Acórdão Nº 08005355620208205111 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 29-11-2022

Data de Julgamento29 Novembro 2022
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08005355620208205111
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800535-56.2020.8.20.5111
Polo ativo
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
Advogado(s): LARISSA SENTO SE ROSSI
Polo passivo
TERESINHA AIRES SILVA
Advogado(s): JESSICA MACEDO FILGUEIRA DE FREITAS

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FLAGRANTE DIVERGÊNCIA DE GRAFIA ENTRE A ASSINATURA DO CONTRATO E OS DOCUMENTOS PESSOAIS. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. RELAÇÃO JURÍDICA NÃO COMPROVADA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO CABÍVEL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SEM ALTERAÇÃO. CONHECIDO E DESPROVIDO.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Desembargadores da Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação cível interposta pelo réu em ação indenizatória por danos morais e materiais, em face de sentença prolatada pelo MM Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Angicos, que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, para a) declarar inexistente a relação jurídica entre as partes; b) condenar a instituição financeira à restituir o valor referente ao dobro do montante pago, com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária a partir do mês de fevereiro de 2019; e, c) condenar ao pagamento de R$7.000,00 (sete mil reais) a título de danos morais.

O apelante, em suas razões (Id 16154963), arguiu: I) ter havido cerceamento de defesa pela ausência de audiência de instrução e julgamento; II) necessidade de realização de perícia grafotécnica; III) contrato assinado e supostamente não apreciado; IV) descabimento da repetição em dobro; V) necessidade de abatimento do valor recebido. E, assim, requer o conhecimento e provimento do recurso para que seja declarada a improcedência de todos os pedidos autorais.

Contrarrazões em Id 16154966.

É o relatório.

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se a questão em verificar a regularidade da contratação de empréstimo consignado, nº 589095482, no valor de R$ 433,26 (quatrocentos e trinta e três reais e vinte e seis centavos), em 72 (setenta e duas parcelas de R$ 12,14 (doze reais e quatorze centavos).

De pronto, rejeito a preliminar de suposto cerceamento de defesa suscitado pelo agravante, por não ter sido oportunizado a realização da audiência de instrução e julgamento. Ocorre que, esta lide se revela preponderantemente documental, sendo os documentos acostados suficientes para o seu fim. Ademais, o julgador, como gestor das provas, pode indeferir aquelas que julgarem impertinentes e protelatórias ao deslinde da demanda.

De inicio, entendo que se aplica a legislação consumerista ao caso em comento, vez que as partes se amoldam aos conceitos de consumidor e fornecedor constantes nos artigos e da Lei nº 8.078/90, respectivamente. E, uma vez constatada a verossimilhança da narrativa fática, entendo, por bem, pela inversão do ônus da prova, na forma do art. 6º, VIII, do mesmo diploma legal.

Apenas reforçando o entendimento acima exposado, o Superior Tribunal de Justiça já o pacificou pela edição da Súmula 297.

Compulsando detidamente os autos, vejo que o apelante/réu não logrou êxito em evidenciar a regularidade da contratação, ônus que lhe incumbia pela leitura do art.373, II, do CPC. Ora, a alegação de que o contrato não fora apreciado pelo juiz singular não é bem verdade, o que acontece é que a assinatura do documento em nada converge com as dos documentos pessoais da agravada, pois além do flagrante erro de grafia, visivelmente a caligrafia não coincide.

Nessa esteira, avalio o pedido de perícia grafotécnica que entendo se revelar desnecessária. A uma, intimado a especificar as provas que pretendia produzir, apenas expressou o pedido de audiência de instrução e julgamento, não apontando a necessidade de perícia. A duas, esse meio probatório é utilizado para auferir autenticidade da escrita, quando restam dúvidas, especialmente pela semelhança da grafia, não sendo o caso dos autos.

Avançando, em que pese ter juntado cópia de extrato de TED e detalhamento de crédito, não comprova a relação jurídica entre as partes, ou qualquer contratação de serviços creditícios entre a autora/apelada diretamente com o réu/apelante.

Com isso, diante do ato ilícito, reconheço a responsabilidade civil da instituição bancária para reparar os prejuízos experimentados pela parte autora/segundo apelante/consumidor, a teor do disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Sob a ótica da responsabilidade objetiva, cabe ao banco responder, independentemente de culpa, pelos danos causados ao consumidor. Basta a parte lesada comprovar o defeito/vício no produto ou serviço e o nexo de causalidade entre a atividade da empresa e o dano produzido, para surgir a obrigação de indenizar.

Nesse contexto, a Súmula n.º 479 é perfeitamente aplicável ao caso presente, segundo a qual "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".

Para afastar tal obrigação, em decorrência dos danos causados, é imprescindível que a instituição financeira demonstre satisfatoriamente a ocorrência de alguma das hipóteses elencadas no art. 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor ou a existência de algum caso fortuito externo, o que não foi demonstrado no presente caso.

Considerando a irregularidade da cobrança, deve ser reconhecida a obrigação da instituição financeira em promover a devolução dos valores indevidamente descontados na conta bancária do consumidor lesado.

No tocante à discussão se a repetição dos valores indevidamente adimplidos deve ser na forma simples ou em dobro, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça, ao concluir o julgamento dos Embargos de Divergência 1.413.542, uniformizou o entendimento do tribunal sobre a questão no Tema 929, sedimentando que, mediante cobrança indevida do consumidor, a repetição do indébito em dobro prevista no art. 42 do CDC não carece mais da demonstração da má-fé, mas, apenas, da configuração de conduta contrária a boa-fé, nos termos do aresto que destaco a seguir:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015.

[...]

TESE FINAL 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada. Impõe-se a devolução em dobro do indébito. CONCLUSÃO 31. Embargos de Divergência providos.” (STJ - EREsp: 1413542 RS 2013/0355826-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 21/10/2020, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 30/03/2021) (grifos acrescidos) (grifos acrescidos)

O STJ, afastando a necessidade de comprovação de má-fé, fixou a seguinte tese: “A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.”

Desse modo, verifica-se que a repetição do indébito em dobro se demonstra cabível, independentemente da demonstração de má-fé por parte do fornecedor, desde que consubstanciada cobrança indevida advinda de conduta contrária à boa-fé objetiva, o que se verificou nos autos, uma vez que constatada a irregularidade do empréstimo consignado objeto do litígio.

Nesse desiderato, alinho-me ao novel entendimento jurisprudencial adotado pelo STJ.

No que tange ao dano moral, seu objetivo é compensar um abalo moral experimentado pela vítima, punir o ofensor e desestimular a ocorrência de outros episódios dessa natureza.

No nosso ordenamento jurídico, essa fixação ficou entregue ao prudente arbítrio do juiz, que, levando em conta critérios doutrinários e jurisprudenciais, deve apresentar uma proporcionalidade com a lesão à honra, à moral ou à dignidade do ofendido, atentando, ainda, para as circunstâncias do fato, de maneira que a reparação não se converta em fonte de enriquecimento, nem seja inexpressiva.

Considerando a situação concreta, o valor fixado pelo magistrado de primeiro grau encontra-se dentro da média das quantias arbitradas por esta Corte de Justiça para casos análogos, não havendo que se falar em minoração.

Com isso, não merece reparos a sentença hostilizada.

Pelo exposto, conheço e nego provimento ao apelo. E, via de consequência, majoro os honorários sucumbenciais ao patamar de 12% (doze por cento).

É como voto.

Publique-se.


Diego de Almeida Cabral (Juiz convocado)

Relator

B

Natal/RN, 29 de Novembro de 2022.

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