Acórdão Nº 08000695620208205113 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 03-03-2022

Data de Julgamento03 Março 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08000695620208205113
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800069-56.2020.8.20.5113
Polo ativo
JANINE REBOUCAS GASPAR DA SILVA
Advogado(s): FRANCISCA SANDRA DA SILVA MELO
Polo passivo
UNIMED RIO GRANDE DO NORTE FEDERACAO DAS SOCIEDADES COOPERATIVAS DE TRABALHO MEDICO
Advogado(s): JOSE WILLIAM NEPOMUCENO FERNANDES DE ALMEIDA

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, FAZENDAS PÚBLICAS E CRIMINAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL N° 0800069-56.2020.8.20.5113

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE AREIA BRANCA

RECORRENTE: UNIMED NATAL - SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

ADVOGADO: WILLIAM ALMEIDA

RECORRIDA: JANINE REBOUCAS GASPAR DA SILVA

ADVOGADOS: FRANCISCA SANDRA DA SILVA MELO E FRANCISCO ANTONIO MENDONÇA FILHO

JUÍZA RELATORA: SULAMITA BEZERRA PACHECO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. CARÊNCIA DE CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA. CARÊNCIA QUE NÃO PODE ULTRAPASSAR 24 HORAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FATO DO SERVIÇO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

DECIDEM os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Temporária dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença. Com condenação em custas e honorários advocatícios, sendo estes em 10% do valor da condenação.


Natal/RN, data da assinatura digital.

SULAMITA BEZERRA PACHECO

Juíza Relatora

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais ajuizada por JANINE REBOUÇAS GASPAR DA SILVA contra a UNIMED DO RIO GRANDE DO NORTE - FEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE TRABALHO MÉDICO.

Em síntese, alega a autora ser beneficiária do plano de saúde administrado pela empresa ré. Prosseguindo, narra que precisou realizar um parto cesáreo, mas o procedimento foi negado pela operadora demandada. Por essa razão, teve que ser internada no SUS e se submeter ao parto com o profissional que estava de plantão naquele momento e que sequer conhecia o seu histórico gestacional. Alega que a negativa da demandada abalou diretamente o seu estado psicológico, causando grande aflição e angústia à requerente, sendo devida a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.

Devidamente citada, a Unimed consigna que a negativa do parto foi legítima, uma vez que não houve o cumprimento da carência de 300 dias pela beneficiária e, ainda, considerando que o procedimento era eletivo. Aduz que a autora foi incluída como beneficiária do plano em 30/06/2018 e, por conseguinte, o prazo de carência se completaria apenas em 26/04/2019, de modo que não houve qualquer ato ilícito de sua parte. Por fim, ressalta que o mero inadimplemento contratual, por si só, não gera danos morais. No ID nº 53584415, junta telas do seu sistema informatizado, com todo o histórico de solicitações da autora.

É o que importa relatar.

Fundamento e decido.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Ausentes preliminares a serem examinadas.

As provas constantes nos autos são suficientes ao julgamento do mérito nos termos do art. 355, I CPC, sendo prescindível maior dilação probatória. Tal situação é confirmada pelo comportamento das partes, que, na audiência de conciliação, pugnaram pelo julgamento antecipado da lide.

Passo, então, à análise do mérito.

De início, verifica-se que a relação jurídica existente entre as partes tem natureza consumerista, conforme a Súmula nº 608 do STJ:

“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.”

Disso decorre a aplicação dos princípios da Lei Consumerista, mormente a responsabilidade objetiva, o dever de informação, a solidariedade, a vulnerabilidade, a hipossuficiência, a abusividade de cláusula contratual e a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, inclusive com a inversão do ônus probatório.

Transcrevo, por relevantes, os arts. 6º, VIII e 14 do CDC:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (…)

VIII - a facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (...).

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

No caso dos autos, é fato incontroverso que a autora é beneficiária do plano de saúde operado pela empresa ré, situação inclusive confirmada na contestação.

Outrossim, quanto à data do início da relação contratual, embora não conste nos autos carteirinha do plano, observo que a própria ré alega que a autora foi incluída como usuária dos seus serviços desde o dia 30/06/2018 (informação não refutada pela demandante), razão pela qual também reputo tal fato incontroverso.

Pois bem.

A operadora ré baseia sua defesa na alegação de que a negativa de cobertura contratual foi legítima, visto que, no momento da solicitação do parto, a autora ainda não havia cumprido o período de carência de 300 dias, previsto no art. 12, V, alínea "a" da Lei nº 9.656/98.

Os argumentos da demandada, no entanto, são contraditórios.

Isso porque, como o prazo de carência foi completado em 26/04/2019 (como afirmado pela própria ré), na ocasião da solicitação de parto, a autora já tinha cumprido a carência de 300 dias.

Ora, consoante documentos acostados no ID nº 57053421, o parto foi realizado no Hospital Maternidade Almeida Castro no dia 22/10/2019, quase cinco meses depois da data apresentada pelo plano para cumprimento da carência.

Acrescento que o histórico de solicitações juntado pela empresa requerida no ID nº 53584415 confirma as alegações autorais de que o seu período gestacional foi acompanhado por médico credenciado ao plano, Dr. Nilson Pedro Siqueira Chaves. No entanto, o parto foi realizado no SUS com outro profissional.

Considerando todo esse contexto fático, entendo que a negativa de autorização do parto não se justifica, restando configurada a falha na prestação dos serviços.

Relevante ressaltar que, quando uma pessoa contrata um plano de saúde, busca se prevenir contra os infortúnios da vida, proteger a sua saúde e garantir que, quando necessário, terá o atendimento e suporte adequados.

À demandante, depois de ter sido acompanhada durante o seu pré-natal pelo médico credenciado ao plano, foi negada a internação e o procedimento de parto, sem qualquer justificativa plausível.

Não tenho dúvidas de que a conduta da ré causou angústia e sofrimento intensos à autora, que, nos momentos finais da sua gestação, se viu desamparada e teve que se submeter ao parto com profissional que sequer conhecia o seu histórico e em hospital não credenciado ao plano.

Presentes, portanto, todos os elementos caracterizadores da responsabilidade civil (que, na situação dos autos, é de natureza objetiva), a saber: i) o ato ilícito (consistente na negativa ilegítima); ii) o dano sofrido pela autora e; iii) o nexo de causalidade entre ambos.

Não se trata aqui de mero descumprimento contratual, como faz parecer a demandada; os fatos narrados ultrapassaram, e muito, a esfera do mero dissabor do dia a dia, frustrando todas as expectativas da autora quanto ao seu parto, gerando intenso abalo psicológico num momento tão delicado e importante de sua vida.

Em situações semelhantes, já decidiram os Tribunais pátrios:

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO DE PARTO. NEGATIVA DE COBERTURA COMPROVADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. 1- A parte autora se desincumbiu do ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, no caso, a negativa de cobertura de procedimento, cumprindo o determinado pelo art. 373, inciso I, do CPC. 2- A recusa indevida à cobertura é causa suficiente de danos morais, superando o plano dos meros aborrecimentos e dissabores. (TJ-MG - AC: 10000181004987001 MG, Relator: Cláudia Maia, Data de Julgamento: 24/01/2019, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/01/2019)

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE REALIZAÇÃO DE PARTO. PRAZO DE CARÊNCIA EXAURIDO. PLANO COM COBERTURA DE PROCEDIMENTOS OBSTÉTRICOS. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM. REDUÇÃO. RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É ilícita e a abusiva a negativa da operadora do plano de saúde em custear o parto quando o plano contratado prevê a cobertura de procedimentos obstétricos e quando já exaurido o prazo legal máximo de 300 (trezentos) dias de carência. 2. A negativa da operadora de plano de saúde em custear o parto, cuja cobertura era exigível nos termos do contrato entabulado e da Lei 9.656/98, configura ato ilícito, por conseguinte, é devido o reembolso integral da internação, da anestesia e dos honorários médicos custeados pela usuária. 3. O inadimplemento contratual não constitui, em regra, ofensa aos atributos da personalidade. No entanto, a negativa de cobertura de procedimentos de obstetrícia ofende a dignidade da usuária do plano de saúde e com intensidade suficiente para caracterizar o dano moral quando ela possuía a legítima expectativa de ter o parto coberto pela operadora, em razão do exaurimento do prazo de carência e tendo em vista que a modalidade do plano contratado ser hospitalar com obstetrícia. Distinção de precedentes desta Turma. 4. Em atenção aos Vetores Principiológicos da Razoabilidade e Proporcionalidade, o arbitramento a título de danos morais deve atender ao caráter compensatório e pedagógico da medida, não sendo fator apto a justificar enriquecimento sem...

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