Acórdão Nº 08004622420198205110 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 11-07-2023

Data de Julgamento11 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08004622420198205110
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800462-24.2019.8.20.5110
Polo ativo
BANCO SANTANDER
Advogado(s): JOAO THOMAZ PRAZERES GONDIM
Polo passivo
EDNAJARA ALVES JANUARIO
Advogado(s): ANDRESA TERESINHA DUARTE DE ANDRADE, DAIONARA CARLA DA SILVA

RECURSO INOMINADO CÍVEL N.º: 0800462-24.2019.8.20.5110

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE ALEXANDRIA

RECORRENTE: BANCO SANTANDER

ADVOGADO(A): JOAO THOMAZ PRAZERES GONDIM

RECORRIDO(A): EDNAJARA ALVES JANUARIO

ADVOGADO(A): ANDRESA TERESINHA DUARTE DE ANDRADE

RELATORA: JUÍZA SABRINA SMITH CHAVES

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO. COBRANÇA DE ANUIDADE. DESBLOQUEIO NÃO COMPROVADO. DEFEITO RELATIVO À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. PREVISÃO DO ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SÚMULA 39 DA TUJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, em razão do provimento parcial do recurso.

Natal, 03 de julho de 2023

Sabrina Smith Chaves

Juíza Relatora

RELATÓRIO

Sentença proferida pelo Juiz ITALO LOPES GONDIM, cujo Relatório se adota:

Dispensado o relatório, a teor do art. 38 da Lei nº 9.099/95.

Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer c/c Desconstituição de Dívida e Indenização por Danos Morais, com pedido liminar, ajuizada por Ednajara Alves Januário, em face de Banco Santander S/A, todos qualificados.

Em síntese, alega a autora que é correntista no banco demandado e foi surpreendida ao receber em sua residência um cartão na modalidade crédito, sem que nunca o tenha solicitado.

Segue dizendo que nunca chegou a desbloquear o cartão, uma vez que não tinha intenção de usá-lo. No entanto, passou a receber faturas com cobrança de valor referente à anuidade do cartão, embora este nunca tenha sido usado ou sequer desbloqueado.

Requereu medida liminar para determinar a suspensão das cobranças e, ao fim, a procedência do pedido para desconstituir os débitos cobrados e condenar a demandada ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$ 7.820,60 (sete mil oitocentos e vinte reais e sessenta centavos).

O banco demandado apresentou contestação requerendo a extinção do feito, haja vista o comprovante de residência juntado à inicial não estar em nome da autora. No mérito, requereu a improcedência dos pedidos, sustentando a legitimidade das cobranças de anuidade.

O pedido de tutela antecipada foi indeferido (id 51319165).

De início, rejeito a preliminar de incompetência territorial, uma vez que os documentos colacionados à inicial demonstram que a autora reside nesta cidade de Alexandria/RN, não tendo a ré trazido nenhum documento que demonstre realidade diversa.

Ressalto, por oportuno, que as próprias cobranças efetuadas pelo banco demandado são enviadas a endereço desta urbe, razão pela qual afasto a preliminar arguida.

Presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo e atendidas as condições da ação, não havendo outras questões preliminares a analisar, passa-se ao exame do mérito.

É inegável tratar-se de relação consumerista, aplicando-se o disposto no Código de Defesa do Consumidor à lide, notadamente porque está pacificado no âmbito do STJ a aplicação do CDC instituições financeiras, consoante dispõe a Súmula nº 297.

No que se refere ao envio de cartão de crédito sem solicitação do consumidor, a Corte Especial do STJ aprovou a súmula 532, para estabelecer que "constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa."

Extrai-se dos autos que a parte autora recebeu, em sua casa, cartão de crédito não solicitado, o qual ainda se encontra bloqueado (id 45433821). Embora o banco afirme que o cartão foi solicitado pela autora, não trouxe aos autos nenhum documento que comprove as suas alegações.

O artigo 373, II, do Código de Processo Civil prescreve que compete ao réu fazer prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Além disso, em se tratando de relação de consumo, um dos direitos básicos do consumidor conferido pelo art. 6º do CDC, especificamente no seu inciso VIII, consiste na "inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente".

Assim, competia à empresa demandada o ônus de comprovar suas alegações, trazendo aos autos elementos capazes de demonstrar que efetivamente existiu solicitação do cartão pela autora, o que não fez.

A parte ré, portanto, não se desincumbiu de seu ônus probatório, deixando de produzir documentos aptos a impedir, modificar ou extinguir o direito da parte autora (art. 373, II do CPC).

Ausente prova documental, não houve demonstração de exercício regular de direito. Por consequência lógica, ressoa indevida qualquer cobrança referente a serviços não solicitados e não contratados pela consumidora, devendo ser analisada a ocorrência ou não de danos morais.

A propósito do dano moral, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que a responsabilidade do agente decorre da comprovação do ato ilícito, sendo desnecessária a comprovação do dano em si. Mas esse entendimento não diz respeito a qualquer ato ilícito, esse ato tem que ser objetivamente capaz de acarretar a dor, o sofrimento, a lesão aos sentimentos íntimos, juridicamente protegidos.

Ou seja, para se presumir o dano moral pela simples comprovação do fato, esse fato tem que ter a capacidade de causar dano, o que se apura por um juízo de experiência. Daí porque é presumido o dano moral em casos de inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito, ou de recusa indevida de cobertura por plano de saúde.

No caso, o envio de cartão de crédito não solicitado é conduta considerada pelo Código de Defesa do Consumidor como prática abusiva (art. 39, III). Esse fato, acompanhado de cobranças indevidas pela manutenção do cartão, ultrapassam o mero aborrecimento cotidiano.

No mesmo sentido é o entendimento dos tribunais pátrios:

ENVIO DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO PELO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS OCORRENTES. 1. O envio de cartão de crédito não solicitado pelo consumidor gera abalo moral indenizável, que decorre da própria ilicitude da conduta e, também, não pode ser considerada elevada bastante a configurar enriquecimento sem causa da parte autora. 3. Juros de mora de 1% ao mês incidentes a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ). RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível nº 70073394215, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 30.08.2017)”.

DIREITO DO CONSUMIDOR. COBRANÇA DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO PELA CONSUMIDORA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RÉU NÃO APRESENTOU CONTRATO. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. DEVOLUÇÃO DEVIDA NA FORMA SIMPLES. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Número do Processo: 80002417120188050168, Relator: Paulo César Bandeira de Melo Jorge, 6ª Turma Recursal, Publicado em: 27.03.2019)”.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:

"[...] 1. O envio de cartão de crédito sem solicitação prévia configura prática comercial abusiva, dando ensejo à responsabilização civil por dano moral. Precedentes. 2. A ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque o dano, nessa hipótese, é presumido. 3. Restabelecido o quantum indenizatório fixado na sentença, por mostrar-se adequado e conforme os parâmetros estabelecidos pelo STJ para casos semelhantes. [...]". STJ – AgAREsp 275047 RJ, Rel. Ministra MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, Julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014.

Vislumbrada, pois, a existência do dever de indenizar, resta analisar a questão relacionada com o quantum indenizatório.

O valor deve ser proporcional ao abalo sofrido, mediante quantia razoável, que leve em conta a necessidade de satisfazer o constrangimento, angústia e aborrecimento causado à vítima e a desencorajar a reincidência do autor do ato lesivo.

O quantum deve ser arbitrado de forma prudente e moderada, de modo que não provoque o enriquecimento sem causa da vítima, mas também que não seja tão irrisório a ponto de não provocar o efeito de desestimular a reiteração da conduta ilícita.

Por estas razões e de acordo com as circunstâncias do caso em tela, considerando que não houve cobrança vexatória, razoável se afigura a fixação do valor do dano moral em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que não é ínfimo e nem exagerado, motivo pelo qual reputa-se razoável.

DISPOSITIVO.

Diante de todas as razões acima esposadas, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido autoral para:

a) DETERMINAR a baixa de débitos em nome da parte autora relativo ao cartão de crédito nº 5447 3183 9201 8558;

b) CONDENAR o demandado a pagar a parte autora indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com correção monetária pelo INPC a contar da publicação desta sentença (Súmula 362, STJ), e juros de 1% ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54, STJ). Sem custas nem honorários, ex vi dos arts. 54-55 da Lei nº 9.099/95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

ALEXANDRIA /RN, 20 de maio de 2020.

ITALO LOPES GONDIM

Juiz(a) de Direito

(documento assinado digitalmente na forma da Lei...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT