Acórdão Nº 08002180220198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 19-02-2019

Data de Julgamento19 Fevereiro 2019
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08002180220198200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL - 0800218-02.2019.8.20.0000
IMPETRANTE: FABRIZIO ANTONIO DE ARAUJO FELICIANO
Advogado(s): FABRIZIO ANTONIO DE ARAUJO FELICIANO
IMPETRADO: 22ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO DA COMARCA DE NATAL/RN
Advogado(s):

Habeas Corpus nº 0800218-02.2019.8.20.0000

Impetrantes: Dr. Fabrízio Antônio de Araújo Feliciano OAB/RN 5.142B

Paciente: Verdi Dantas Nóbrega Júnior

Aut. Coatora: 22ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da

Comarca de Natal/RN

Relator: Desembargador Gilson Barbosa

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PECULATO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E LAVAGEM DE DINHEIRO. PRETENSO TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA INVESTIGADA. FUNCIONÁRIO FANTASMA. POSSIBILIDADE PARCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE PECULATO. NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO QUANTO ÀS DEMAIS CONDUTAS. PROCEDIMENTO QUE DEVE SEGUIR PARA TAL FINALIDADE. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA. CONSONÂNCIA PARCIAL COM O PARECER DA 3ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, à unanimidade de votos, em dissonância com o parecer ministerial, trancou a ação penal. Vencido em parte, o Relator, que provia parcialmente o writ.

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar impetrado pelo advogado Fabrízio Antônio de Araújo Feliciano em favor de Verdi Dantas Nóbrega Júnior, sob a alegação de estar o paciente sofrendo constrangimento ilegal por parte do Promotor de Justiça da 22ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal/RN.

Em suas razões, o impetrante relatou que o paciente está sendo investigado pela autoridade coatora, nos autos do Procedimento Investigatório Criminal - PIC 116.2016.000321008/2016, com o objetivo de apurar as notícias de ‘servidores-fantasma’ na Assembleia Legislativa (servidores que recebem remuneração, mas não trabalham).

Relata que o paciente é médico e servidor efetivo da Assembleia Legislativa do RN e que o Ministério Público verificou a necessidade de investigá-lo pela prática de peculato desvio outro ilícito cível ou criminal, em razão de possuir outros vínculos profissionais.

Alega que protocolou pedido de arquivamento ao presidente do PIC originário, com argumento de que a conduta investigada era manifestamente atípica, conforme posicionamento jurisprudencial do STJ e deste Tribunal de Justiça consolidado nesse sentido.

Por fim, requer o trancamento do procedimento investigatório criminal 116.2016.000321 em curso na 22º Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal/RN.

Acosta aos autos os documentos relacionados ao Writ.

A Secretaria Judiciária deste Tribunal, por meio da certidão de ID 2705088, fl. 91, informou que inexistem outras ordens de habeas corpus impetradas em favor do paciente.

Ausente pedido liminar.

O órgão ministerial prestou informações, ID 2757927.

Instada a se pronunciar, ID 2770415, a 3ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e denegação da ordem, afastando a tese de constrangimento ilegal suscitada pelo impetrante e, com isso, possibilitando o prosseguimento do PIC 116.2016.000321, instaurado em seu desfavor.

É o relatório.

VOTO

Da análise dos autos, entendo que assiste razão parcial ao impetrante.

Cinge-se a pretensão do impetrante em trancar o procedimento Investigatório Criminal, PIC 116.2016.000321, por atipicidade da conduta.

Considerando as informações da autoridade coatora, corroboradas com o entendimento comungado pela Procuradoria de Justiça, passo a analisar os autos minuciosamente.

A ação constitucional de habeas corpus pode ser veiculada para o trancamento de procedimento Investigatório Criminal ou da ação penal, ainda que ausente o encarceramento provisório, uma vez que a persecução criminal, por si, gera coação física à liberdade do indivíduo.

Porém, somente será cabível nos casos em que configurada de plano a ausência de justa causa para o seu prosseguimento, restando patente e induvidosa a improcedência da acusação, já que não é possível, nesta via de exceção, a dilação probatória.

Da mesma forma, será pertinente o trancamento pela via estreita do writ quando o fato descrito no procedimento investigatório ou na peça acusatória for atípico, ou inexistentes indícios suficientes de autoria e materialidade.

No presente caso, conforme os autos, o Procedimento investigatório, PIC 116.2016.000321, tem o objetivo de investigar o paciente pelos supostos delitos de peculato desvio, falsidade ideológica, uso de documento falso e lavagem de dinheiro.

Pois bem.

Diante da complexidade e particularidade do tema, passo a descrever o tipo penal consistente no peculato e algumas de suas modalidades, conforme o art. 312 e §§ do Código Penal:

Peculato

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Do dispositivo transcrito, verifica-se que a sua redação contempla as figuras típicas de peculato-apropriação, quando o agente toma para si ou se apodera de valor, dinheiro ou qualquer bem público ou privado de que tem a posse, em razão do cargo público que exerce; peculato-desvio, no qual o autor, em razão do cargo público que ocupa, desvia, desencaminha ou dá destinação diversa a valores, dinheiro ou bens públicos ou particular, igualmente sob sua posse, em proveito próprio ou alheio; peculato furto, quando o funcionário público subtrai ou concorre para a subtração e; peculato culposo, quando o funcionário deixa de observar o seu dever de cuidado concorre para que outrem se aproprie.

Dos autos, não vejo a ocorrência do suposto delito de peculato-apropriação, pois o agente não transferiu em seu favor a posse de bem que não lhe pertencia. Não se verifica o peculato-desvio, em razão de inexistir destinação diversa em proveito do agente ou de outra pessoa.

De igual modo, não se configura o peculato furto, por ausência de subtração; nem tampouco, o peculato culposo por desídia do agente.

Do caderno processual, apesar das assertivas alegadas pela autoridade coatora no sentido de que a conduta do paciente caracteriza delito de peculato tipificado no art. 312 do Código Penal, não comungo desse entendimento.

Na situação em apreço, depreende-se que, mesmo após as investigações criminais, a possível demonstração da conduta do paciente em não trabalhar e receber seus vencimentos na condição de servidor, nãocaracteriza peculato-apropriação, desvio ou subtração.

Ora, o servidor não se apropriou de valores que não fossem seu por lei, ou seja, o salário. Isso porque, o paciente mantinha vínculo empregatício com a Assembleia Legislativa do RN, como mostram as evidências os documentos acostados aos autos.

Outrossim, a ausência da efetiva contraprestação do serviço a que está obrigado o funcionário, ora paciente, não se subsume ao tipo penal descrito no art. 312 do Código Penal.

O que se verifica, é que, caso não tenha comparecido ao expediente, o agente deve ser responsabilizado nas esferas cível e administrativa, por eventual sanção administrativa ou dano ao erário, mas não na seara penal, pois não há norma penal incriminadora, ou seja, não há tipo penal que se encaixe a conduta supostamente praticada.

Na ocasião, também não houve alteração do destino da verba ou aplicação contrária da que lhe foi legalmente determinada, tendo em vista o recebimento do seu salário, o qual fazia jus.

Assim, não restou clarividente o dolo, elemento subjetivo capaz de configurar o fato típico, o que enseja o trancamento do procedimento investigatório.

Na situação em apreço, o paciente não demonstrou a vontade livre e consciente de apropriar-se, desviar ou subtrair dinheiro que não lhe pertencia.

Portanto, a conduta que está sendo investigada não encontra respaldo no âmbito criminal, por não haver tipo penal ao qual se subsuma ao fato, e como este ramo do Direito deve seguir eminentemente o princípio da legalidade, não há como a investigação seguir seu trâmite legal.

Nesta ordem de considerações, resta configurado o direito do paciente em não ser constrangido desnecessariamente a uma investigação criminal por fato atípico, in caso, pelo PIC 116.2016.000321, no que pertine ao delito de peculato, previsto no art. 312 do Código Penal.

No mais, não há dúvida de que o procedimento de investigação criminal sem arrimo legal representa para o paciente situação vexatória e constrangedora.

Esse é o entendimento recente do STJ e deste Tribunal de Justiça. Senão, vejamos:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. PECULATO.

ATIPICIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. AUSÊNCIA.

AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Segundo o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, a agravada obteve atestados falsos de frequência, percebendo a remuneração do cargo de Agente Legislativo sem a devida prestação de serviços. Em razão disso, foi denunciada pela suposta prática do crime de peculato, descrito nos art. 312, caput, c/c art. 327, § 1°, do Código Penal.

2. Contudo, o respectivo Tribunal de Justiça verificou a inexistência de tipicidade formal na imputação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT