Acórdão Nº 08000270220238205113 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 06-12-2023

Data de Julgamento06 Dezembro 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08000270220238205113
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800027-02.2023.8.20.5113
Polo ativo
JORDANIA MARIA NASCIMENTO DA SILVA
Advogado(s): PEDRO IVO BORGES BIGOIS CAPISTRANO
Polo passivo
APEC - SOCIEDADE POTIGUAR DE EDUCACAO E CULTURA LTDA
Advogado(s): LUANNA GRACIELE MACIEL

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

TERCEIRA TURMA RECURSAL

RECURSO INOMINADO CÍVEL Nº.: 0800027-02.2023.8.20.5113

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE AREIA BRANCA

RECORRENTE: JORDANIA MARIA NASCIMENTO DA SILVA

ADVOGADOS: PEDRO IVO BORGES BIGOIS CAPISTRANO - OAB RN18979-A

RECORRIDO: APEC - SOCIEDADE POTIGUAR DE EDUCACAO E CULTURA LTDA

ADVOGADAS: LUANNA GRACIELE MACIEL – OAB/RN 16432-A

JUIZ RELATOR: CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CURSO UNIVERSITÁRIO DE PSICOLOGIA. MUDANÇA NA GRADE E JORNADA CURRICULAR. INEXISTÊNCIA DE DIMINUIÇÃO DO VALOR DA MENSALIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO. AUTONOMIA DIDÁTICA DAS UNIVERSIDADES. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À GRADE CURRICULAR INICIALMENTE PROPOSTA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PLEITO AUTORAL. RECURSO DA PARTE AUTORA. PLEITO PELA PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS AUTORAIS. AUSÊNCIA DE FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA (ART. 373, I, DO CPC). AUTORA QUE NÃO LOGROU DEMONSTRAR MINIMAMENTE A EXISTÊNCIA DO ALEGADO. JUNTADA DE HISTÓRICO CURRICULAR DE TERCEIROS. AUMENTO DE HORA-AULA DE 50 (CINQUENTA MINUTOS) PARA 60 (SESSENTA MINUTOS). CARGA HORÁRIA EM CONSONÂNCIA COM A RESOLUÇÃO Nº 597/2018, QUE DISPÕE SOBRE AS RECOMENDAÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE À PROPOSTA DE DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO ACADÊMICO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, conhecer do recurso, deferindo a gratuidade judiciária requerida e, por unanimidade, negar-lhe provimento mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos, com os acréscimos contidos no voto do Relator. Com condenação da parte recorrente vencida em custas processuais e em honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ante o não provimento recursal – considerando o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço –, suspendendo a cobrança em face dos benefícios da justiça gratuita, à luz do art. 98, §3º, do CPC.

CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

Juiz Relator

RELATÓRIO

É a sentença que se adota:

SENTENÇA

I - Relatório

Dispensado (Lei 9.099/1995, art. 38).

II - Fundamentação

Presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.

Quanto ao pedido de concessão dos benefícios da gratuidade judiciária:

No que se refere ao pleito autoral acerca da justiça gratuita, deixo para apreciá-lo em eventual recurso (Súmula 481 do STJ), visto que não há, nesse momento, nenhum interesse da parte autora, pois não há cobrança de custas, taxas ou despesas, em primeiro grau de jurisdição nos juizados especiais (Lei 9.099/95, art. 54).

Quanto a preliminar da impossibilidade de inversão do ônus da prova, suscitada pelo réu:

Rejeito a preliminar, pois, a relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, porquanto a parte autora e a parte ré amoldam-se, respectivamente, ao conceito de consumidor (CDC, art. 2º) e fornecedor de serviço (CDC, art. 3º, caput). Dessa feita, a controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o qual estabelece, dentre os direitos básicos do consumidor, a facilitação da defesa de seus direitos, incluindo a inversão do ônus da prova quando verossímil sua alegação ou quando constatada sua hipossuficiência técnica (CDC, art. 6º, VII), tal qual decorrido no caso dos autos.

Quanto ao mérito:

O cerne da presente lide consiste na averiguação acerca da potencial ilicitude da conduta perpetrada pela universidade ré, haja vista ser fato incontroverso dos autos que houve modificação da grade curricular contratada pela parte autora no ato da matrícula para o curso de psicologia e, em sendo o caso, ou seja, verificado o ato ilícito, o deslinde do feito passará a abordar a necessidade de indenização por danos materiais e morais.

A parte autora alega que fez parte do quadro de alunos da ré na medida em que cursou a graduação em Psicologia, possuindo o número de matrícula correspondente ao 201654004. Esclareceu que o vínculo entre as partes teve início em meados de junho de 2016, com a celebração de contrato de prestação de serviços educacionais, comprometendo-se a parte ré em oferecer referido curso de graduação com a seguinte grade curricular: 57 (cinquenta e sete) disciplinas, ministradas em 10 (dez) períodos, perfazendo uma carga horária total de 4.660 (quatro mil, seiscentos e sessenta) horas, ou seja, o equivalente a 05 (cinco) anos para conclusão do curso de forma regular. Denotou que, sem justificativa e unilateralmente, a parte ré modificou a grade curricular da graduação em relação à carga horária ministrada e à transformação de disciplinas obrigatórias em optativas. Expressou que foram suprimidas de forma irregular cerca de 651 (seiscentas e cinquenta e uma) horas-aulas da grade inicialmente contratada, as quais não influenciaram no valor das mensalidades. Consignou ter sofrido danos de natureza extrapatrimonial.

Por sua vez, a parte ré afirmou que possui autonomia de auto-organização e autogerenciamento, com capacidade de administrar seus recursos materiais e humanos e que possui o pleno exercício da liberdade acadêmica, o que explica o fato de não terem praticado ato ilícito algum quando suprimiram a carga horária obrigatória a ser prestada na vigência do contrato. Afirmou, também, que inexiste qualquer redução da carga horária sob a fundamentação de mudança no regime de contagem de horas em razão da mudança interna da definição de horas-aula (contam 50 minutos) para horas-relógio (contam 60 minutos). Ainda pugnou pela inexistência do dano moral face à ausência de conduta ilícita.

Inicialmente, quanto ao ato de alteração da grade curricular, cumpre destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 assegura às universidades autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (CRFB/88, art.207):

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

§1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996)

§2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.

A autonomia didático-científica confere a Instituição de Ensino Superior - IES a liberdade de escolher o que será lecionado em suas salas de aulas, sua grade curricular, seus currículos e calendários acadêmicos, etc., desde que razoável ao curso que esteja sendo ministrado e as normativas legais, obviamente.

É dizer, a autonomia didático-científica conferida às universidades atua como princípio basilar do ensino, garantindo a tais instituições a liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o pensamento, a arte e o saber, sem quaisquer ingerências administrativas (PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 2017).

Assim, a priori, não cabe ao Poder Judiciário interferir na forma e critérios de avaliação da IES’s, e tampouco no regulamento administrativo das instituições, ou mesmo na fixação/alteração de grade curricular, sob pena de afrontar a autonomia didático-científica que lhe é garantida constitucionalmente.

No caso dos autos, e atenta a jurisprudência correlata ao tema, não se pode considerar que a parte ré tenha praticado ato ilícito ao ter modificado a carga horária do Curso de Psicologia cujo início remete à 2016, uma vez que o ato resta abarcado pela autonomia didático-científica que possui a referida IES.

Ora, não somente a jurisprudência, mas também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê como possível a alteração da grade curricular (art. 53, II e §1º, III):

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; (Regulamento)

II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;

III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão;

[...]

§ 1º Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre: (Redação dada pela Lei nº 13.490, de 2017)

I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos;

II - ampliação e diminuição de vagas;

III - elaboração da programação dos cursos;

IV - programação das pesquisas e das atividades de extensão;

V - contratação e dispensa de professores;

VI - planos de carreira docente

Nesses termos, verifica-se que o consumidor, na hipótese, também discente, não possui direito adquirido à grade curricular inicialmente proposta pela Instituição de...

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