Acórdão Nº 08002697820208205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08002697820208205108
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800269-78.2020.8.20.5108
Polo ativo
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
Advogado(s): NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO
Polo passivo
MARIA DE LOURDES DA SILVA TORRES
Advogado(s): RAUL VINNICCIUS DE MORAIS

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

2ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA – 2º GABINETE

RECURSO INOMINADO Nº 0800269-78.2020.8.20.5108

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, CRIMINAL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PAU DOS FERROS

PARTE RECORRENTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S/A

PARTE RECORRIDA: MARIA DE LOURDES DA SILVA TORRES

JUIZ RELATOR: GUILHERME MELO CORTEZ

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ANALFABETO. CONTRATAÇÃO NÃO RECONHECIDA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES, EM PARTE, OS PLEITOS AUTORAIS. COMPROVAÇÃO PELO RÉU DA CONTRATAÇÃO IMPUGNADA (ART. 373, II, DO CPC). JUNTADA AOS AUTOS DE CÓPIA DE CONTRATO CONTENDO APOSIÇÃO DE DIGITAL, ASSINATURA A ROGO E ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHA, ASSIM COMO COMPROVANTE DE DEPÓSITO DO VALOR NA CONTA DA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A TAIS DOCUMENTOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal Temporária do Sistema dos Juizados Especiais do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso, para julgar improcedentes os pedidos formulados pela Autora.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/1995.

Natal/RN, data da assinatura eletrônica.

GUILHERME MELO CORTEZ

Juiz Relator

RELATÓRIO

Recurso Inominado interposto por BANCO ITAU CONSIGNADO S/A contra sentença que julgou procedentes, em parte, os pleitos formulados por MARIA DE LOURDES DA SILVA TORRES, para:

a) DECLARAR a nulidade do contrato de empréstimo consignado de n. 559843848, devendo o demandado proceder a exclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora;

b) CONDENAR O REQUERIDO, a restituir de forma simples todos os valores que houver indevidamente descontados do benefício da parte autora relativos ao contrato ora declarado nulo;

c) CONDENAR O DEMANDADO, a pagar à parte autora, a título de indenização por danos morais, o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais);

d) INDEFERIR o pedido de dedução de eventuais valores depositados em favor da demandante.

Na sentença, o Magistrado rejeitou as preliminares e a prejudicial de prescrição e, no mérito, registrou que a tese autoral caminha no sentido de que jamais celebrou o contrato de empréstimo consignado junto à demandada, embora esta venha promovendo descontos a esse título em seus proventos, enquanto, sustentando a legalidade dos descontos, a promovida juntou aos autos o instrumento contratual e comprovante de transferência de valores. Ao analisar o contrato juntado pelo banco, identificou, o juiz sentenciante, que a irregularidade consiste no fato de a parte autora ser analfabeta, destacando que isso ficou evidenciado pelas cópias dos documentos pessoais da contratada bem como pela aposição de digital no contrato celebrado. Anotou que um negócio jurídico celebrado por pessoa nesta condição deve ser revestido de forma pública, sob pena de incorrer-se na legitimação de diversos abusos, daqueles que se aproveitam da falta de instrução, além da factível vulnerabilidade que impõe o desconhecimento do vernáculo nas relações sociais, sobretudo numa relação consumerista. Com base nos fundamentos acima, entendeu ser de rigor a declaração de nulidade do contrato ora questionado com efeitos ex tunc, restituindo-se as partes ao status quo ante (art. 182 do Código Civil). Entendeu ser devida a mera restituição simples dos valores indevidamente descontados, de forma a evitar o enriquecimento sem causa. Em relação ao dano moral, destacou que o dever de a demandada indenizar a parte autora repousa na prática de ato ilícito (art. 927 c/c art.186 do CC) consistente em realizar empréstimo consignado vinculado à aposentadoria do consumidor sem a observância das normas aplicáveis ao contrato em espécie. Por fim, tendo em vista a nulidade do contrato, entendeu prejudicada a dedução requerida em sede de contestação, tendo em vista que os serviços e os produtos enviados sem a solicitação do consumidor são considerados amostras grátis, nos termos do artigo 39, parágrafo único, do CDC.

Em suas razões recursais, o Recorrente suscitou a prejudicial de prescrição trienal e as preliminares de incompetência do Juizado Especial, por necessidade de realização de perícia, e de cerceamento de defesa por ausência de audiência de instrução. No mérito, sustentou a regularidade da contratação, defendendo que não há no ordenamento jurídico brasileiro legislação que determine a necessidade de instrumento público para contratos celebrados com analfabetos, sendo suficiente observar-se a regra da assinatura a rogo e a subscrição por duas testemunhas. Alegou, ainda, a não caracterização de amostra grátis e a inexistência de danos materiais e morais. Ao final, requereu a reforma da sentença e a improcedência dos pedidos.

A parte Recorrida não apresentou contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Incialmente, rejeito a preliminar de incompetência, uma vez que não há falar em necessidade de realização de prova pericial, considerando a ausência de impugnação aos documentos apresentados.

Rejeito, também, a preliminar de cerceamento de defesa, visto que as provas constantes nos autos mostram-se suficientes para a solução da presente demanda, de forma que inexiste necessidade de ser colhida prova oral.

Quanto à prescrição, também não merece acolhimento, haja vista se tratar de relação de trato sucessivo em que o prazo prescricional começa a correr a partir do último desconto, o qual sequer não tinha acontecido no presente caso, quando do ajuizamento da ação.

Passando ao mérito, após análise da prova documental, em cotejo com os argumentos articulados pela parte, tenho que a sentença recorrida merece reparo. Passo a explicar.

Temos que a natureza jurídica do vínculo entre as partes configura uma clara relação de consumo, sendo indispensável uma análise do feito à luz da Lei 8.078/90.

Sobre a contratação com pessoa analfabeta, assim dispõe o Código Civil:

Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.

Compulsando os autos, verifico que o Requerido acostou instrumento contratual (ID 9507525) que contém a digital da contratante, a assinatura a rogo e a assinatura de duas testemunhas, todas as partes identificadas por meio de documentos pessoais.

Ademais, foi juntado o TED (ID 9507527), comprovando o recebimento do valor objeto do contrato de refinanciamento.

Ressalto que a parte Autora deixou de apresentar impugnação aos documentos juntados com a contestação, mesmo diante da intimação para apresentação de réplica, conforme indica a Certidão de ID 9507545, de modo que podem ser considerados válidos os documentos juntados pelo Demandado.

Vale ser ressaltada, também, a impossibilidade de dinheiro ser considerado amostra grátis para fins do disposto no art. 39, parágrafo único do CDC, pois dinheiro não é produto, não é mercadoria, mas moeda de pagamento.

No caso em questão, o envio do numerário à conta de titularidade da Recorrida foi feito com base em contrato. Desse modo, ainda que tal contrato fosse fraudulento – o que não ocorreu no presente caso – a remessa do dinheiro não teria se dado por liberalidade do fornecedor, mas por conduta de terceiro.

Por todo o exposto, noto que foram respeitadas as formalidades exigidas pelo art. 595 do Código Civil, mostrando-se forçoso o reconhecimento da validade do contrato firmado entre a parte Autora e o Banco Réu.

Cumpre esclarecer, por fim, que, conforme se extrai do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no sentido de que a autorização para a consignação do empréstimo e a celebração do contrato por analfabeto se dê mediante escritura pública. Pelo contrário, a IN autoriza inclusive que a autorização se dê por meio eletrônico, de forma que não há amparo legal para que seja declarada a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante “escritura pública”.

Dessa forma, proponho o voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para julgar improcedentes os pedidos formulados pela Autora.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/1995.

É o voto.

Submeto, nos termos do art. 40 da Lei n. 9.099/95, o presente projeto de Acórdão para fins de homologação por parte do Juízo de Direito. Após, publique-se, registre-se e intimem-se.

Natal/RN, 22 de março de 2022.

Raissa Lucia Cruz Batista

Juíza Leiga

HOMOLOGAÇÃO

Com arrimo no art. 40 da Lei nº 9.099/95, bem como por nada ter a acrescentar ao entendimento acima exposto, HOMOLOGO na íntegra o projeto de acórdão para que surta seus jurídicos e legais efeitos.

Natal/RN, 22 de março de 2022.

GUILHERME MELO CORTEZ

Juiz Relator

Natal/RN, 22 de Março de 2022.

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