Acórdão Nº 08002374320218205139 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 18-07-2023

Data de Julgamento18 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08002374320218205139
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800237-43.2021.8.20.5139
Polo ativo
MARIA APARECIDA GEKELINA DA SILVA
Advogado(s): JOSE MUCIO DOS SANTOS
Polo passivo
ITAU ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA e outros
Advogado(s): PAULO ROBERTO JOAQUIM DOS REIS

RECURSO CÍVEL INOMINADO Nº 0800237-43.2021.8.20.5139

oRIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, CRIMINAL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE FLORÂNIA

RECORRENTE(S): MARIA APARECIDA GEKELINA DA SILVA

ADVOGADOS: JOSE MUCIO DOS SANTOS

RECORRIDO(S): ITAU ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA E ITAU UNIBANCO HOLDING S.A.

ADVOGADO(S): PAULO ROBERTO JOAQUIM DOS REIS

JUIZ RELATOR: CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE CONSÓRCIO EM GRUPO. DESISTÊNCIA. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO DEVIDA. LIBERDADE DA ADMINISTRADORA PARA FIXAR PERCENTUAL. CLÁUSULA PENAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. PRECEDENTES DO STJ. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, reformando a sentença para condenar a recorrida à correção do valor restituído ao recorrente após o encerramento do consórcio, aplicando a correção monetária e os juros moratórios e retendo apenas a taxa de administração, considerada devida.

Sem condenação do recorrente em custas ou honorários advocatícios, ante o provimento do recurso.

Natal/RN, 04 de julho de 2023.

CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA

Vistos etc.

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da lei 9.099/95, bastando apenas uma breve síntese.

Trata-se de Ação de Repetição de Indébito cumulada com Indenização por Danos Morais proposta por MARIA APARECIDA GEKELINA DA SILVA em desfavor do ITAÚ UNIBANCO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA e ITAÚ UNIBANCO S/A, todos devidamente qualificados nos autos em epígrafe.

Aduz a parte autora que firmou contrato de consórcio com a parte demandada, em 19 de novembro de 2014, conforme proposta nº 1728005, tendo sido contratado inicialmente o valor de R$ 62.400,00 (sessenta e dois mil e quatrocentos reais), com previsão de pagamento em 72 (setenta e dois) meses. Afirma que efetuou o pagamento do montante de R$ 10.812,65 (dez mil, oitocentos e doze reais e sessenta e cinco centavos), quando desistiu do negócio em razão de dificuldades financeiras.Ocorre que, ao fim do grupo, recebeu apenas a quantia de R$ 3.892,00 (três mil, oitocentos e noventa e dois reais).

Requer a condenação da demandada à restituição integral do valor pago, acrescidas ainda de juros e correção monetária, além da declaração de abusividade e ilegalidade da cláusula de cobrança de taxa de administração no percentual de 16% (dezesseis por cento). Ainda, pleiteia a condenação da ré ao pagamento de R $10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais.

Intimadas, as rés apresentaram contestação no ID 69593295, na qual arguiu, preliminarmente, a incompetência dos Juizados Especiais Cíveis para o processamento e julgamento da causa. No mérito, sustentou que a parte autora aderiu livremente a esse sistema de consórcio, em grupo, comprometendo-se ao pagamento das prestações mensais, conforme estabelecido no contrato de adesão. Ao final, pugnou pela improcedência da pretensão autoral.

É a breve síntese. Decido.

De início, com relação ao requerimento de gratuidade judiciária, procedo com sua melhor análise quando da eventual interposição de recurso.

Nos termos do artigo 355, I e II, do Código de Processo Civil, o feito comporta julgamento antecipado da lide, uma vez não haver necessidade de outras provas.

Preliminarmente, a parte ré suscitou a incompetência deste Juizado para apreciação da causa, uma vez que o deslinde da questão demandaria prova pericial. Todavia, ao contrário do que alega a parte ré, o deslinde da lide em apreço não pressupõe a realização de exame pericial e, caso fosse necessária a sua realização, não estaria presente complexidade capaz de ensejar a incompetência deste Juízo.

A vedação contida na Lei 9.099/95 é tão somente para exames técnicos de alta complexidade e delongas processuais contrapostas ao princípio da celeridade, admitindo-se, a contrário sensu e nos termos do Enunciado 12 do FONAJE, vistorias e inspeções informais.

Ocorre que, na hipótese dos autos, a discussão objeto da lide prescinde de exame pericial, sendo possível, a partir dos elementos constantes dos autos e com fundamento no art. 375 do CPC, segundo o qual o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial, apreciar o mérito da demanda.

Portanto, REFUTO a preliminar.

Ausentes outras questões a serem enfrentadas e presentes todos os pressupostos de validade do processo, passo à análise do mérito.

A relação aqui discutida tem origem consumerista, motivo pelo qual incidem os ditames do Código de Defesa do Consumidor. A esse respeito, cumpre observar que, antes mesmo da entrada em vigor da Nova Lei de Consórcios, já se entendia que ao contrato firmado entre o consorciado e a administradora de consórcio aplicam-se as normas protetoras do Código de Defesa do Consumidor.

Registro também que a inversão do ônus da prova previsto no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, ocorre não de forma taxativa, mas se a critério do julgador quando for verossímil a alegação, ou quando for hipossuficiente o consumidor, ou seja, quando os meios de provas das suas alegações, sejam por dificuldades de ordem técnica ou não estiverem mais próximos da realidade do demandado.

Adotado esse posicionamento, com autorização art. 6º, inciso VIII, do CDC, inverto o ônus da prova em favor da autor, cabendo assim a parte adversa comprovar cabalmente as assertivas inseridas na peça de defesa, sob pena de se entender como verdadeiras as razões narradas na exordial.

Não há de se falar em prejuízo ao demandado por ofensa aos princípios da ampla defesa e contraditório, ou qualquer surpresa, eis que teve até agora, sobretudo no momento da apresentação da peça de defesa, inteira oportunidade de juntar os documentos pertinentes, assim como aduzir o que entendesse relevante. Denota-se que o contrato foi realizado após a Nova Lei Nacional nº 11.795/08 (Reguladora do Sistema de Consórcio), a qual teve vigência em 06/02/2009, devendo-se aplicar, portanto, o novo regramento legal.

Todavia, da análise dos autos, não é possível constatar a ocorrência de defeito na prestação dos serviços oferecido pelas rés. A documentação carreada aos autos comprova que o autor firmou contrato de consórcio com a empresa demandada em novembro de 2014, com valor do crédito (do bem) de R$ 62.400,00 (sessenta e dois mil e quatrocentos reais), previsão de pagamento em 72 (setenta e duas) cotas e taxa de administração de 16% (dezesseis por cento). O extrato anexado à exordial demonstra que o autor recebeu a restituição de um valor menor em relação àquele que fora investido durante o pagamento das parcelas contratadas, entretanto, não é possível concluir que houve cobrança indevida.

Quanto à taxa de administração reclamada pela parte demandante, no caso dos autos, o contrato celebrado entre as partes previu o pagamento da referida taxa em favor da administradora. A propósito, como sabido, a citada taxa, pela sua natureza, não faz parte do pagamento do preço do bem a ser adquirido, já que apenas visa remunerar o trabalho da administradora. Entretanto, em razão do princípio da proporcionalidade e da solidariedade, sua fixação não pode se afigurar como forma de enriquecimento ilícito, prejudicando sobremaneira o consumidor.

Não existem critérios legais ou mesmo na jurisprudência para aplicar um parâmetro a todos os casos. Assim, é a cada caso concreto que essa análise deve ser feita para concluir se a taxa de administração fixada no contrato é abusiva ou não. Todavia, de acordo com as normas de regência, e com supedâneo nas mais recentes interpretações extraídas dos Tribunais Superiores, o entendimento sobre a matéria, amplamente majoritário, é no sentido de que as administradoras de consórcio possuem liberdade para fixar a taxa de administração no âmbito de seus contratos.

Em igual sentido é o enunciado da Súmula 538 do STJ: as administradoras de consórcio têm liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a dez por cento.

Frise-se, por oportuno, que, nos termos do art. 2º da Lei nº 11.795/2008, Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento.”

Ademais, o art. 27 da mesma lei preceitua que: “O consorciado obriga-se a pagar prestação cujo valor corresponde à soma das importâncias referentes à parcela destinada ao fundo comum do grupo, à taxa de administração e às demais obrigações pecuniárias que forem estabelecidas expressamente no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão.”

Destarte, não se verifica, pela prova produzida nos autos, que tenha ocorrido a cobrança de valor indevido referente à multa pelo descumprimento do contrato, assim como da taxa administrativa, ambas previstas no contrato.

Nesse contexto, não restando evidenciada conduta ilícita por parte da requerida, a improcedência da ação é medida que se impõe.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão autoral, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Deixo de proferir condenação em custas e honorários...

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