Acórdão Nº 08003887720208205160 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 11-08-2021

Data de Julgamento11 Agosto 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08003887720208205160
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800388-77.2020.8.20.5160
Polo ativo
ANTONIA LUCIA DE MEDEIROS GALVAO
Advogado(s): ALLAN CASSIO DE OLIVEIRA LIMA, JEFFERSON DIEGO DE OLIVEIRA
Polo passivo
BRADESCO VIDA E PREVIDENCIA S.A.
Advogado(s): CARLOS EDUARDO CAVALCANTE RAMOS

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PREJUDICIAL DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA SUSCITADA PELA APELANTE. DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA DEMANDANTE/RECORRENTE. RELAÇÃO NEGOCIAL NÃO COMPROVADA PELO RÉU. IMPUGNAÇÃO DE ASSINATURA EM DOCUMENTO JUNTADO PELO BANCO. NECESSIDADE DE PERÍCIA COMO MEIO IDÔNEO DE PROVA PELO JULGADOR. PROVA PLEITEADA PELA PARTE AUTORA. EXISTÊNCIA DE MATÉRIA FÁTICA CONTROVERTIDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA, APTA A INFLUENCIAR NA SOLUÇÃO DO LITÍGIO. COOPERAÇÃO DO JUIZ. NULIDADE DA SENTENÇA. PREJUDICIAL ACOLHIDA, COM O CONSEQUENTE RETORNO DOS AUTOS À INFERIOR INSTÂNCIA, PARA PROCEDER À NECESSÁRIA PERÍCIA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO

ACÓRDÃO

Acordam os desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso, para acolher a prejudicial de nulidade da sentença por cerceamento de defesa suscitada pela apelante, para anular a sentença, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por ANTÔNIA LÚCIA DE MEDEIROS GALVÃO em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Upanema que, nos autos da Ação Ordinária ajuizada pela ora Apelante em desfavor do BANCO BMG S.A., julgou improcedentes os pedidos autorais e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa, ficando a exigibilidade suspensa em face do deferimento da gratuidade judiciária.

Em suas razões (Id 9976549), a parte autora, ora apelante, sustenta, em síntese, que houve cerceamento de defesa diante do julgamento antecipado da lide, quando havia pleiteado a produção de prova pericial.

Argumenta que “a sentença de 1ª Grau deve ser reformada, tendo em vista que o MM. Juiz não se utilizou de todos os meios cabíveis de prova para sua convicção, uma vez que não realizou a Perícia Grafotécnica para constatar se o suposto contrato anexado pela Recorrida, foi subscrito ou não pela Recorrente”.

Afirma que “o contrato (ID nº 62914146), não foi subscrito pela recorrente, sendo a mesma vítima do crime de fraude, tal conclusão decorre da fácil e perceptível constatação da falsificação da assinatura do suposto contratante aposta no instrumento contratual, uma vez que se trata de assinatura totalmente diversa da recorrente”.

Alega que “havendo a negativa da autoria das assinaturas firmadas no contrato constantes da contestação, necessário se faz a produção de prova grafodocumentoscópica (ou grafotécnica)”.

Por conseguinte, requer o provimento do recurso, para que “seja reformada a sentença monocrática, para o retorno dos autos a Vara de Origem para realização da PERÍCIA GRAFOTÉCNICA, ou, se não for o caso dessa Egrégia Câmara entender pela reforma da Sentença no que tange ao deferimento da Perícia Grafotécnica, requer como pedido alternativo que seja reconhecida a NULIDADE PROCESSUAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA”.

Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id 9976552).

A Procuradoria de Justiça, declinou de sua intervenção, dada a ausência de interesse público.

É o relatório.

VOTO

PREJUDICIAL DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA SUSCITADA PELA APELANTE.

Cinge-se a presente preliminar na análise da necessidade ou não da realização de prova pericial, cujo Juízo de Piso entendeu desnecessária.

Da análise dos autos, observa-se que o magistrado a quo julgou antecipadamente a lide, entendendo que “o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência, havendo, ademais, possibilidade do julgamento do processo no estado em que se encontra” (Id 9976547).

Ocorre que, em questões como a que ora se discute, a realização de perícia é imprescindível para seu deslinde, pois faz-se necessário analisar se a assinatura constante do documento juntado pelo banco réu (Id 9976536) é mesmo da parte autora que, diga-se, negou veementemente ter celebrado o contrato ora questionado. Mais que isso, em sua réplica à contestação, pleiteou expressamente a realização de perícia grafotécnica (Id 9976539).

Ademais, em que pese o juiz não estar adstrito ao laudo pericial, podendo, fundamentadamente, decidir em sentido contrário às conclusões do expert, diversa e incabível é a situação em que se substitui ao perito, ainda mais quando o próprio demandante solicitou a assistência daquele que tem conhecimento técnico e científico para dirimir as dúvidas sobre a questão em foco, como ocorreu no caso em exame.

O julgamento antecipado da lide apenas tem lugar nas hipóteses em que é desnecessária a produção de prova, nos termos do art. 330, I, do CPC[1], diversa da situação dos autos. Assim, surgiu o vício de nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

Sobre o tema, oportuna é a lição de Cândido Rangel Dinamarco[2]:

“A razão pela qual se permite a antecipação do julgamento do mérito é invariavelmente a desnecessidade de produzir provas. Os dois incisos do art. 330 desmembram essa causa única em várias hipóteses, mediante uma redação cuja leitura deve ser feita com a consciência de que só será lícito privar as partes de provar quando as provas não forem necessárias ao julgamento. Não se antecipa a decisão do mérito quando ainda faltarem esclarecimento sobre algum ponto relevante da demanda ou da defesa. Só se antecipa quando nenhuma prova seja necessária”.

A propósito, em situação bem semelhantes, colaciono os seguintes precedentes desta Corte, inclusive da minha relatoria:

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARAÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PREJUDICIAL DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA SUSCITADA PELA APELANTE. DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA DEMANDANTE/RECORRENTE. RELAÇÃO NEGOCIAL NÃO COMPROVADA PELO RÉU. IMPUGNAÇÃO DE ASSINATURA EM DOCUMENTO JUNTADO PELO BANCO. NECESSIDADE DE PERÍCIA COMO MEIO IDÔNEO DE PROVA PELO JULGADOR. PROVA PLEITEADA PELA PARTE AUTORA. EXISTÊNCIA DE MATÉRIA FÁTICA CONTROVERTIDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA, APTA A INFLUENCIAR NA SOLUÇÃO DO LITÍGIO. COOPERAÇÃO DO JUIZ. NULIDADE DA SENTENÇA. PREJUDICIAL ACOLHIDA, COM O CONSEQUENTE RETORNO DOS AUTOS À INFERIOR INSTÂNCIA, PARA PROCEDER À NECESSÁRIA PERÍCIA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0800171-34.2020.8.20.5160, Dr. AMAURY DE SOUZA MOURA SOBRINHO, Gab. Des. Amaury Moura Sobrinho na Câmara Cível, ASSINADO em 23/02/2021).

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA, SUSCITADA PELO APELANTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA PARA O DESLINDE DA QUESTÃO. REQUERIMENTO EXPRESSO E OPORTUNO DA PROVA PERICIAL. PROVA QUE PODERIA TER SIDO DETERMINADA DE OFÍCIO, ACASO NÃO REQUERIDA. ÚNICA PROVA APTA A RESOLVER A QUESTÃO ESPECIFICAMENTE APONTADA PELA PARTE AUTORA, DIANTE DA ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. DEVER DO JUIZ QUANTO À BUSCA PELA VERDADE DOS FATOS. ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR COM A NULIDADE DA SENTENÇA E RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM, PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. (APELAÇÃO CÍVEL, 0819886-25.2018.8.20.5001, Dr. JUDITE DE MIRANDA MONTE NUNES, Gab. Desª. Judite Nunes na 2ª Câmara Cível, ASSINADO em 19/02/2020).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PREJUDICIAL DE NULIDADE DA SENTENÇA. DÚVIDA QUANTO À ASSINATURA APOSTA NO CONTRATO APRESENTADO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. MATÉRIA SUSCITADA NAS RAZÕES DO APELO. NECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA A REALIZAÇÃO DA PROVA PERICIAL. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DA APELAÇÃO. - Havendo necessidade de dilação probatória, é nula a sentença que julga antecipadamente a lide, com fundamento no art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. (APELAÇÃO CÍVEL, 0844189-74.2016.8.20.5001, Dr. AMILCAR MAIA, Gab. Des. Amilcar Maia na 3ª Câmara Cível, ASSINADO em 11/02/2020).


Assim, entendo que a decisão recorrida deve ser anulada para retornar à instrução probatória, notadamente a perícia técnica para aferir a procedência ou não do pedido autoral, sob pena de não se alcançar uma prestação jurisdicional justa e efetiva.

Por todo o exposto, dou provimento ao apelo para declarar a nulidade da sentença e, em consequência, determinar o retorno dos presentes autos ao Juízo de origem para regular instrução, especialmente a realização de perícia técnica.

É como voto.

Natal, data da sessão.

Desembargador Amaury Moura Sobrinho

Relator

5


[1] Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:

I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;

[2] CANDIDO RANGEL DINAMARCO. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 555.

Natal/RN, 10 de Agosto de 2021.

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