Acórdão Nº 08001858020178200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 20-02-2019

Data de Julgamento20 Fevereiro 2019
Classe processualAÇÃO RESCISÓRIA
Número do processo08001858020178200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: AÇÃO RESCISÓRIA - 0800185-80.2017.8.20.0000
AUTOR: MASSIMO RAUGEI
Advogado(s): THIAGO JOSE DE AMORIM CARVALHO MOREIRA
RÉU: KARL OLOV MICHAEL STRANDBERG
Advogado(s):

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC/15. ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA, POR SER EXTRA E ULTRA PETITA. VÍCIO INOCORRENTE. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE C/C APURAÇÃO DE HAVERES. CUMULAÇÃO OBJETIVA DE DEMANDAS. AÇÃO DE APURAÇÃO DE HAVERES QUE TEM NATUREZA CONDENATÓRIA. POSSIBILIDADE DA DETERMINAÇÃO DA DEVOLUÇÃO DE VALORES DEVIDOS PELO SÓCIO À SOCIEDADE NO PROVIMENTO SENTENCIAL. PRESERVAÇÃO DA COISA JULGADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESCISÓRIO.

1. A despeito da divergência doutrinária a respeito do vício que macula a sentença ultra/extra petita, se tratar-se-ia de reputar inexistente o ato ou inválido, é majoritário o entendimento esposado por Humberto Theodoro Júnior e Daniel Assumpção Neves e sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, de que se trata de vício de nulidade e, portanto, passível de ser objeto de enfrentamento pela via rescisória.

2. Os limites da decisão, sob os princípios dispositivos, da persuasão racional e do contraditório, devem respeitar não apenas o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos da relação processual, vendando a lei que sejam proferidas sentenças ultra, extra ou citra petita.

3. Embora a eficácia da sentença da ação de dissolução de sociedade seja constitutiva negativa, no caso de origem, o pedido foi cumulado com o de apuração de haveres, cujo provimento jurisdicional é de natureza condenatória.

4. Ausência de violação à norma jurídica (art. 966, V, do CPC/15) encetada nos arts. 128 e 460 do CPC/73 (vigente à época do julgamento da ação).

5. Pedido rescisório julgado improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos.

Acordam os Desembargadores que integram o Tribunal Pleno deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, julgar improcedente o pedido rescisório, nos termos do voto do relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


1. Trata-se de Ação Rescisória ajuizada por MASSIMO RAUGEI pretendendo a desconstituição da sentença transitada em julgado em 14/10/2015, na Ação de Dissolução de Sociedade n. 0139959-34.2012.8.20.0001, proposta por KARL OLOV MICHAEL STRANDBERG em seu desfavor, perante a 14ª vara Cível da Comarca de Natal, cujo trânsito em julgado se deu na data de 14/10/2015.

2. Sustenta o autor que a sentença rescindenda o condenou ao pagamento de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais), sem que o autor da ação dissolutória, ora réu, tenha formulado qualquer pedido condenatório nesse sentido, tendo o juízo de primeiro grau apreciado verdadeiro pedido indenizatório inexistente, inclusive mediante a aplicação dos artigos do Código Civil que estruturam os requisitos da responsabilidade civil, calcados no ato ilícito, dano e nexo causal, como se o objeto da demanda compreendesse pedido indenizatório.

3. Defende que, por esse motivo, houve violação a norma jurídica ao se proferir um julgamento ultra/extra petita, que deve, portanto, ser rescindido.

4. Postulou a concessão de antecipação de tutela, com fundamento no art. 300 do NCPC, que lhe assegure a suspensão dos atos de cumprimento de sentença naquele processo até o julgamento final da presente rescisória, quando deverá ser rescindido o julgado.

5. A liminar requestada foi julgada prejudicada ante o arquivamento, por ato do juízo da 14ª vara Cível da Comarca de Natal, em 27/10/2017, do cumprimento da sentença que se pretende rescindir, inexistindo, supervenientemente, qualquer receio de dano em decorrência de suposta execução daquele julgado (ID n. 2163716).

6. Citada, a parte ré ofereceu contestação, alegando, em apertada síntese, que o autor realizou compra de imóveis com valores superfaturados para benefício próprio, em prejuízo da sociedade e que o juízo a quo, ao constatar o prejuízo parcial líquido no valor R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais), condenou o réu a reparação pecuniária neste montante, inexistindo violação à lei a ensejar a rescisão do julgado; pediu, ao final, a improcedência do pedido rescisório (ID n. 2112133).

7. A parte autora se manifestou sobre a peça de defesa, ratificando todos os argumentos tecidos na peça vestibular (ID n. 2309635).

8. Com vista dos autos, Dr. José Braz Paulo Neto, Nono Procurador de Justiça, deixou de opinar no feito por entender ausente o interesse público a justificar a sua intervenção.

9. É o relatório.

VOTO

10. Conforme relatado, pretende o autor a rescisão do julgado na Ação de Dissolução Parcial de Sociedade Comercial c/c Pedido de Apuração de Haveres c/c medida liminar n. 0139959-34.2012.8.20.0001, ajuizado pelo ora réu em seu desfavor, ao argumento de que foi proferido, naquela ação, um julgamento ultra/extra petita, violando, portanto, a norma jurídica insculpida no art. 460 do CPC/73, com correspondência ao art. 492 do CPC/15.

11. A despeito da divergência doutrinária a respeito do vício que macula a sentença ultra/extra petita, se tratar-se-ia de reputar inexistente o ato ou inválido, é majoritário o entendimento esposado por Humberto Theodoro Júnior e Daniel Assumpção Neves e sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, de que se trata de vício de nulidade e, portanto, passível de ser objeto de enfrentamento pela via rescisória.

12. Com efeito, nos termos dos arts. 128 e 460 do CPC vigente à época do julgamento da ação que se pretende rescindir, os limites da decisão devem respeitar não apenas o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos da relação processual – é o que se chama de limites objetivos e subjetivos da sentença. Vejamos a redação dos dispositivos legais citados:

Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

[...]

Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

13. A lei veda, assim, que sejam proferidas sentenças ultra ou extra petita (e, ainda, citra petita), valendo-se aqui da máxima “ne eat judex ultra vel extra petita partium” (o juiz não pode decidir nem além nem fora do pedido das partes), que informa o princípio da congruência.

14. Ademais, o sistema processual brasileiro, fundado sob os princípios dispositivos, da persuasão racional e do contraditório, impõe ao julgador postura adstrita aos exatos limites em que proposta a demanda e formulados os pedidos.

15. Toda a dialeticidade exercida para a formação do convencimento do juiz deve defluir das questões trazidas ao seu conhecimento, por meio do pedido ou deduzidas diretamente da causa de pedir.

16. No caso em exame, a despeito do esforço do autor em sustentar que a sentença o condenou em objeto diverso do que foi demandado, denota-se que, na ação de origem, o autor (ora réu na presente rescisória), pretendia não somente a dissolução da sociedade, mas também a apuração/liquidação de haveres, em virtude de supostas transações que teriam sido realizadas pelo sócio (autor desta rescisória e réu naquela ação), tão somente para benefício próprio e não da empresa cuja dissolução era objeto do pedido.

17. O que havia, então, era a cumulação objetiva de demandas, dissolutiva e condenatória, referente à apuração de haveres, de modo que não se verifica, na parte dispositiva da sentença que “condenou o réu a pagar de volta ao autor o prejuízo causado à sociedade (R$ 650.000,00).

18. Conforme entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça, a ação de apuração de haveres é de natureza eminentemente condenatória, que tem por objeto a liquidação considerando controvérsia entre os sócios quanto ao seu montante; vale destacar:

“Trata-se, portanto, de ação de natureza condenatória, cujo objeto é a liquidação de débito reconhecido pelas partes, porém controversos em seu montante.

[...]

Diante da inexistência de regras objetivas, aplica-se o procedimento ordinário à ação de apuração de haveres – ação de natureza eminentemente condenatória” (STJ, REsp n. 1.139.593 – SC, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 2/5/2014)

19. Assim, embora a eficácia da sentença da ação de dissolução de sociedade seja constitutiva negativa, no caso de origem, o pedido foi cumulado com o de apuração de haveres, cujo provimento jurisdicional é de natureza condenatória.

20. Assim, não se evidencia a violação da norma jurídica a ensejar o juízo rescisório buscado pelo autor desta ação.

21. Salutar transcrever o que, com acerto, consignou o réu na sua peça defensiva (ID n. 2112133, p. 9):

“na saída do sócio não só se apura o que é devido ao mesmo, mas também o que este deve a empresa, e estando líquido e certo o referido prejuízo por aquisição superfaturada de imóvel próprio para a empresa, resta claro e cristalino que o prejuízo causado pelo ora autor a empresa e ao sócio ora requerido devem ser ressarcidos, na apuração de haveres e deveres do sócio, sendo esta a determinação judicial, em consonância com a ação interposta.”

22. Ante o exposto, voto pela improcedência do pedido rescisório, preservando incólume a coisa julgada.

23. Condeno, ainda, a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em 10 % (dez) por cento sobre o valor da causa, tendo em vista os critérios estabelecidos no art. 85 do Código de Processo Civil.

24. É como voto.

Desembargador Virgílio Macedo Jr.

Relator

Natal/RN, 20 de Fevereiro de 2019.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT