Acórdão Nº 08000397220238205159 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 01-12-2023

Data de Julgamento01 Dezembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08000397220238205159
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800039-72.2023.8.20.5159
Polo ativo
MARCELO DE FRANCA GOMES
Advogado(s): HUGLISON DE PAIVA NUNES
Polo passivo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): JOSE ALMIR DA ROCHA MENDES JUNIOR

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, COM BASE NO ART. 485, IV E VI DO CPC. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO, POR IRREGULARIDADE FORMAL, SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO ATACAM OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA, CONFORME O REGRAMENTO PREVISTO NO ART. 1.010, III, DO CPC. DECISÃO FUNDAMENTADA NA LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. RECORRENTE QUE SE LIMITA A ARGUIR INEXISTÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA. APELO QUE NÃO PREENCHE O REQUISITO DO INCISO III DO ART. 1.010 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO NÃO CONHECIDO.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em acolher a preliminar de não conhecimento do apelo, por violação ao princípio da dialeticidade, suscitada de ofício pelo Relator, nos termos do voto do Relator, que integra este acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARCELO DE FRANCA GOMES, em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Umarizal/RN, que, nos autos da ação ordinária nº 0800039-72.2023.8.20.5159, por si ajuizada em desfavor do BANCO BRADESCO S/A., extinguiu o feito, sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, IV e VI, do Código de Processo Civil, condenando a parte autora aos honorários sucumbenciais, fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, que teve sua exigibilidade suspensa em face do deferimento da justiça gratuita.

Em suas razões recursais, a parte recorrente argui, em síntese: i) as demandas apontadas na sentença são fundadas em contratos distintos, não ocorrendo eventual litispendência; ii) caracterização da responsabilização do fornecedor por danos materiais e morais.

Por fim, requer o conhecimento e provimento do apelo, tendo em vista a reforma da sentença e o julgamento de procedência do pedido.

Contrarrazões do lado apelado, defendendo o desprovimento do recurso.

Deixou-se de remeter os autos à Procuradoria de Justiça, uma vez que ausentes às hipóteses de intervenção do Ministério Público.

É o relatório.

VOTO


- PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR IRREGULARIDADE FORMAL, SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR.

Ao examinar o recurso de apelação, observo a existência de irregularidade formal, pelo que não pode ser conhecido.

É que o autor apelante deixou de apresentar impugnação específica ao julgado, em ofensa ao princípio da dialeticidade, o que implica o não conhecimento do recurso.

O Código de Processo Civil prevê, no artigo 1.010, inciso III, o seguinte:


Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

(...)

III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; (grifos acrescidos)


A legislação processual civil pátria exige que o recurso apresente fundamentados jurídicos em confronto com a decisão atacada, expondo as razões pelas quais se pleiteia a sua reforma.

Essa exigência se dá em atenção ao princípio da dialeticidade recursal, que impõe à parte recorrente o ônus de motivar o recurso, expondo as razões hábeis à reforma da decisão impugnada frente ao que nela foi decidido.

Sobre o tema é a lição de Araken de Assis, in verbis:



O fundamento do princípio da dialeticidade é curial. Sem cotejar as alegações do recurso e a motivação do ato impugnado, mostrar-se-á impossível ao órgão ad quem avaliar o desacerto do ato, a existência de vício de juízo (error in iudicando), o vício de procedimento (error in procedendo) ou o defeito típico que enseja a declaração do provimento. (...) É preciso que haja simetria entre o decidido e o alegado no recurso. Em outras palavras, a motivação deve ser, a um só tempo, específica, pertinente e atual”. (grifos acrescidos)

Com efeito, de acordo com o princípio da dialeticidade recursal, a fundamentação adequada ao que fora decidido é imprescindível, tanto ao conhecimento do recurso, como para sua análise e eventual reforma pelo juízo ad quem, configurando-se, pois, ônus do recorrente apresentar impugnação específica aos fundamentos fáticos-jurídicos delineados na decisão.

Dito isto, observa-se que, na sentença recorrida o Juiz de primeiro grau extinguiu o feito, sem julgamento de mérito, por verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo e a ausência de legitimidade ou de interesse processual, insculpidos no art. 485, IV e VI, do Código de Processo Civil.

Do detido exame do feito, depura-se que o juízo de primeiro grau fundamenta a extinção em razão da configuração de litigiosidade predatório, que iria de encontro com os princípios da economia e celeridade processual, de modo que sequer aludiu a existência de litispendência entre demandas.

No entanto, o recurso de apelação interposto pela parte autora cingiu-se a arguir que não caracterizada litispendência entre as demandas apontadas na sentença, assim como a caracterização de danos na esfera do consumidor, ensejando na responsabilização do fornecedor.

Assim, fica patente a irregularidade formal da presente apelação cível, diante da ausência de requisito necessário à sua admissibilidade, pois o recurso interposto possui razões diversas daquelas sustentadas na sentença, não pode ser conhecido.

Sobre o assunto, NELSON NERY e ROSA MARIA NERY (In CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO, 16ª edição revista e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 1979): ensinam que: “recurso que não ataca especificamente os fundamentos da decisão recorrida. É aquele no qual a parte discute a decisão recorrida de forma vaga, imprecisa, ou se limita a repetir argumentos já exarados em outras fases do processo, sem que haja direcionamento da argumentação para o que consta da decisão recorrida, o que acarreta o não conhecimento do recurso”.

Nessa linha de pensamento, esta Corte de Justiça já se pronunciou sobre o tema. Confira-se:



"CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INTENTADO PELA PARTE AUTORA, SUSCITADA PELO RELATOR. APELO QUE NÃO IMPUGNA ESPECIFICAMENTE OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. ARTIGO 932, III, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DA PARTE REQUERIDA:RELAÇÃO JURÍDICA ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES, QUE DETÉM NATUREZA DE CONSUMO. APLICABILIDADE DO CDC. SÚMULA 321/STJ. COBRANÇA DE TAXA ADMINISTRATIVA. CUSTO INERENTE À PRÓPRIA ATIVIDADE, QUE NÃO PODE SER REPASSADO AO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE EVIDENCIADA. MANUTENÇÃO DO DECISUM.RECURSO DA PARTE AUTORA NÃO CONHECIDO. RECURSO DA PARTE RÉ, CONHECIDO E DESPROVIDO." (TJRN - Apelação Cível n° 2014.024041-8 - Relator: Desembargador Dilermando Mota - Julgamento: 23/06/2016 - Órgao Julgador: 1ª Câmara Cível). (grifos acrescidos)


"EMENTA: PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. VENDA DE IMÓVEL. SUPRIMENTO JUDICIAL DA OUTORGA UXÓRIA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR IRREGULARIDADE FORMAL SUSCITADA PELO RELATOR. APELAÇÃO QUE NÃO ATACOU OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. RAZÕES DISSOCIADAS. NÃO ATENDIMENTO A UM DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL INTELIGÊNCIA DO ART. 514, II DO CPC. ACOLHIMENTO PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO NÃO CONHECIDO." (TJRN, AC nº 2009.009656-5, Primeira Câmara Cível, Relator: Juiz Ibanez Monteiro, julgado em 10/11/2009).


EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR IRREGULARIDADE FORMAL SUSCITADA PELO RELATOR. RECURSO QUE NÃO ATACOU OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA, LIMITANDO-SE A TRAZER APENAS OS MESMOS ARGUMENTOS DEDUZIDOS NOS EMBARGOS. IRREGULARIDADE FORMAL. AUSÊNCIA DE UM DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR. PRECEDENTES DO STJ E DO TJ/RN. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. 1- Há precedentes desta Corte de que o recurso de apelação não observa o requisito de regularidade formal, quando não ataca especificamente os fundamentos da decisão que pretende reformar. 2. As razões da apelação encontram-se dissociadas dos fundamentos da decisão recorrida, o que enseja sua inadmissibilidade por irregularidade formal do recurso.” (TJRN, AC n.º 2004.003648-5. TJ/RN. Relator: Des. João Rebouças. Terceira Câmara Cível. Julgamento: 20/10/2005. Publicação: 31/01/2006).


Destarte, é de se afirmar que a recorrente não apresentou os motivos pelos quais não se conformou com a sentença de modo a permitir a análise entre os fundamentos da decisão recorrida e as razões recursais.

Diante do exposto, não conheço da Apelação Cível.

É como voto.



Desembargador CLAUDIO SANTOS

Relator

Natal/RN, 27 de Novembro de 2023.

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