Acórdão Nº 08001316420198205135 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 14-07-2020

Data de Julgamento14 Julho 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo08001316420198205135
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Órgão3ª Turma Recursal

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800131-64.2019.8.20.5135
Polo ativo
MARIA HELENA DA SILVA
Advogado(s): ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, EMERSON DE SOUZA FERREIRA
Polo passivo
BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA
Advogado(s): MARCILIO MESQUITA DE GOES, WILSON SALES BELCHIOR

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS. CONTRATO APRESENTADO. DEMANDANTE NÃO ALFABETIZADA. NEGÓCIO JURÍDICO FIRMADO ATRAVÉS DE IMPRESSÃO DIGITAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO. ACORDO INVÁLIDO. INEXISTÊNCIA DO DÉBITO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDANTE. DANO MORAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do relator.

Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios, em face do resultado do julgamento.

Participaram do julgamento os Juízes Valdir Flávio Lobo Maia e Ana Carolina Maranhão de Melo.

Natal/RN, 14 de julho de 2020.

FRANCISCO SERÁPHICO DA NÓBREGA COUTINHO

Juiz Relator

RELATÓRIO

Trata-se de recurso inominado interposto por MARIA HELENA DA SILVA, em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais formulados pela recorrente na presente ação, promovida em desfavor do BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A., para “i) declarar a inexistência da relação jurídica que originou o contrato de empréstimo de número 011496223 e, por conseguinte, determinar ao BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A, parte requerida, o cancelamento dos descontos em folha ocorridos na aposentadoria NB n° 1375895424, de titularidade de MARIA HELENA DA SILVA, referente ao mencionado contrato, sem qualquer ônus para o consumidor/autor; e ii) condenar o BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A, parte requerida, à restituição, de forma simples, dos valores descontados indevidamente da aposentadoria NB n° 1375895424, referentes ao contrato de empréstimo de número 011496223, não contratado pela parte autora, acrescidos de correção monetária pelo INPC, contada a partir da cobrança indevida e dos juros legais de 1% ao mês, desde a citação cujo valor será aferido na fase de cumprimento de sentença.”, julgando improcedentes o pedido de reparação pelos danos morais experimentados.

Em suas razões, a recorrente alegou ter suportado danos extrapatrimoniais decorrentes dos descontos indevidos em seu benefício previdenciário. Sustentou a ausência de comprovação da contratação do mútuo. Asseverou ter sofrido prejuízos financeiros pela conduta do recorrido. Lembrou que, a contratação realizada por pessoa não alfabetizada somente tem validade se firmada através de procuração pública. Por fim, requereu a condenação do promovido em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de reparação por danos morais.

Contrarrazões oferecidas.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A irresignação merece prosperar, em parte, vez que o recorrido realizou descontos no benefício previdenciário da recorrente, através de contrato de empréstimo consignado. Ocorre que, o mencionado acordo não é válido, pois a demandante não é alfabetizada e, por isso, a realização de negócios jurídicos desta natureza requer a representação através de instrumento público, situação não demonstrada oportunamente.

A instituição financeira, no entanto, sem observar a determinação do art. 595, do Código Civil, efetivou os descontos na folha de pagamento da recorrente:

No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas”.

Sobre o assunto, leciona SÍLVIO DE SALVO VENOSA, que “O analfabeto ou quem estiver incapacitado de assinar somente participará de instrumento particular mediante procuração pública[1]”.

Tal formalidade é ônus do fornecedor do produto ou serviço, que atua de forma empresarial e amplamente na sociedade visando ao lucro, beneficiando-se, pois, economicamente dos vínculos contratuais firmados.

Entendimento diverso resultaria na aceitação de transferência ao consumidor dos encargos intrínsecos à própria atividade, o que não é permitido pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme se depreende do disposto no art. 39, inciso IV, do CDC, segundo o qual:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas:

IV- prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

Destarte, uma vez reconhecida a nulidade do negócio jurídico firmado entre as partes, resta evidente a ocorrência de descontos indevidos promovidos pelo banco recorrido e, em consequência, a existência de dano moral indenizável.

No que se refere ao dano moral, este restou devidamente evidenciado, uma vez que o comportamento do demandado repercutiu negativamente na esfera econômica da demandante, que contraiu mútuo sem observância das formalidades exigidas para proteção de seus interesses.

Neste contexto, o valor da condenação deve ser fixado observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois deve-se considerar a conduta abusiva e lesiva da parte demandada e o caráter punitivo e pedagógico.

Por fim, deve-se ressaltar que o valor arbitrado pelos danos morais sofridos não deve gerar enriquecimento ilícito em benefício da parte recorrente, considerando os prejuízos de ordem moral amargados. Diante de tais consideração, levando em conta as peculiaridades do caso, as provas e a razoabilidade, fixo o quantum indenizatório em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Ante o exposto, voto por conhecer e dar provimento parcial ao recurso interposto, para julgar parcialmente procedente o pedido de dano moral, fixando, para tanto, a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a qual deverá ser paga pelo demandado a demandante, com juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação e correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento, mantendo a sentença em seus demais termos.

É como voto.

Natal/RN, 14 de julho de 2020.

FRANCISCO SERÁPHICO DA NÓBREGA COUTINHO

Juiz Relator



[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010, p. 253.

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Natal/RN, 14 de Julho de 2020.

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