Acórdão Nº 08001878720198205300 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 04-08-2020

Data de Julgamento04 Agosto 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08001878720198205300
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0800187-87.2019.8.20.5300
Polo ativo
FABIANA KELLE SIMAO DAMASCENO
Advogado(s): JULIO CESAR MEDEIROS, LEONARDO GOMES DE SOUZA JUNIOR
Polo passivo
ALISSON AZEVEDO DE QUEIROZ
Advogado(s): MARCUS VINICIUS BEZERRA FRANCA

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS CONTIDOS NO EXÓRDIO. PUBLICAÇÃO DE TEXTO EM REDE SOCIAL (FACEBOOK) ACERCA DE ATENDIMENTO REALIZADO EM BANCO. NARRATIVA DE FATOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À DIREITO DE PERSONALIDADE. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO QUE NÃO CONSTITUI, NA ESPÉCIE, EM DANO À HONRA E IMAGEM DA AUTORA. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NÃO AFRONTADAS. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO RECORRENTE PELOS COMENTÁRIOS REALIZADOS POR OUTRAS PESSOAS. DANO MORAL AFASTADO. REFORMA DO DECISUM VERGASTADO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento a Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Alisson Azevedo de Queiroz em face da sentença proferida ao id 5965194 pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Jucurutu que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer e Não Fazer c/c Reparação por Danos Morais, julgou parcialmente procedentes os pedidos à exordial, nos seguintes termos:

“Diante do exposto, ratifico a decisão de antecipação de tutelae JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados na ação principal, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC, para:

a) determinar ao requerido que persista com a retirada da publicação aqui combatida do Facebook e de qualquer outra rede social, bem como se abstenha de realizar novas publicações no mesmo sentido, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 300,00 (cem reais) até o limite de R$ 30.000 (trinta mil reais).

b) CONDENAR o requerido ao pagamento de indenização a título de danos morais à parte requerente no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária a partir desta sentença (Súmula 362, do STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso (Súmula 54, do STJ).

No que se refere à RECONVENÇÃO, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO,com resolução de mérito, de acordo com o art. 487, inc. I, do CPC.

Por ter sucumbindo na ação e na reconvenção, as quais são ações autônomas, em cada uma condeno a parte ré/autor reconvinte ao pagamento das custas judiciais (art. 82, §2º, CPC) e dos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (art. 85, §2º, CPC).”

Em suas razões (id 5965201), aduz, em síntese, que: a) é nítido não ter ocorrido nenhum ataque à reputação ou à índole da gerente do banco, mas mera crítica ao atendimento naquela agência bancária, tudo dentro dos limites do princípio constitucional da liberdade de expressão (no art. 5°, IV, da Constituição Federal2) e em observância ao art. 3° da Lei nº 12.965/20143”; b) não utilizou palavras ou expressões perjorativas, apenas externou sua opinião; c) não pode ser responsabilizado pela opinião que outras pessoas expressaram nas redes sociais.

Por fim, requer o provimento do recurso, julgando-se improcedentes os pedidos constantes da peça vestibular.

Contrarrazões ao id 5965206.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, através da 6ª Procuradoria de Justiça, deixa de opinar por entender não ser o caso de intervenção da instituição no feito.

É o relatório.


VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação cível.

Cinge-se a pretensão recursal à análise da decisão vergastada, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para CONDENAR o requerido ao pagamento de indenização a título de danos morais à parte requerente no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em face de publicação nas redes sociais acerca de suposto atendimento efetuado no Banco do Brasil, agência Jucurutu.

Concedo a gratuidade judiciária requerida.

Primeiramente, destaco que a situação em exame trata de eventual colisão entre direitos constitucionalmente garantidos, a dizer, liberdade de expressão e direito à honra e imagem (personalíssimos).

Assim, impende se transcrever excerto da mensagem postada pelo apelante, que motivou a presente demanda:

"Fomos falar com a gerente, na qual não deu atenção e se mostrou que estava sem interesse no caso, dizendo que não tinha como os funcionários saírem do banco para fazer a prova de vida e que não eram obrigados. A partir daí, fomos pegar seu Zé de Lê do carro para entrar no banco, então pegamos uma cadeira de balanço mesmo e entramos no banco com ele para fazer a prova de vida, onde se recusaram até de ir olhar o idoso. Aí eu pergunto, onde está a prioridade e o respeito com os idosos? Isso é uma falta de respeito, um descaso que estão fazendo com a população.” (Grifos acrescidos).

De fato, é cediço que a liberdade de expressão embora esteja garantida constitucionalmente, prevista no art. 5º, inciso IX da Carta Magna, não possui caráter absoluto, devendo ser sempre ponderada com os direitos da personalidade.

Desata forma, em determinadas situações, a manifestação de pensamento configura abuso de direito, cabendo ao julgador, através da análise apurada dos acontecimentos, distinguir se a exteriorização de opinião configura ultraje à outrem.

Sobre a temática, destaco o posicionamento do Ministro DO STF, Marco Aurélio de Mello, no julgamento do HC 82.424/RS:

“(...) é preciso, em rigor, verificar se, na espécie, a liberdade de expressão está configurada, se o ato atacado está protegido por essa cláusula constitucional, se de fato a dignidade de determinada pessoa ou grupo está correndo perigo, se essa ameaça é grave o suficiente a ponto de limitar a liberdade de expressão, ou se, ao contrário, é um mero receio subjetivo ou uma vontade individual de que a opinião exarada não seja divulgada, se o meio empregado de divulgação de opinião representa uma afronta violenta contra essa dignidade, entre outras questões.” (Grifos acrescidos)

Na espécie, como se pode observar do trecho translado, não há, de fato, qualquer expressão ou palavra que desabone a honra e imagem da recorrida.

Ademais, ainda que a atitude do réu tenha gerado descontentamento, há que se compreender que a versão pessoal apresentada pelo mesmo, sem exceder os limites constitucionais que lhe são garantidos, não importa, necessariamente, em afronta à dignidade humana.

Por oportuno, esclareça-se que quando do aditamento à peça vestibular (id 5965122) a autora narra que os fatos descritos na exordial a deixaram constrangida e humilhada, pois teve sua imagem irresponsavelmente exposta pelo Demandado, culminando com um efeito cadeia, de modo que foi alvo de críticas e comentários negativos por parte de elevado número de pessoas.”

Ora, a toda evidência, a recorrida, enquanto gerente de banco, deve estar preparada, emocional e profissionalmente, para eventuais críticas a seu trabalho, sejam elas de natureza elogiosa ou não, fato que não causa, impreterivelmente, em desabono a sua honorabilidade.

Na verdade, o recorrente, em tom de desabafo e sem excessos, narrou o que aconteceu, sendo certo que não extrapolou seu direito à liberdade de expressão.

Sobre a temática, colaciono julgados:

APELAÇÃO. Ação cominatória cumulada com pedidos indenizatórios. Sentença que condenou o réu a excluir determinadas publicações realizadas em rede social relacionadas aos autores e o impede de realizar novas, assim como o condena ao pagamento de danos morais. Inconformismo da parte ré. Gratuidade de justiça. Pessoa física. Presunção legal. Deferimento. Recurso conhecido em razão da dispensa do preparo. Mérito. Críticas relacionadas aos apelados, servidores públicos. Inexistência de ofensas pessoais aos autores. Postagens contendo insatisfação com a gestão do Poder Executivo municipal do qual estão vinculados. Expressões e palavras que não evidenciam gravidade da lesão descrita pelos autores. Manifestações que não violam o direito à liberdade de pensamento e expressão. Artigo 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal. Matérias publicadas que não tiveram o condão de ofender a imagem dos apelados, e sim a tecer fatos de interesse coletivo. Ilícito não configurado. Pedidos cominatórios e indenizatórios julgados improcedentes. Sentença reformada. Recurso provido.”

(TJSP, Apelação Cível n.º 1005151-67.2017.8.20.0281, Rel.: Dês. Rogério Murillo Pereira Cimino, Data de Julgamento: 20/05/2020) (Grifos acrescidos)

“CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PUBLICAÇÃO REALIZADA POR CONSUMIDOR EM REDE SOCIAL (FACEBOOK). RECLAMAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO. AÇÃO PROPOSTA PELA EMPRESA FORNECEDORA (PET SHOP). PESSOA JURÍDICA. ALEGADA OFENSA À HONRA OBJETIVA. INSUBSISTÊNCIA. CONTEÚDO DA PUBLICAÇÃO. RELATO DA EXPERIÊNCIA DO CONSUMIDOR NO ESTABELECIMENTO. FOTOS DO CACHORRO DE RAÇA GOLDEN RETRIEVER SEM PELOS E COM DIVERSAS MARCAS VERMELHAS PELO CORPO. COMENTÁRIOS CRÍTICOS OCASIONADOS PELA MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE BANHO E TOSA QUE LESIONOU O ANIMAL. USO DA PALAVRA "BODEGA". MANIFESTAÇÃO CONTUNDENTE QUE, TODAVIA, NÃO EXCEDEU OS LIMITES CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. EXEGESE DOS ARTIGOS 5º, IV E IX, E 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DANOS MORAIS AFASTADOS. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (...)."

(TJ-SC - AC: 00020700520148240018 Chapecó 0002070-05.2014.8.24.0018, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 06/02/2018, Terceira...

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