Acórdão Nº 08005032420218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 05-08-2021

Data de Julgamento05 Agosto 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08005032420218200000
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0800503-24.2021.8.20.0000
Polo ativo
UNIMED NATAL
Advogado(s): MURILO MARIZ DE FARIA NETO
Polo passivo
JOAO MATHEUS CARVALHO DE OLIVEIRA
Advogado(s): HELAINE FERREIRA ARANTES, WANESSA FERREIRA RODRIGUES

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. TRATAMENTO SAÚDE. CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM PARALISIA CEREBRAL. TRATAMENTO PRESCRITO PELA MÉDICA ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA AO ARGUMENTO DE QUE OS SERVIÇOS POSTULADOS NÃO CONSTAM DO ROL ANS. RECUSA INDEVIDA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 16ª Procuradoria de Justiça, conhecer e negar provimento ao agravo de instrumento, tudo nos termos do voto da Relatora, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela Unimed Natal - Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico, em face de decisão proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Ação Ordinária nº 0873507-63.2020.5001 ajuizada por J. M. C. de O., representado por sua genitora Cláudia Adriane Carvalho da Silva, deferiu o pedido de justiça gratuita e, parcialmente, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela “[...] para determinar que a promovida, no prazo máximo de 5 dias, autorize e/ou custeie as terapias recomendadas pelo médico assistente, conforme laudo médico de ID nº 63631662, com equipe especializada, com formação comprovada, desconsiderando, no entanto, a prescrição da órtese, andador e Kinesio Taping.” Para resguardar a efetivação da medida, impôs à parte ré o pagamento de uma multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), por dia de descumprimento da presente decisão, limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Nas razões recursais, a agravante alega que o fato de haver um contrato entre as partes não quer dizer que todo e qualquer serviço de saúde pode ser repassado à operadora.

Informa que “quando a decisão presume que a recomendação médica é suficiente para forçar a cobertura pelo plano, então, automaticamente culmina ônus de cobertura a esta operadora, caminhando em elevada injustiça vez que trata o contrato como se fosse um instrumento garantidor de cobertura irrestrita”.

Sustenta que o caráter privado do contrato não deixa de fazer com que a criança tenha seu tratamento disponibilizado e que a cobertura de algo fora do rol é excluído pelo art. 10 da Lei nº 9.656/98.

Argumenta que os métodos em baliza distanciam-se demasiadamente de um dever previsto em contrato.

Ressalta que a integração sensorial é uma abordagem inerente a qualquer terapeuta ocupacional, não consistindo em um método.

Ao final, pugna pela concessão do efeito suspensivo ao presente Agravo de Instrumento. No mérito, pede o provimento do recurso para reformar a decisão agravada, “[...] no sentido de reconhecer a inexistência dos requisitos autorizadores da medida antecipatória de tutela, afastando o dever imposto na liminar deferida em face do plano de saúde.”

Pedido de efeito suspensivo deferido (Id 8497778).

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id 8690745).

A 16ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Id 8883029).

Concluso o feito ao gabinete de origem, o então Relator, Desembargador João Rebouças declarou-se impedido para atuar nestes autos (Id 8905721), o que ensejou a redistribuição deste recurso a este gabinete.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

De acordo com o caderno processual, o agravado foi diagnosticado com paralisia cerebral (CID G.80), tendo a médica assistente que o acompanha prescrito acompanhamento multidisciplinar intensivo com os seguintes tratamentos: (1) Fisioterapia Neuromotora Intensiva pelo Método Treini; (2) Protocolo PediaSuit; (3) Integração Sensorial; (4) Conceito Neuroevolutivo Bobath; (5) Estimulação Elétrica Transcraniana –TDSC/Neuromodulação; (6) Cuevas Medek; (7) KnesioTaping; (8) Terapia Ocupacional; (9) ÓrtesesSuropodálicas; (10) Andador adaptado.”

Na decisão recorrida, o magistrado de primeiro grau, após conceder a gratuidade judiciária ao autor, “deferiu parcialmente o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar que a promovida, no prazo máximo de 5 dias, autorize e/ou custeie as terapias recomendadas pelo médico assistente, conforme laudo médico de Id nº 63631662, desconsiderando, no entanto, a prescrição da equipe especializada, com formação comprovada, da órtese, andador e Kinesio Taping, sendo estes indeferidos. Para resguardar a efetivação da medida, impôs à parte ré o pagamento de uma multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), por dia de descumprimento da presente decisão. Fixou para a multa um teto de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).”

Com a concessão da tutela de urgência na origem, a UNIMED recorre, questionando a exclusão contratual e ausência de previsão no mencionado rol da ANS.

É incontroverso que o usuário necessita do tratamento indicado, já que solicitado pela médica assistente. O Poder Judiciário pode até negar pretensões neste sentido, a depender das peculiaridades do caso concreto, mas não possui elementos para contrariar as conclusões do profissional de saúde.

Nesse rumo, laborou com acerto o juízo de primeiro grau, eis que, a conduta da ré, ora agravante, em recusar o custeio do tratamento prescrito pelo profissional de saúde, é abusiva, especialmente porque não é dada a Cooperativa Médica a escolha do tratamento da patologia, cabendo tal escolha ao profissional de saúde, notadamente por meio de métodos mais eficientes, o que deve se sobrepor as demais questões, pois que o bem envolvido no contrato celebrado entre as partes é a saúde e a vida.

Como sabido, os contratos de planos de saúde, além de serem classificados como contratos de consumo, são também contratos de adesão. Por conseguinte, a interpretação de suas cláusulas contratuais segue as regras especiais de interpretação dos contratos de adesão ou dos negócios jurídicos estandardizados. Nesse rumo, diante da existência de dúvidas, imprecisões ou ambiguidades no conteúdo de um negócio jurídico, deve-se interpretar as suas cláusulas do modo mais favorável ao aderente.

Quanto à alegação de que houve mudança de entendimento no STJ acerca da natureza do rol de procedimentos da ANS, não desconheço que a Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp 1733013/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020, assentou que “é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas”.

Todavia, adoto o entendimento da Terceira Turma do STJ que continua firme na jurisprudência tradicional da Corte, ou seja, a de que o rol é exemplificativo, consoante mais recente julgado desse Colegiado sobre a matéria:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CIVIL (CPC/2015). CIVIL. PLANO DE SAÚDE NA MODALIDADE AUTOGESTÃO. RECUSA DE COBERTURA DE CIRURGIA PARA TRATAMENTO DE DEGENERAÇÃO DA ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR (ATM). DIVERGÊNCIA QUANTO À ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO. INGERÊNCIA NA RELAÇÃO CIRURGIÃO-PACIENTE. DESCABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DESTA TURMA. APLICABILIDADE ÀS OPERADORAS DE AUTOGESTÃO. PRECEDENTE EM SENTIDO CONTRÁRIO NA QUARTA TURMA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA TURMA.

1. Controvérsia acerca da recusa de cobertura de cirurgia para tratamento de degeneração da articulação temporomandibular (ATM), pelo método proposto pelo cirurgião assistente, em paciente que já se submeteu a cirurgia anteriormente, por outro método, sem obter êxito definitivo.

2. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Turma, o rol de procedimentos mínimos da ANS é meramente exemplificativo, não obstando a que o médico assistente prescreva, fundamentadamente, procedimento ali não previsto, desde que seja necessário ao tratamento de doença coberta pelo plano de saúde. Aplicação do princípio da função social do contrato.

3. Caso concreto em que a necessidade de se adotar procedimento não previsto no rol da ANS encontra-se justificada, devido ao fato de o paciente já ter se submetido a tratamento por outro método e não ter alcançado êxito.

4. Aplicação do entendimento descrito no item 2, supra, às entidades de autogestão, uma vez que estas, embora não sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor, não escapam ao dever de atender à função social do contrato.

5. Existência de precedente recente da QUARTA TURMA no sentido de que seria legítima a recusa de cobertura com base no rol de procedimentos mínimos da ANS.

6. Reafirmação da jurisprudência desta TURMA no sentido do caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos.

7. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STJ, AgInt no REsp 1829583/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 26/06/2020). [destaques acrescidos]

A propósito do tema, já existe pronunciamento nas três câmaras cíveis deste Tribunal e Justiça, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. DIREITO À SAÚDE. RECUSA DA OPERADORA EM AUTORIZAR AVALIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO EM PSICOPEDAGOGIA PARA PACIENTES COM TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA CONFORME PRESCRITO PELO MÉDICO. TRATAMENTO COMPLEMENTAR INERENTE A CONDIÇÃO DO PACIENTE. DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA...

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