Acórdão Nº 08001323220238205160 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 27-10-2023

Data de Julgamento27 Outubro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08001323220238205160
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800132-32.2023.8.20.5160
Polo ativo
ANTONIO NITONIO COSTA
Advogado(s): FRANCISCO CANINDE JACOME DA SILVA SEGUNDO
Polo passivo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): LARISSA SENTO SE ROSSI, ANA VICTORIA MARBACK DOS SANTOS

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CARTÃO DE CRÉDITO ENVIADO AO CONSUMIDOR SEM SOLICITAÇÃO. PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 532 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DANO MORAL ALEGADO. NÃO OCORRÊNCIA. MERO ABORRECIMENTO. SIMPLES ENVIO DO CARTÃO DE CRÉDITO PARA O ENDEREÇO DA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE COBRANÇA OU DE OUTRAS CONDUTAS PÚBLICAS QUE TENHAM COLOCADO O CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO VEXATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE VIOLAÇÃO À HONRA DA PARTE AUTORA. SENTENÇA REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Turma da 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e julgar provido o recurso, nos termos do voto do relator.

VOTO

Restando preenchidos os requisitos de admissibilidade, voto pelo conhecimento do apelo.

Cinge-se o mérito do recurso em verificar o acerto da sentença que reconheceu o dano moral, bem como a razoabilidade desse valor.

Conforme comprovado nos autos, a parte demandada enviou cartão de crédito para a parte autora, não demonstrando que esta solicitou o mesmo, configurando-se a questão como prática abusiva, nos termos da Súmula n° 532 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa.

Como bem destacado na sentença, “Em que pese a diligência deste Juízo ao ID n. 99801443 para intimar o demandado para esclarecer e informar nos autos, através de documentos comprobatórios, se a película de cartão de crédito alegadamente enviada à parte autora, é mesma utilizada para a função débito, ou para o recebimento de benefício previdenciário, ou seja, não comprovou fatoo demandado quedou-se inerte (ID n. 99801443), extintivo, modificativo e impeditivo do direito da autora, incorrendo assim no que fundamenta o art. 342 c/c art. 373, II, do CPC, com isso, o reconhecimento dos pleitos autorais é medida que se impõe”.

Assim, evidenciada a prática abusiva, inexistem motivos para a reforma da sentença quanto a este ponto.

Nada obstante o reconhecimento da prática abusiva, cumpre analisar a ocorrência de dano moral no caso concreto.

Para tanto, cumpre fixar que o caso vertente deve ser apreciado sob o manto da teoria da responsabilidade objetiva, aplicando-se os preceitos insculpidos pelo Código de Defesa do Consumidor, sobretudo o disposto em seu art. 14, caput, que prescreve:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Em extrato, pode-se afirmar que a teoria da responsabilidade objetiva está vinculada à ideia do risco, de modo que quem provoca uma lesão ao valor alheio é, ipso facto, responsável pelo ressarcimento decorrente.

Essa obrigação pela recomposição do prejuízo independerá da verificação – comprovação – de culpa na conduta do agente lesante. Tem-se, pois, como dispensada a demonstração da culpa, sendo suficiente a ocorrência do dano e sua associação à conduta que o causou (nexo de causalidade) para haver a responsabilidade.

Portanto, a responsabilidade objetiva se caracteriza por ser independente da presença de culpa no agir do que ocasionou a lesão, mas não prescinde da presença dos demais elementos da responsabilidade civil, tendo que haver nexo causal adequado entre a atividade do que causou o dano e a lesão provocada ao acervo jurídico do lesado.

Cumpre, pois, examinar a existência dos caracteres identificadores da responsabilidade civil na espécie, analisando se houve realmente o ato lesivo, identificando-se a parte responsável pelo ato, e, por fim, o nexo de causalidade entre a conduta e o possível dano experimentado.

A sentença reconheceu o dano moral, considerando que “restou evidenciado/provado indicativo mínimo de prejuízo, na medida em que não estamos diante de um mero encaminhamento do produto ou serviço, mas de uma situação em que a conduta da demandada ensejou transtorno no cotidiano da requerente, evidenciado o abuso de direito, tornando ilícito este ato, ensejando o ressarcimento a título de dano moral”.

Ocorre que, compulsando os autos, constata-se que a ocorrência de dano moral não restou demonstrada, não estando evidenciado o referido “transtorno no cotidiano da requerente”.

Conceituando o dano moral, leciona Yussef Said Cahali que pode ser considerado como “...a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos'; classificando-se, desse modo, em dano que afeta a 'parte social do patrimônio moral' (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” (Dano Moral, pp. 20/21).

Na hipótese sob vergasta, afigura-se ausente a ocorrência do alegado dano moral, posto que não se constata a violação à honra subjetiva ou objetiva da parte autora.

É que não houve cobrança de qualquer valor, não houve restrição cadastral, não houve publicidade de qualquer situação, apenas a parte autora recebeu em sua casa um cartão de crédito, o que constitui mero aborrecimento.

Com efeito, a caracterização de dano moral pressupõe agressão relevante ao patrimônio imaterial, de maneira que lhe enseje dor, aflição, revolta ou outros sentimentos similares, o que não se configura in casu, e sim mero desconforto que, apesar de existente, deve ser suportado como ônus da própria relação entre as partes.

Assim, mesmo que tenha ficado irritado com o fato de ter recebido o cartão de crédito em sua casa sem solicitação, relativa situação não feriu a honra da parte autora.

É assentado na seara jurídica que o dano moral é aquele causado injustamente a um indivíduo, sem repercussão patrimonial, capaz de afetar substancialmente a sua alma, a sua subjetividade, proporcionando-lhe transtornos, humilhações, dor, mágoa, vergonha, enfim, toda a sorte de sentimentos que causam desconforto.

Cotejando-se os elementos probantes trazidos aos autos, dessume-se não restar demonstrado o menoscabo moral suportado pela parte autora, uma vez que não há qualquer prova nesse sentido.

Por mais que, diante da jurisprudência pátria, para a configuração do dano de natureza moral não se necessita da demonstração material do prejuízo, e sim a prova do fato que ensejou o resultado danoso à moral da vítima, referidos elementos não constam nos autos.

Atente-se que, por uma questão de segurança jurídica, o direito não pode autorizar o ressarcimento de todo e qualquer aborrecimento sofrido pelo indivíduo no seio social, restando no caso concreto configurado o mero aborrecimento.

Para reconhecer esta nuance, indispensável trazer à baila ensinança do eminente AGUIAR DIAS, citado por RUI STOCO, na sua obra Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial (Ed. RT, p. 73), onde aduz que: O prejudicado deve provar, na ação, é o dano, sem consideração ao seu quantum, que é matéria de liquidação. Não basta, todavia, que o autor mostre que o fato de que se queixa, na ação, seja capaz de produzir o dano, seja de natureza prejudicial. É preciso que prove o dano concreto, assim entendida a realidade do dano que experimentou, relegando para a liquidação a avaliação do seu montante”.

Nessa mesma esteira, no sentido de rechaçar a indenização por dano moral em face de meros aborrecimentos, cite-se o seguinte acórdão dessa Corte de Justiça, in verbis:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO DEVIDAMENTE ASSINADO. CONTRAÇÃO E POSTERIOR CANCELAMENTO. COBRANÇA DE ANUIDADE VINCULADA AO CARTÃO POSTERIOR AO PEDIDO DE CANCELAMENTO. DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. COBRANÇA QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA O DEVER INDENIZAR. SITUAÇÃO QUE NÃO ULTRAPASSA MERO DISSABOR OU ABORRECIMENTO. REPARAÇÃO MORAL INDEVIDA. NÃO CONFIGURAÇÃO DOS REQUISITOS. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. PRECEDENTES. I - Comprovada a solicitação do cancelamento do cartão de crédito, as cobranças posteriores da anuidade se mostram indevidas. II - O dano moral deve representar verdadeiro ultraje às feições sentimentais ou direito personalíssimo, não merecendo indenização os dissabores e desconfortos experimentados cotidianamente, porquanto existir um piso de inconvenientes que o ser humano, por viver em sociedade, tem de tolerar, sem que, para tanto, exista o autêntico dano moral, sob pena de sua banalização. III - Pedido de indenização por dano moral rejeitado, por não ter o ato apontado como lesivo atingido magnitude suficiente para ingressar no mundo jurídico (APELAÇÃO CÍVEL 0801301-65.2022.8.20.5103, Des. João Rebouças, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 18/05/2023, PUBLICADO em 18/05/2023 – Destaque acrescido).

EMENTA: DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E RESTITUIÇÃO, EM DOBRO, DO INDÉBITO EM DECORRÊNCIA DE COBRANÇA DE ANUIDADE DE CARTÃO DE...

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