Acórdão Nº 08001775920248200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 22-04-2024

Data de Julgamento22 Abril 2024
Classe processualRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Número do processo08001775920248200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 0800177-59.2024.8.20.0000
Polo ativo
JOÃO BOSCO BALBINO DA SILVA
Advogado(s):
Polo passivo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte

Gabinete Vago (JUIZ CONVOCADO RICARDO TINOCO)

Recurso em Sentido Estrito n. 0800177-59.2024.8.20.0000

Origem: 1ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró/RN

Recorrente: João Bosco Balbino da Silva

Def. Pública: Dra. Leylane de Deus Torquato Alencar de Andrade

Recorrido: Ministério Público

Relator: Juiz Convocado Ricardo Tinoco

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA (ART. 121, CAPUT, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. PRETENSA IMPRONÚNCIA OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE INCONTESTE E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA. AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI NÃO CONFIGURADA. PROVAS SEGURAS PARA DEMONSTRAR A TIPIFICAÇÃO DO DELITO CITADO NA DENÚNCIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. QUESTÕES QUE DEVEM SER SUBMETIDAS AO TRIBUNAL DO JÚRI. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE APLICÁVEL NA FASE PROCESSUAL. SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO. PRONÚNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, em consonância com parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, conhecer e negar provimento ao recurso interposto, conforme voto do relator, que deste passa a fazer parte integrante.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por João Bosco Balbino da Silva, inconformado com a decisão de pronúncia proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró/RN que, nos autos da Ação Penal n. 0820667-18.2021.8.20.5106, pronunciou o réu e determinou o julgamento pelo Júri Popular como incurso no delito previsto no art. 121, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, ID. 22892048 p. 138-142.

A defesa de João Bosco Balbino da Silva requereu a impronúncia ou a desclassificação do delito de homicídio qualificado tentado para o crime de lesão corporal, ID. 22892048 p. 150-156.

Em contrarrazões, o Ministério Público requereu o conhecimento e não provimento do recurso, a fim de que fosse integralmente mantida a decisão monocrática, ID. 22892048 p. 158-165.

O Juiz a quo manteve sua decisão, ID. 22892048 p. 166-167.

Instada a se manifestar, a 1ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, ID. 23463508.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Conforme relatado, insurge-se o recorrente contra a decisão de pronúncia, requerendo a impronúncia ou a desclassificação do delito de homicídio qualificado tentado para o de lesão corporal.

Diante da análise das provas coligidas aos autos, verifica-se que a pronúncia deve ser mantida na integralidade.

Isso porque o acervo constante dos autos é suficiente para embasar o decisum impugnado quanto ao crime tipificado no art. 121, caput, c/c art. 14, II, do Código Penal, imputado ao réu, em cumprimento ao disposto no art. 413 do Código de Processo Penal.

Narra a denúncia que:

“No dia 10 de março de 2007, por volta das 17h70min, no ‘bar do Ilcinho’, localizado no bairro Papoco, nesta cidade, João Bosco Balbino da Silva tentou ceifar a vida de Francisco Wellington Higino da Silva, não consumando o homicídio por circunstâncias alheias a sua vontade.

Depreende-se do Inquérito Policial nº 40/2007 – 1ª DP que, no dia e horário citados, a vítima estava no “bar do Ilcinho” na companhia de Antônio Peixoto, Ilcinho e Francisco José Silva Medeiros, conhecido por “Godolha”, quando o acusado passou pelo local e ela (a vítima), disse: “já vai cheirar cola”. Na ocasião, o denunciado, quando ouviu, disse a Francisco Wellington: “espere aí que eu volto já”.

Posteriormente, o denunciado retornou para o estabelecimento e iniciou uma discussão com a vítima, que partiu em direção ao acusado, mas este sacou uma arma branca, momento em que Francisco Wellington recuou e saiu correndo. Na oportunidade, entretanto, a acusado correu atrás da vítima, a qual, por estar chovendo, escorregou e caiu, momento em que o acusado aproveitou para desferir cutiladas de faca na vítima.

Ato contínuo, a vítima, para se defender, deu um chute no acusado, razão pela qual conseguiu se desvencilhar e correr do local, abrigando-se na casa de sua genitora, onde recebeu ajuda e foi levada para o Hospital Regional Tarcísio de Vasconcelos Maia, sobrevivendo, em razão do atendimento médico recebido, à agressão sofrida.

Frisa-se, ainda, que o denunciado só não correu atrás da vítima para dar continuidade à agressão porque populares que estavam no local começaram a gritar, motivo pelo qual ele se evadiu do local a fim de evitar ser preso em flagrante”.

A materialidade delitiva restou comprovada pelo Boletim de Ocorrência ID. 22892048 p. 07 e documentação do Hospital Regional Tarcísio Maia ID. 22892048 p. 59-70.

Por seu turno, os indícios de autoria evidenciam-se pela prova colhida durante a instrução, especialmente os relatos da vítima Francisco Wellington Higino da Silva, em juízo, dando de que proferiu uma brincadeira chamando o réu de “lombrado”, e que momentos depois ele voltou ao local onde estavam e desferiu-lhe uma cutilada com arma branca, o atingindo nas costas, iniciando-se assim uma luta corporal entre eles, tendo a faca lesionado também os seus dedos.

A testemunha, Antônio Bezerra da Silva, relatou na instrução que avistou o réu com uma faca na mão, correndo atrás da vítima, e que neste momento ela já tinha sido atingida por uma cutilada.

Já a testemunha Joailson Avelino da Silva confirmou que o ofendido chamou o recorrente de “noiado”, e diante disso ele voltou ao bar e começou a correr atrás da vítima.

A mãe do ofendido, Maria Dalva Higino da Silva, informou que o seu filho lhe falou que o réu desferiu-lhe uma facada.

O réu confessou que esfaqueou a vítima, porém, afirmou que o fez por ele ter o chamado de “cheirador de cola”.

Como se vê, a vítima confirmou a conduta descrita na peça acusatória, dando conta de que o recorrente retornou ao bar, e desferiu-lhe uma cutilada com arma branca nas costas, e após o ato, o perseguiu na intenção de efetuar outro golpe, tornando-se inviável a pretensa impronúncia, sobretudo nessa fase processual.

De modo similar, a desclassificação do crime de homicídio tentado para lesão corporal, de pronto, somente seria possível mediante a ausência do animus necandi, situação não demonstrada nos autos.

In casu, as provas dos autos apontam que o acusado só não conseguiu efetivar o seu intento, por circunstâncias alheia a sua vontade, pois a vítima conseguiu empreender fuga do local.

No mais, não é necessário que a decisão de pronúncia analise de modo aprofundado os elementos de prova constantes dos autos, para que não incorra o julgador em exame meritório da acusação, mas, tão somente, que se limite a seguir os requisitos inscritos no art. 413, caput e § 1º, do Código de Processo Penal. Também é sabido que a decisão de pronúncia somente pode ser reformada se existir prova robusta e evidente da inocência ou quando não houver indícios suficientes de autoria, o que não é o caso dos autos.

Portanto, inobstante o recorrente ter alegado que não tinha intenção de ceifar a vida da vítima, tal versão, neste momento, mostra-se frágil, e não é suficiente para desmerecer o pronunciamento, sobretudo, porquanto vigora o princípio do in dubio pro societate, por força do texto constitucional, sendo o Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, o competente para decidir da ocorrência ou não do crime.

Nesse sentido já decidiu esta Câmara Criminal:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ARTS. 121, §2º, II C/C 14, II DO CP). DESPRONÚNCIA POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. MATERIALIDADE DELITIVA E FORTES INDÍCIOS DE AUTORIA. DESCABIMENTO. SUPRESSÃO DA QUALIFICADORA DE MOTIVO FÚTIL E OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZ NATURAL. PRONÚNCIA EM PLENA CONFORMIDADE COM O ART. 413 DO CPP. APLICAÇÃO ACERTADA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE CRIMINAL. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.(TJ RN, Câmara Criminal, Recurso em Sentido Estrito n° 2017.016669-2, Desembargador Relator SARAIVA SOBRINHO; Julgamento 03/04/2018) (Grifos acrescidos).

“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. REEXAME DO ACERVO INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. PRONÚNCIA PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO COLETADOS NA FASE INQUISITIVA. POSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. RECURSO IMPROVIDO.

1. É firme o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a decisão de pronúncia não exige a existência de prova cabal da autoria do delito, sendo suficiente a mera existência de indícios da autoria, devendo estar comprovada, apenas, a materialidade do crime (AgRg no AREsp 1446019/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/6/2019, DJe 2/8/2019).

2. Na espécie, o Tribunal a quo concluiu pela comprovação da materialidade delitiva e pela presença de indícios de autoria, reformando a sentença, para pronunciar o acusado, considerando não apenas os elementos colhidos na fase inquisitorial, mas outros produzidos durante a instrução, sobretudo os depoimentos testemunhais.

3. A desconstituição das conclusões da Corte de origem quanto à existência de indícios da autoria delitiva, amparadas na análise do conjunto fático-probatório constante dos autos, para abrigar a pretensão defensiva de...

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