Acórdão Nº 08004913420208205112 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 18-11-2020

Data de Julgamento18 Novembro 2020
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08004913420208205112
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800491-34.2020.8.20.5112
Polo ativo
ROSA NUNES DE FREITAS
Advogado(s): BRUNO RAFAEL ALBUQUERQUE MELO GOMES
Polo passivo
BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. e outros
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

PODER JUDICIÁRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL


RECURSO CÍVEL Nº 0800491-34.2020.8.20.5112

RECORRENTE: ROSA NUNES DE FREITAS

ADVOGADO: DR. BRUNO RAFAEL ALBUQUERQUE MELO GOMES

RECORRIDO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

ADVOGADO: DR. ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO

RELATORA: JUÍZA SANDRA ELALI

EMENTA: CONSUMIDOR. NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DO CONSENTIMENTO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, PREVISTO NA LEI Nº 10.820/2003. CONTRATANTE ANALFABETA. CONDIÇÃO QUE NÃO RETIRA DA PESSOA A CAPACIDADE CONTRATUAL, IMPONDO, CONTUDO, A OBSERVÂNCIA AOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. INSTRUMENTO CONTRATUAL DO QUAL CONSTAM A APOSIÇÃO DA IMPRESSÃO DIGITAL DA CONTRATANTE, A ASSINATURA A ROGO E AS ASSINATURAS DE DUAS TESTEMUNHAS. CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, COM AUTORIZAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE DESCONTOS MENSAIS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DEVIDAMENTE PROVADA. PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO DO VALOR. CONTRATANTE QUE PODE EXERCER A SUA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE POR QUAISQUER MEIOS ADMITIDOS EM DIREITO, NÃO SENDO NECESSÁRIA A UTILIZAÇÃO DE PROCURAÇÃO PÚBLICA PARA A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE VÍCIO. INOCORRÊNCIA DE FALHAS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora. Condenação em custas processuais e honorários advocatícios, ficando suspensa a exigibilidade em face do disposto no art. 98, § 3º, do Código Civil.

RELATÓRIO



Trata-se de recurso interposto por ROSA NUNES DE FREITAS, já qualificada, contra a sentença que julgou improcedentes os seus pedidos contidos na "Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Repetição do Indébito e Reparação por Danos Morais", movida em desfavor do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

Nas razões do recurso, a parte recorrente requereu os benefícios da gratuidade da justiça e sustentou a nulidade do contrato, tendo em vista a necessidade de instrumento público por tratar-se de consumidor analfabeto, nos termos do art. 104, inciso I, c/c o art. 595, ambos do Código Civil, aduzindo que tal formalidade é ônus do fornecedor do produto ou serviço.

Destacou que o art. 166, inciso IV, do Código Civil, prevê que é nulo o negócio jurídico quando não se revestir da forma prescrita em lei, invocando o art. 37 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) e a Instrução Normativa do INSS nº 28/2008.

Afirmou não ter se beneficiado de valores depositados em sua conta e que inexiste nos autos informação a esse respeito. E requereu a reforma da sentença para que o recorrido seja condenado a lhe pagar indenizações por danos materiais e morais e a lhe restituir, em dobro, os valores que lhe foram descontados, nos termos do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor.

Nas suas contrarrazões, a parte recorrida alegou que houve regularidade na contratação, tendo em vista que o contrato juntado aos autos obedeceu às formalidades legais, está instruído com cópias dos documentos pessoais da recorrente, tendo sido emitida ordem bancária para que o valor do empréstimo fosse disponibilizado em conta de titularidade da parte recorrente.

Aduziu que não houve nenhum abalo moral apto a gerar danos morais uma vez que a parte recorrente não comprovou os danos sofridos e que, por outro lado, não há dano a ser restituído, diante de não ter havido ato ilícito, não tendo sido preenchidos os requisitos previstos no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.

Afinal, requereu a manutenção da sentença recorrida pelos seus próprios fundamentos.

É o relatório.

VOTO



Inicialmente, defiro o pedido de gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98, § 1º, inciso VIII, e 90, § 7º, todos do Código de Processo Civil.


Por oportuno, registro que a gratuidade da justiça é corolário do princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República. E o colendo Supremo Tribuna Federal já consolidou o entendimento de que, para a obtenção da justiça, é prescindível a declaração formal de hipossuficiência, tendo em vista que a simples alegação do interessado de que não dispõe de recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas processuais é suficiente para comprová-la.


Ademais, há de se observar que, para a concessão do benefício, não se exige o estado de penúria ou de miserabilidade, mas tão somente a pobreza na acepção jurídica do termo, a carência de recursos suficientes para suportar o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, não se admitindo que as custas processuais constituam óbice ao direito de ação, nem ao acesso ao Judiciário. Afinal, somente se admite o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça na hipótese prevista no art. 99, § 2º do Código de Processo Civil.



Feitos esses registros, observo que estão Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso, dele conheço. Com efeito, evidencia-se o cabimento do recurso, a legitimação para recorrer, o interesse recursal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, bem como a tempestividade e a regularidade formal.


Pelo exame dos autos verifica-se que se impõe o desprovimento do recurso. É que questões postas foram bem analisadas na sentença recorrida, da qual consta o seguinte:


[…] Quanto à situação fática não há divergência. A parte autora alega irregularidade na celebração do contrato em razão de ser analfabeta e, como consequência, requer a declaração de nulidade com a restituição em dobro dos valores descontados e condenação da demandada na obrigação de pagar danos morais.

Quanto às provas, está provado que a parte autora é analfabeta. Inclusive a procuração passada ao advogado foi assinada a rogo. No(s) ID(s) 58552620 foi juntado(s) o(s) contrato(s) de empréstimo(s) consignado(s) com assinatura mediante aposição da digital e acompanhada de duas testemunhas. Por sua vez, no(s) ID(s) 58552623 foi juntado(s) o(s) comprovante(s) de pagamento a qual aponta que o dinheiro foi transferido para a conta da parte autora. Não há controvérsia a respeito.

A única discussão diz respeito à validade do negócio jurídico e as consequências decorrentes.

Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado tem previsão na Lei n. 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores, a qual foi regulamentada pelo INSS por meio da Instrução Normativa n. 28, de 16 de maio de 2008 (publicada no DOU de 19/05/2008).

Quanto aos contratos de empréstimos consignados, este juízo fixou entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.

Essa interpretação inicial decorreu da antiga leitura do art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 que diz que as pessoas que não sabem ou não podem assinar deve fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo ser colhida a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo.

A partir do artigo acima e da leitura conjunta do art. 104, III c/c art. 166, IV, ambos do Código Civil, em razão do não atendimento do requisito de validade do negócio (forma prescrita ou não defesa em lei), este juízo declarava a nulidade do negócio jurídico.

Por conta de tal entendimento, que era encampado pelas Turmas Recursais este juizado passou a ser o mais demandado do Estado do Rio Grande do Norte por uma enxurrada ações temerárias. Tem-se notícia ate de que alguns escritórios de advocacia estariam recomendando que analfabetos celebrassem contratos de empréstimos para que depois consigam anulação e ainda ganhassem um “extra” por conta das indenizações. Uma pena que o Poder Judiciário tenha sido utilizado indevidamente para coes como essa. Fato é que este juizado especial hoje possui a maior entrada processual do Estado, tudo por conta desse tipo de ação.

Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.

Primeiro porque o art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 está inserido no capítulo II (Da Escrituração e Ordem de Serviço) do Título II que trata do Registro de Pessoas Naturais. Como se sabe, a Lei n. 6.015/73 dispõe sobre os registros públicos. Ademais, o que o art. 37 determina é que, quando a parte não souber assinar, será coletada assinatura a rogo. No entanto, essa exigência é para os contratos de natureza pública, o que não é o caso do contrato de empréstimo consignado. Não subsiste razão para aplicação subsidiária do art. 37 da Lei n. 6.015/73 a esse tipo de contrato que possui normatização específica na Lei n. 10.820/2003 e na IN n. 28/2008. Senão vejamos.

Conforme se extra do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no sentido de que a autorização para a consignação do empréstimo e a celebração do contrato por analfabeto se dê mediante escritura pública. Pelo contrário, a IN autoriza inclusive que a...

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