Acórdão Nº 08005335020208205123 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 18-07-2023

Data de Julgamento18 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08005335020208205123
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800533-50.2020.8.20.5123
Polo ativo
DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRANSITO DO RIO GRANDE DO NORTE - DETRAN/RN e outros
Advogado(s):
Polo passivo
MISAEL DE SENA DANTAS
Advogado(s): MARCONI LEAL EULALIO

Recurso Inominado Cível 0800533-50.2020.8.20.5123

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, CRIMINAL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PARELHAS

RECORRENTE: DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DO RIO GRANDE DO NORTE

ADVOGADO: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RECORRIDO: MISAEL DE SENA DANTAS

ADVOGADO: MARCONI LEAL EULALIO (OABRN Nº 593)

JUÍZA RELATORA: SABRINA SMITH CHAVES

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. TRÂNSITO. AÇÃO ANULATÓRIA C/C TUTELA DE URGÊNCIA. LEI SECA. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO ADULTERADO. NULIDADE DO AIT. MULTA CANCELADA. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo incólume a sentença atacada, de acordo com o voto da Relatora. Condenação em honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Sem condenação em custas processuais, tendo em vista o disposto no art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.278/2009.

Natal, 04 de julho de 2023.


Sabrina Smith Chaves

Juíza Relatora

RELATÓRIO

Sentença que se adota, proferida pelo magistrado SILMAR LIMA CARVALHO:


Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei n. 9. 099/95.

Passo a decidir.

Trata-se de ação anulatória na qual a parte autora objetiva a anulação do Auto de Infração de Trânsito nº A18326580, lavrado com base no art. 165-A do Código Brasileiro de Trânsito, e de todos os efeitos dele decorrentes, em razão de alegados vícios quanto a sua autuação.

A parte promovida, por sua vez, defendeu ter agido conforme a legislação pátria, tendo aplicado sanção administrativa em exercício regular do poder de polícia, além de que alegações autorais não teriam restado materialmente comprovadas nos autos do presente processo, enquanto que os atos administrativos gozam da presunção de legitimidade e veracidade.

Aduziu, ainda, que o argumento autoral de que a penalidade imposta prescinde da demonstração, pelo agente público, de sinais de embriaguez quando da autuação, não merece guarida, tanto por ser requisito subjetivo que só pode ser demonstrado pelo próprio agente público, tanto pelo fato de o Superior Tribunal de Justiça entender pelo descabimento de comprovação de tal requisito para configurar imposição da penalidade pela infração constante no art. 165 do CTB.

Quanto ao prazo para notificação do autor acerca da autuação, afirmou que o mesmo foi cumprido, não havendo que se falar em decadência do direito de punir do Estado.

Pois bem. Não tendo sido suscitada qualquer preliminar, passo à análise do mérito da ação.

Entendo que o feito se encontra completamente instruído para um idôneo julgamento, haja vista a produção de provas até o momento, considerando que a prova para o deslinde da questão é eminentemente documental, sendo o caso de aplicação do art. 355, I do CPC, que permite o julgamento antecipado do feito.

Analisados os fatos e provas apresentadas, observa-se que o demandante foi autuado através do AIT nº A-18326580, por ter se recusado a se submeter a qualquer dos processos previstos no art. 277 do CTB, enquadrando-se, pois, no art. 165-A do CTB.

Por simples verificação do AIT e do Recibo de Recolhimento de Documentos, que foram juntados pelo autor ao Id. 57314373, bem como colacionados aos autos, posteriormente, pela ré, ao Id. 62858725, constatam-se divergências de informações e rasuras em determinados campos de preenchimento.

No ATI juntado pelo autor se observa ausência de informação quanto ao “Código mun.”; a data da infração consta como sendo 10/01/2020 e; o campo destinado às observações somente informa a quem foi entregue o veículo apreendido. O mesmo documento, quando apresentado pelo réu, no entanto, encontra-se rasurado no campo da data da infração, constando, assim, a data de 11/01/2020; o “Código mun.” foi preenchido; além do que foi acrescida à observação a informação de que “o condutor alegou que havia ingerido 1 lata de cerveja, e disse que não faria o teste.”

Da mesma forma, o Recibo de Recolhimento de Documentos de nº A 055124, apresenta data de 10/01/2020 quando juntado pelo autor, mas data rasurada de 11/01/2020 quando colacionado pelo réu ao id. 62858725.

Diante das divergências e rasuras acima apontadas, resta nítida a fragilidade dos documentos, o que coloca em dúvida a presunção de veracidade das informações neles constantes.

Nesse viés, importa salientar que a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos alega pelo réu é relativa, podendo ser infirmada por prova em contrário. No caso em vertente, foram colacionados dois AIT e dois Recibos de Recolhimento de Documentos que deveriam ser idênticos, mas que apresentam claras diferenças, conforme explicitado mais acima, o que faz cessar a fé do documento público.

A parte autora comprovou cabalmente o preenchimento abusivo do AIT e do Recibo de Recolhimento de Documentos por parte do agente de trânsito, o qual alterou os documentos originais constantes ao id. 57314373, para fazer constar novas datas e informações nos autos, conforme se vislumbra no AIT juntado ao id. 62858725. Assim, assiste razão ao autor quando requer a declaração judicial de falsidade dos documentos respectivos, em consonância com a disposição dos arts. 427, parágrafo único, II e 429, II, ambos do CPC.

Noutro viés, tem-se que o auto de infração deve estar preenchido conforme o art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro, além da portaria 59/07 do DENATRAN e do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, o que claramente não ocorreu. Senão vejamos.

A respeito da autuação, a resolução 561 do Contran, que aprova o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, expõe no item 7:

7. AUTUAÇÃO

Autuação é ato administrativo da Autoridade de Trânsito ou de seus agentes quando da constatação do cometimento de infração de trânsito, devendo ser formalizado por meio da lavratura do AIT.

O AIT é peça informativa que subsidia a Autoridade de Trânsito na aplicação das penalidades e sua consistência está na perfeita caracterização da infração, devendo ser preenchido de acordo com as disposições contidas no artigo 280 do CTB e demais normas regulamentares, com registro dos fatos que fundamentaram sua lavratura.

O AIT não poderá conter rasura, emenda, uso de corretivo, ou qualquer tipo de adulteração. O seu preenchimento se dará com letra legível, preferencialmente, com caneta esferográfica de tinta azul. (Destaquei)

Certo é que as rasuras e acréscimo posterior de informações ferem a moralidade administrativa, que recomenda aos agentes públicos atuarem com zelo e isenção nos atos administrativos.

Quanto à data da infração, tem-se como dado obrigatório do AIT, conforme o art. 280, inciso II, do CTB, o anexo I da Portaria 59/2007 do Denatran e a Resolução 390/11 do Contran.

Ademais, a Resolução 432/2013 do Contran, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes na fiscalização do consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, determina que quando o condutor se negar a realizar o teste do bafômetro, surge para o agente de trânsito a obrigatoriedade de verificar outros fatores que evidenciem o consumo de substâncias que contenham álcool ou psicoativos, os quais deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar o auto de infração (art. 5º).

Nítido, pois, que ainda que não se entendesse pela falsidade do AIT, os dados rasurados e acrescidos ao mesmo fragilizam a higidez do documento.

Destaque-se, ademais, que uma vez presente erro formal, pelo preenchimento equivocado/irregular do AIT, não há que se analisar o seu mérito, porquanto caracterizada a nulidade do auto, sendo o seu arquivamento o único caminho viável, conforme previsto no art. 281, I, do CTB, abaixo transcrito:

Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.

Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:

I - se considerado inconsistente ou irregular;

Nesse sentido, pontua Julyver Modesto de Araújo:

O art. 281 aponta duas questões fundamentais, para que a multa de trânsito seja imposta pelo órgão ou entidade de transito ou rodoviário, no âmbito de sua circunscrição e de acordo com as suas competências: a primeira diz respeito à formalidade do auto de infração, que deve atender aos requisitos previstos na Portaria do Departamento Nacional de Trânsito n. 59/07; verifica-se que a inconsistência ou irregularidade da autuação deve ser reconhecida, de ofício, pelo dirigente do órgão ou entidade; assim, caso o agente de trânsito, após autuar um infrator, perceber que houve um equívoco no preenchimento ou na análise da conduta flagrada, deverá solicitar à autoridade que seja provido o arquivamento do auto (...)

(CTB Digital. https://www.ctbdigital.com.br/comentario/comentario281. Consulta em 26.07.2021 às 10:30h)

Sob essa ótica, entendo que o Auto de Infração de Trânsito lavrado em desfavor do autor se revela demasiadamente frágil, porquanto repleto de irregularidades, de modo que a parte autora faz jus à sua anulação e das penalidades dele...

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