Acórdão Nº 01290300520138200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 12-03-2024

Data de Julgamento12 Março 2024
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01290300520138200001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0129030-05.2013.8.20.0001
Polo ativo
MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA
Advogado(s): MARLA MAYADEVA SILVA RAMOS SERRANO, VANDERLUCIA ALVES DOS SANTOS, IVAN ISAAC FERREIRA FILHO
Polo passivo
MARIA DO SOCORRO BARBOSA CHAVES
Advogado(s): ANDERSON PEREIRA BARROS

EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. ATRASO NA ENTREGA DAS CHAVES POR CULPA DA CONSTRUTORA. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO INVOCADO. INADIMPLÊNCIA TANTO DA COMPRADORA QUANTO DA CONSTRUTORA. NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO DOS DÉBITOS NÃO OBSERVADA. EXISTÊNCIA DE TAC FIRMADO PELA CONSTRUTORA JUNTO AO PROCON. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE OU IRREGULARIDADE NO ACORDO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR. DANOS MATERIAIS EVIDENCIADOS. CONDENAÇÃO DA APELANTE EM LUCROS CESSANTES (ALUGUÉIS). IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM MULTA CONTRATUAL. TEMA 970 DO STJ. INSURGÊNCIA ACOLHIDA NESTE PONTO. AFASTAMENTO DA CLÁUSULA PENAL E MANUTENÇÃO DOS ALUGUÉIS POR SE MOSTRAR VANTAJOSO À CONSUMIDORA. DANOS MORAIS. CIRCUNSTÂNCIAS QUE EXTRAPOLAM O MERO ABORRECIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao apelo cível, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pela MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A contra sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN que, nos autos da presente Ação de Obrigação de Fazer c/c Cobrança c/c Indenização por Danos Morais e pedido de tutela antecipada ajuizada por MARIA DO SOCORRO BARBOSA CHAVES em desfavor da ora apelante, julgou parcialmente procedente os pedidos constantes na inicial, conforme transcrição adiante:


[…] Ante o exposto, julgo procedentes, em parte, os pedidos contidos na inicial para, em confirmação a tutela antecipada outrora deferida:

a) determinar a ré que entregue o imóvel contratado à parte autora, o que já foi feito;

b) condenar a ré ao pagamento de R$21.926.21 (vinte e um mil, novecentos e vinte e seis reais e vinte e um centavos), relativo ao inadimplemento do acordo firmado no âmbito do PROCON, abatido o montante devido em relação a atualização do saldo devedor pelo INCC;

c) condenar a ré ao pagamento de cláusula penal moratória, consistente em multa de 2% (dois por cento), acrescida de 1% (um por cento) de juros moratórios ao mês sobre o valor de R$111.671,00 (cento e onze mil, seiscentos e setenta e um reais) no período compreendido entre maio/2012 a fevereiro/2014, a ser apurado em sede de liquidação de sentença por meros cálculos;

d) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos materiais equivalente aos aluguéis de 12 (doze) meses, compreendido o período de 21/01/2013 a 03/02/2014, no valor de R$1.000,00 (um mil reais) por cada mês, corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde cada desembolso;

e) condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo INPC, a partir da prolação desta, e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação.

Julgo improcedente a reconvenção apresentada pelo réu.

Em razão da sucumbência mínima da autora, submeto a parte ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação […] - 8753056.

Em suas razões recursais (Id. 8753057), o apelante argumenta inicialmente a necessidade de sobrestamento do processo em virtude da discussão no Tema Repetitivo 971 do STJ.

No mérito, arrazoa, em síntese, que a ora apelada estaria inadimplente com parcela de saldo de financiamento devida diretamente à construtora. Dessa forma, estando inadimplente, não poderia exigir a conclusão das obras do empreendimento e sua imissão na posse.

Aduz que “… no momento da assinatura do termo de anuência (21/01/2013), a parte apelada era confessadamente devedora da parte apelante, porém o réu/recorrente ainda não tinha se tornado devedor da parte autora/recorrida”.

Acresce que “ainda que os l. Julgadores entendam que já havia uma obrigação da apelante, referente a uma dívida com o apelado, observa-se que as mesmas possuem fatos geradores totalmente distintos, não podendo a recorrente compensar automaticamente o débito, por mera presunção. Uma dívida advém de um suposto descumprimento de TAC, a outra deriva do descumprimento do Contrato de Compra e Venda”.

Narra que a apelada “firmou Termo de Ajustamento de Conduta no PROCON onde restou estabelecido que as acionadas pagariam aos seus consumidores/adquirentes que aderissem ao referido termo valores a título de aluguéis e taxa de evolução de obra (...). Ocorre que os cálculos realizados pelo PROCON que lastrearam o preenchimento do Termo de Anuência da autora ignoraram o quanto estabelecido do próprio Termo de Ajustamento de Conduta, eis que não observaram os prazos iniciais e finais de cômputo dos valores a serem restituídos ao autor. Deste modo, acabou restando estabelecido no Termo de Anuência como valor a ser pago pela empresa ré quantia muita superior à efetivamente devida (...)”. Em suma, alega que o TAC firmado entre as partes é abusivo, pois trata-se de negociação unilateralmente conduzida pelo PROCON/RN, bem como haveriam supostos erros de cálculos.

Defende que o pedido de reversibilidade da cláusula penal deveria ser julgado improcedente, uma vez que não existe o descumprimento contratual sustentado, bem como não há no contrato debatido vício ou defeito que autorize a reversibilidade de cláusulas nos termos pleiteados.

Sustenta que inexiste os danos materiais alegados, devendo ser julgado improcedente a indenização. Alternativamente, afirma que este pleito “não pode se iniciar a partir da celebração do Termo de Anuência pelas partes em 21/01/2013, mas sim quando o apelante passou a ser devedor, ou seja, 60 dias após o não pagamento integral do TAC, o que se perfaria em 21/04/2013”.

Argui que não se verifica qualquer conduta do recorrente que pudesse ensejar sua condenação ao pagamento de danos morais. Subsidiariamente, pugna pela minoração do quantum arbitrado.

Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso, a fim de que a sentença seja reformada, para julgar totalmente improcedentes os pedidos iniciais.

Contrarrazões ausentes (Certidão de Id. 8753057, p. 29).

A 14ª Procuradoria de Justiça declinou de sua intervenção (Id. 8753058).

O processo teve seu andamento suspenso em razão do Tema Repetitivo 970 do STJ (Decisão de Id. 8753062).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, verificando o trânsito em julgado do julgamento dos Temas Repetitivos 970 e 971, ambos do Superior Tribunal de Justiça, retiro o processo do sobrestamento anteriormente determinado.

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se o mérito recursal em aferir o acerto da sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão exordial em relação aos pleitos indenizatórios em decorrência de atraso na entrega da unidade habitacional transacionada, condenando em pagamentos de danos materiais (lucros cessantes/aluguéis), bem como morais, e aplicando à demandada a mesma multa que seria devida à autora para o caso de inadimplemento contratual. Além disso, o pagamento de R$ 21.926,21 (vinte e um mil, novecentos e vinte e seis reais e vinte e um centavos), relativo ao inadimplemento do acordo firmado no âmbito do PROCON.

Como cediço, nos termos da Legislação Consumerista (arts. 39, V, e 51, IV, do CDC), e na esteira do pacificado entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 297) e do Supremo Tribunal Federal (ADI 2591), é perfeitamente possível ao Judiciário rever as cláusulas contratuais consideradas abusivas, ou que coloquem o consumidor em situação deveras desfavorável.

Assim, não se ignora a possibilidade de revisar cláusulas contratuais com a relativização ao princípio do pacta sunt servanda, com a mitigação da autonomia da vontade em função da boa-fé objetiva (artigo 22 do Código Civil), do equilíbrio contratual (artigos 478 e 480, CC e artigo 6º, V, CDC) e da função social do contrato (artigo 421, CC).

Para além disso, convém grifar, a responsabilidade contratual da Apelante é objetiva, respondendo, independentemente de culpa, nos termos do art. 14 e 18, do CDC, pela reparação de danos causados pelo defeito do produto ou má prestação do serviço.

Estabelecidas tais premissas, passo a analisar as questões controvertidas.

Do contexto probatório, verifico que de acordo com o Instrumento Particular de Compra e Venda (Id. 8753050 – p. 31), que o atraso na entrega do imóvel ficou evidente, pois o financiamento foi firmado em 18/05/2010 (Id. 8753050), ficando o prazo para entrega previsto para 18 meses após a assinatura do contrato de financiamento com a Caixa Econômica (data limite em 18/11/2011 – Id. 8753049, p. 41), ressalvada a tolerância de 180 (cento e oitenta) dias. Ora, considerando a entrega das chaves em Juízo apenas em fevereiro de 2014 (Id. 8753051 – p. 58), a demora ultrapassou 01 (um) ano, tendo a apelante arguido a exceção do contrato não cumprido, em razão da inadimplência da parte autora quanto a parcela do saldo de financiamento, equivalente ao valor de R$ 9.005,28 (nove mil e cinco reais e vinte e oito centavos).

Registra-se que não competia à apelante recusar a entrega do imóvel à apelada sob alegação de inadimplemento desta, uma vez que a parte ré devia valor muito superior ao...

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