Acórdão Nº 08002362720238205159 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 06-10-2023

Data de Julgamento06 Outubro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08002362720238205159
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800236-27.2023.8.20.5159
Polo ativo
MARIA DAS GRACAS ARAUJO
Advogado(s): MIZAEL GADELHA
Polo passivo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

EMENTA: DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO FIRMADO POR PESSOA NÃO ALFABETIZADA. NÃO COLOCAÇÃO DE ASSINATURA A ROGO. NÃO OBSERVÂNCIA DA FORMA DO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. NULIDADE DA AVENÇA QUE DEVE SER DECLARADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 166, INCISO IV DO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE ESTADUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO QUE SE IMPÕE. FIXAÇÃO DO QUANTUM EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APELO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas:

Acordam os Desembargadores da Segunda Turma da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer ministerial, em conhecer e dar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Maria das Graças Araújo em face de sentença proferida no ID 21185445, pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Umarizal/RN, que, em sede de ação de obrigação de fazer c/c indenização por si ajuizada em desfavor do Banco Bradesco S.A., julgou improcedente o pleito inicial.

No mesmo dispositivo, condenou a parte apelante nos ônus de sucumbência e fixou os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspendendo a cobrança em face do benefício da gratuidade judiciária.

Em suas razões recursais de ID 21185447, a apelante alega que a cobrança foi indevida, uma vez que, em se tratando de analfabeto, a necessidade de procuração pública para validade do negócio jurídico, sendo cabível o dano moral e a repetição do indébito.

Aduz que o apelado descumpriu o dever de informação.

Requer, ao final, que seja dado provimento ao apelo.

Devidamente intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões (ID 21185452), nas quais alterca que o contrato é válido, tendo a parte apelante tido ciência de todos os seus termos.

Afirma que não praticou qualquer ato ilícito, inexistindo dano material ou moral no caso concreto.

Termina pugnando pelo desprovimento do recurso.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, através da 17ª Procuradoria de Justiça, opinou pelo conhecimento e provimento do apelo (ID 21157632).

É o que importa relatar.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.

Cinge-se o mérito recursal em perquirir acerca da invalidade do negócio jurídico, bem como a possibilidade de condenação da parte demandada na restituição do indébito e no dano moral.

Desde logo, cumpre fixar que o caso vertente deve ser apreciado sob o manto da teoria da responsabilidade objetiva, aplicando-se os preceitos insculpidos pelo Código de Defesa do Consumidor, sobretudo o disposto em seu art. 14, caput, que prescreve:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Em extrato, pode-se afirmar que a teoria da responsabilidade objetiva está vinculada à ideia do risco, de modo que quem provoca uma lesão ao valor alheio é, ipso facto, responsável pelo ressarcimento decorrente.

Essa obrigação pela recomposição do prejuízo independerá da verificação – comprovação – de culpa na conduta do agente lesante. Tem-se, pois, como dispensada a demonstração da culpa, sendo suficiente a ocorrência do dano e sua associação à conduta que o causou (nexo de causalidade) para haver a responsabilidade.

Portanto, a responsabilidade objetiva se caracteriza por ser independente da presença de culpa no agir do que ocasionou a lesão, mas não prescinde da presença dos demais elementos da responsabilidade civil, tendo que haver nexo causal adequado entre a atividade do que causou o dano e a lesão provocada ao acervo jurídico do lesado.

Cumpre, pois, examinar a existência dos caracteres identificadores da responsabilidade civil na espécie, analisando se houve realmente o ato lesivo, identificando-se a parte responsável pelo ato, e, por fim, o nexo de causalidade entre a conduta e o possível dano experimentado.

No caso concreto, verifica-se que no contrato anexado aos autos no ID 21185440 consta a digital da parte apelante, mas não a assinatura a rogo.

Considerando que a parte autora é pessoa não alfabetizada, deveria a parte ora apelada ter se cercado de mais cuidados e observado o disposto no art. 595 do Código Civil que dispõe:

Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.

No caso concreto, não é possível identificar a assinatura a rogo (ID 21185440). Assim, não observou a parte demandada a forma que deveria ser feito o contrato, razão pela qual o mesmo é nulo, com fundamento no art. 166, inciso IV do Código Civil, devendo a sentença ser reformada para reconhecer a invalidade do ato.

Neste diapasão, válidas as transcrições:

EMENTA: DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO FIRMADO POR PESSOA NÃO ALFABETIZADA. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DA ASSINATURA A ROGO E AUSÊNCIA DE ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. NÃO OBSERVÂNCIA DA FORMA DO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. NULIDADE DA AVENÇA QUE DEVE SER DECLARADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 166, INCISO IV DO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE ESTADUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO QUE SE IMPÕE. FIXAÇÃO DO QUANTUM EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APELO CONHECIDO E PROVIDO (APELAÇÃO CÍVEL 0800463-45.2022.8.20.5161, Des. Expedito Ferreira, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 21/12/2022, PUBLICADO em 09/01/2023 – Grifo intencional).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS PESSOAL. DESCONTO EM CONTA POUPANÇA. PESSOA IDOSA E ANALFABETA. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. Sabe-se que a pessoa analfabeta não é incapaz para os atos da vida civil. Assim, o analfabeto, como não consegue assinar e entender plenamente um contrato, pode pedir que alguém, de sua confiança, assine por ele, via procuração (instrumento público), para que esse terceiro o represente em seus negócios jurídicos, como dispõe o § 2º do art. 215 do CC. Como exceção, no contrato de prestação de serviços, o art. 595 do CC admite expressamente a possibilidade da realização de negócio jurídico pelo analfabeto, caso em que exige assinatura “a rogo” na presença de duas testemunhas, conforme dispõe o referido artigo: “no contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.” Tal dispositivo, portanto, é exclusivo ao contrato de prestação de serviços. No caso concreto, em todos os contratos dos autos existem a impressão digital que seria do autor, e a assinatura de duas testemunhas (as quais o autor desconhece). Aliás, ausente a assinatura do procurador (a), por instrumento público, da pessoa analfabeta, a contratação é nula. Assim, no caso, ainda que se pudesse usar por analogia o art. 595 do CC, verifica-se a ausência de assinatura “a rogo”, pois não houve a assinatura de qualquer pessoa com poderes outorgados pelo autor, de modo que nos instrumentos contratuais apenas constam sua impressão digital. Em razão disso, portanto, são nulas as contratações, o que autoriza a repetição de valores na forma simples dos valores recebidos pelo autor e réu. No ponto, apelo desprovido. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. Conquanto tenha havido uma falha na prestação do serviço, consubstanciada na cobrança indevida de dívida prescrita, tenho que não há falar em dano moral, quanto muito mero incômodo ou dissabor, não passível de indenização. Não há qualquer elemento nos autos indicando que a cobrança indevida tenha causado maiores transtornos à parte autora, notadamente porque sequer houve inscrição negativa em cadastros de inadimplentes. A situação enfrentada pela parte requerente não ultrapassou a esfera do mero dissabor com o intuito de cobrar dívida inexigível. Condenação afastada. Recurso provido no ponto. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA (Apelação Cível, Nº 70084054550, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 24-06-2020 – Destaque acrescido).

Registre-se, por salutar, que, considerando que o contrato firmado não foi válido, os encargos moratórios decorrentes do mesmo não podem ser cobrados.

Noutro quadrante, considerando que não há prova válida da contratação, a repetição do indébito é devida, na forma do art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, devendo a sentença ser reformada também quanto a este ponto.

Neste diapasão, válidas as transcrições:

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. DIVERSOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS REALIZADOS ENTRE AS PARTES. SITUAÇÃO DE INADIMPLEMENTO PELO CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE, PARA SATISFAÇÃO DOS DÉBITOS, PROMOVE BLOQUEIOS DIRETOS SOBRE OS RENDIMENTOS MENSAIS DE SEU CLIENTE SEM EXPRESSA AUTORIZAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE PROVENTOS. BLOQUEIO ILEGAL DA CONTA BANCÁRIA DA APELADA. PRÁTICA RECONHECIDA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTOS INDEVIDOS INEQUÍVOCOS. ILEGALIDADE DO ATO PERPETRADO PELA...

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