Acórdão Nº 08004700520198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 13-06-2019

Data de Julgamento13 Junho 2019
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08004700520198200000
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0800470-05.2019.8.20.0000
AGRAVANTE: UNIMED NATAL
Advogado(s): ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA
AGRAVADO: KALYANNE CABRAL DE PAULA
Advogado(s): KELLCILENE CABRAL DE PAULA

Agravo de Instrumento nº 0800470-05.2019.8.20.0000

Agravante: Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico

Advogado: Antônio Eduardo Gonçalves de Rueda

Agravada: Kalyanne Cabral de Paula do Ó

Advogada: Kellcilene Cabral de Paula

Relatora: Desembargadora Maria Zeneide Bezerra

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INCLUSIVA DE PROFISSIONAL DA MEDICINA EM COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. REFORMA INVIÁVEL. DESNECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO PARA INGRESSO NA INSTITUIÇÃO, DE LIVRE ADESÃO (PRINCÍPIO DA PORTA ABERTA), EXCETO SE COMPROVADA IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA DO SERVIÇO, REALIDADE NÃO EVIDENCIADA NO CASO. MÉDICA QUE COMPROVOU CAPACITADA AO PLENO EXERCÍCIO DA NOBRE PROFISSÃO. VALOR DA QUOTA-PARTE. NECESSÁRIA COMPLEMENTAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, RESTANDO PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO POSTERIORMENTE INTERPOSTO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, sem manifestação ministerial, conhecer e dar parcial provimento ao agravo de instrumento da Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico, para que seja complementado o valor da quota-parte devido pela recorrida, nos termos do voto da relatora, restando prejudicado o agravo interno interposto pela referida empresa.

RELATÓRIO

Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico, qualificada nos autos, interpôs Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo (Id 2749720) em face de tutela provisória (Id 2749731, pp. 37/41) que determinou a inclusão de Kalyanne Cabral de Paula do Ó no quadro de médicos cooperados, especificamente na especialidade de nefrologia.

Sustentou (Id 2749720) equivocado o decisum porque ausente a probabilidade do direito, eis não preenchidos os requisitos legais à admissão da agravada na sociedade, quais sejam: 1) prévia aferição sobre a possibilidade técnica da prestação dos serviços; 2) existência de vagas na especialidade; 3) submissão a processo seletivo; 4) integralização da quota-parte em sua totalidade (integralizou R$ 36.000,00, quando o certo seria R$ 80.000,00).

Ressaltou configurado o periculum in mora reverso, pois a manutenção da decisão recorrida “traz prejuízos incalculáveis, não somente a Operadora, mas a todos os cooperados que acabam por ser prejudicados, pois ocorre um desequilíbrio contratual, diante do aumento considerável da oferta de serviço”.

Diante disso, requereu a reforma da decisão vergastada, com consequente condenação da agravada à indenização daí decorrente, ou, em não sendo acolhida tal pretensão, ao menos seja determinada a complementação da quota-parte por ela devida.

O Desembargador Amílcar Maia, jurisdicionando em minha substituição, indeferiu o pedido de suspensividade (Id 2759469), havendo a recorrente interposto agravo interno (Id 2847561) almejando a sua reforma.

Contrarrazões do recurso instrumental (Id 2847136) rebatendo os argumentos adversos, inclusive com dados estatísticos sobre a prestação do serviço da operadora de saúde, e requerendo a manutenção da decisão vergastada.

O Ministério Público absteve-se de opinar (Id 3242259).

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

A Política Nacional de Cooperativismo e a instituição do regime jurídico das sociedades cooperativas são definidas pela Lei Federal nº 5.764/71, que adota o princípio da livre adesão (ou da porta aberta), segundo o qual, toda pessoa pode nelas ingressar ou se desligar, sem qualquer limitação, conforme destaco:

Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:

I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;

Logo, o ingresso de novos cooperados deve ocorrer consoante as disposições estatutárias, não sendo possível a aplicação de juízos discricionários, e eventual recusa ao ingresso deve ser feita de acordo com as hipóteses legais, aferidas restritivamente.

Assim, é de bom alvitre ressaltar que a Lei de regência somente permite a limitação do número de seus associados quando evidenciada a impossibilidade técnica de prestação dos serviços dos futuros associados, não sendo suficiente a justificativa de inconveniência que o ingresso possa resultar aos que já integram o quadro de cooperados.

Cito julgados do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. INGRESSO NO QUADRO. RECUSA PELA EXIGÊNCIA DE CURSO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LIVRE ADESÃO. ART. 4º, I, DA LEI N. 5.764/71. IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA NÃO CARACTERIZADA. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. O Tribunal de Justiça, ao analisar a situação fática dos autos, concluiu pela ilegalidade da exigência do aludido certificado de conclusão de curso ministrado pela Unimed Campinas.

2. Nesse contexto, a jurisprudência desta Corte destaca o princípio da ‘porta-aberta’, consectário do princípio da livre adesão, segundo o qual não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novos membros nas cooperativas.

3. Dessa forma, a conclusão alcançada pelo acórdão recorrido está alinhada à jurisprudência deste Tribunal Superior, incidindo, no ponto, a Súmula 83/STJ.

4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 767.502/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 04/02/2016)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (UNIMED). INGRESSO DE NOVO ASSOCIADO. RECUSA. EXIGÊNCIA DE APROVAÇÃO EM PROCESSO SELETIVO E REALIZAÇÃO DE CURSO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PORTA ABERTA (LIVRE ADESÃO).

1. O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade sendo, em regra, ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços (arts. 4º, I, e 29 da Lei nº 5.764/1971). Incidência do princípio da livre adesão voluntária.

2. Pelo princípio da porta-aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa, devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa.

3. Agravo regimental não provido.” (AgRg nos EDcl no AREsp 667.072/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 10/03/2016)

No presente caso, a agravada demonstrou que concluiu residência médica na especialidade de nefrologia (Id 2749728, p. 37), além de constar no curriculum vitae informação de que logrou êxito em 4 (quatro) concursos públicos (idem, p. 53) para provimento de cargo de médico, sendo 2 (dois) municipais e 2 (dois) estaduais, em um deles aprovada em 1º (primeiro) lugar, pelo que está absolutamente apta a integrar os quadros da referida Cooperativa, ora recorrente, porquanto preenche o requisito técnico exigido para prestação de serviços nesta área da medicina.

Ressalto não restar dúvida ser ônus da recorrente provar a “impossibilidade técnica de prestação de serviços” pelo profissional requerente, única exceção que seria capaz de obstar o ingresso de novos profissionais à Cooperativa. Contudo, tal prova, até o momento, não foi produzida.

É de bom alvitre enfatizar, ainda, que inexiste perigo de irreversibilidade do provimento de natureza antecipatória na forma como deferido em primeiro grau, vez que, caso posteriormente seja comprovado por parte da agravante a suposta incapacidade técnica da agravada no tocante à prestação de seus serviços, existe a previsão estatutária de revogação do credenciamento.

Ressalte-se, ainda, que o ingresso da recorrida não irá causar prejuízos à Cooperativa, bem como aos demais médicos cooperados que a integram, observado o considerável número de conveniados (atualmente, mais de 155 mil só na Unimed Natal - Id 2847196, p. 2).

Sobre a matéria, colaciono precedentes das 3 (três) Câmaras Cíveis desta CORTE POTIGUAR:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. COOPERATIVA MÉDICA. DIREITO DE INGRESSO DE MÉDICO EM COOPERATIVA DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. LEI FEDERAL Nº 5.764/71 – ART. 4, INCISO I E ART. 29. RECUSA INJUSTIFICADA DO PLANO. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU QUE A UNIMED NATAL ADMITA O INGRESSO DO MÉDICO, ORA AGRAVADO, EM SEUS QUADROS. DIREITO DE INGRESSO DE MÉDICOS EM COOPERATIVA DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. LEI FEDERAL N. 5.764/71. RECUSA DO PLANO. PRINCÍPIO DA PORTA ABERTA. LIMITAÇÃO DE ASSOCIADOS QUE SÓ PODE OCORRER EM VIRTUDE DE COMPROVAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA. AGRAVADO QUE PREENCHE TODOS OS REQUISITOS EXIGIDOS PELO ESTATUTO SOCIAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (AI 2017.020611-6, relator desembargador Amílcar Maia, 3ª C. Cív., j. 30/10/2018)

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA. INGRESSO DE MÉDICO EM COOPERATIVA DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. RECUSA DO PLANO DE SAÚDE. PRINCÍPIO DA PORTA ABERTA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSCRIÇÃO EM PROCESSO SELETIVO PARA AFERIR SE HÁ OU NÃO A IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DAS CÂMARAS CÍVEIS DESTA CORTE DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO DO...

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