Acórdão Nº 08004508320198205118 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 09-10-2021
Data de Julgamento | 09 Outubro 2021 |
Classe processual | REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL |
Número do processo | 08004508320198205118 |
Órgão | Primeira Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Processo: | REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0800450-83.2019.8.20.5118 |
Polo ativo |
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros |
Advogado(s): | |
Polo passivo |
MUNICIPIO DE JUCURUTU e outros |
Advogado(s): |
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE INSUMOS PARA INFANTE COM QUADRO CLÍNICO DE PARAPLEGIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CARÁTER PRESTACIONAL. NECESSIDADE DO FORNECIMENTO CONTÍNUO, PERMANENTE E GRATUITO. RESISTÊNCIA DA PARTE DEMANDADA EVIDENCIADA NOS AUTOS. AFRONTA ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS ASSEGURADAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRIMAZIA DO DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTES DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DO JULGADO. REMESSA CONHECIDA E DESPROVIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:
Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à remessa necessária, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste acórdão.
RELATÓRIO
Trata-se de Remessa Necessária em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Jucurutu/RN que, nos autos da Ação Civil Pública registrada sob o nº 0800450-83.2019.8.20.5118, proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, na condição de substituto processual, em desfavor do Município de Jucurutu/RN, julgou procedente a pretensão inaugural nos seguintes termos (ID 11169246):
Diante do exposto, prima facie, ratifico parcialmente a decisão de antecipação de tutela, decreto a REVELIA e, no mérito, JULGO PROCEDENTE o pedido para CONDENAR o Município de Jucurutu/RN, a fornecer imediatamente, no prazo máximo de 05 (cinco) dias, os insumos prescritos por receita médica, mais precisamente, 150 (cento e cinquenta) coletores de urina 2LTS, 90 (noventa) unidades de Continência Urinária, 150 (cento e cinquenta) unidades de sonda uretral, cloridrato de lidocaina 20MG/G, geléia 6 (seis) unidades, fita cirúrgica hipoalergênica 8 (oito) unidades 10 CM x 4,5 M, óleo de girassol 200ml 2 (duas) unidades, 1 (uma) unidade de caixa de luva tamanho médio, óleo mineral 2 unidades, em favor da parte autora, de forma contínua e por tempo indeterminado.
Fica estipulada a multa diária de R$ 100,00 (cem reais) em caso de descumprimento desta decisão, até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser pago solidariamente pelas Fazendas Públicas Estadual e Municipal, afastando aqueloutras aplicáveis ao Secretário Municipal de Saúde e pelo Prefeito deste Município, além do que poderá haver bloqueio das contas do Município no valor necessário à realização do procedimento ora deferido, a fim de assegurar o cumprimento desta decisão judicial (art. 139, IV, CPC).
Proceda-se com o cancelamento do alvará expedido no id nº 51425535.
Intime-se o demandado para, no prazo de 05 (cinco) dias, informar os dados bancários pra recebimento de alvará. Informado os dados, expeça-se alvará em favor do Município de Jucurutu/RN, no valor de R$ 770,00 (setecentos e setenta) reais, valores estes bloqueados no id nº 51424908, devendo ser creditado na conta informada.
Considerando que a edilidade possui isenção legal e que a parte autora é o Órgão Ministerial, não há condenação em custas processuais e nem em honorários advocatícios. (....)
As partes não recorreram do mencionado julgado, ascendendo os autos a esta instância por força de reexame necessário, consoante certidão de ID 11169251.
Instada a se manifestar, a douta 6ª Procuradora de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso obrigatório (ID 11194040).
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da Remessa Necessária.
Da simples leitura do caderno processual, constata-se que na situação particular é essencial o reexame obrigatório do julgado de primeiro grau, na forma do artigo 496 do Código de Processo Civil.
Reportando-se ao caso em tela, o julgado a quo reconheceu a procedência do pedido formulado na inicial, consubstanciado em condenação ilíquida, visto que deferido o fornecimento de suplementos para auxiliar na alimentação via oral, líquida e pastosa do requerente.
Desta feita, a sentença em questão trata de obrigação ilíquida, de modo que, não havendo como averiguar a imediata obediência ao limite prescrito pelo art. 496, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil, obrigatória sua submissão a esta Corte de Justiça.
Ultrapassado tal ponto, cinge-se a discussão em aferir o acerto do decisum proferido no presente feito que determinou ao Estado do Rio Grande do Norte o fornecimento contínuo, permanente e gratuito dos suplementos orais indicados pelo médico que assiste o autor.
Compulsando o caderno processual, vê-se que o paciente alegou ser usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) e possuir quadro clínico de paraplegia, motivo pelo qual necessita do fornecimento dos insumos prescritos por receita médica, precisamente 150 (cento e cinquenta) coletores de urina 2LTS, 90 (noventa) unidades de Continência Urinária, 150 (cento e cinquenta) unidades de sonda uretral, cloridrato de lidocaína 20mg/g, geleia 6 (seis) unidades, fita cirúrgica hipoalergênica 8 (oito) unidades, óleo de girassol 200mL 2(duas) unidades, 1 (uma) unidade de caixa de luva tamanho médio, óleo mineral 2 (duas) unidades, de forma contínua e por tempo indeterminado.
Por sua vez, devidamente citada, a parte demandada não apresentou contestação, consoante certidão inserta ao ID 11169235.
Sobre o assunto, sabe-se que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) inaugurou a concepção da seguridade social, englobando o risco social nas áreas de previdência, assistência e saúde pública. Sob este novo viés, o direito à saúde é previsto como direito fundamental (arts. 6º e 196 da CF/88[1]), sendo dever fundamental do Estado a adoção de políticas institucionais para sua efetivação, por ter ele aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF/88).
Não por outro motivo, a Carta Magna preceitua em seu artigo 23, inciso II, a obrigação solidária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar da saúde e assistência pública, cujas ações e expedientes serão desenvolvidos de forma integrada, regionalizada e descentralizada (art. 198, inciso I, da CF/88), por meio de um Sistema Único de Saúde-SUS (gerido pela Lei nº 8.080/1990).
A Lei Federal nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, na mesma toada, atribui a todos os entes federados a respectiva prestação, atendendo aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade (integralidade de assistência), em todos os níveis de governo, alcançando solidariamente as figuras estatais.
Nesta esteira, vê-se que os três entes da federação são partes legítimas para figurar no polo passivo de demandas que tenham por objeto a consecução plena do direito à saúde, materializado por intermédio do fornecimento de medicamentos e/ou procedimentos médicos indispensáveis.
Esta Corte de Justiça, ademais, em sintonia com a conclusão ora esposada, editou o seguinte Enunciado de Súmula nº 34: “a ação que almeja a obtenção de medicamentos e tratamentos de saúde pode ser proposta, indistintamente, em face de qualquer dos entes federativos”.
Em cotejo aos elementos anexados ao caderno processual, tem-se que os laudos dos profissionais de saúde atestam de forma plena as condições clínicas do paciente, bem como a necessidade dos insumos solicitados, os quais não estão sendo garantidos administrativamente, e a incapacidade financeira daquele para respectiva aquisição (ID’s 10714512, 10715523 e 10715526).
Em verdade, a robustez do direito invocado encontra-se evidenciada, uma vez que, ante a impossibilidade material de o cidadão adquirir quaisquer meios terapêuticos para prolongar sua vida, deverá o Poder Público providenciar tais instrumentos, porquanto se trata de direito fundamental emanado de norma constitucional autoaplicável, e, como tal, independe de regulamentação.
O Supremo Tribunal Federal, sobre o tema, assim se manifestou:
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MEDICAMENTO. FORNECIMENTO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015." (RE 953711 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 16/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 30-09-2016 PUBLIC 03-10-2016).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS PELO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE. MATÉRIA EXAMINADA POR ESTE SUPREMO TRIBUNAL NA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL (RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 855.178-RG, TEMA N. 793). VERBA HONORÁRIA MAJORADA EM 1%, PERCENTUAL O QUAL SE SOMA AO FIXADO NA ORIGEM, OBEDECIDOS OS LIMITES DO ART. 85, § 2º, § 3º E § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015, COM A RESSALVA DE EVENTUAL CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA, E MULTA APLICADA NO PERCENTUAL DE 1%, CONFORME ART. 1.021, § 4º...
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