENTO DO CONCURSO MATERIAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. CONDUTA MENSAL PERPETRADA QUE CARACTERIZA HIPÓTESE TÃO SÓ DE CONTINUIDADE DELITIVA, POR SEREM DELITOS DE MESMA ESPÉCIE TRIBUTÁRIA, PRATICADOS EM SEMELHANTES CONDIÇÕES DE TEMPO, LUGAR E MANEIRA DE EXECUÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE, NA ESPECIFICIDADE, DA ADIÇÃO DA FIGURA DO ART. 69 DO CP. PRECEDENTES DESTA CÂMARA CRIMINAL E DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA AFASTAR A MAJORANTE DO ART. 12, I, DA LEI 8.137/90 E, DE OFÍCIO, DECOTAR O CONCURSO MATERIAL APLICADO COM A CONSEQUENTE READEQUAÇÃO DA PENA. (TJRN - Apelação Criminal 0105901-92.2018.8.20.0001- Câmara Criminal - Rel: Des. Glauber Rêgo - j. 27/05/2022).

Assim, tendo em vista as 17 infrações penais em continuidade delitiva praticadas pelo réu, o que fez incidir, no aumento da pena, a fração de 2/3 (dois terços), nos termos do...

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