Acórdão Nº 08005531020208205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal Temporária, 22-06-2021

Data de Julgamento22 Junho 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08005531020208205004
Órgão1ª Turma Recursal Temporária
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800553-10.2020.8.20.5004
Polo ativo
GOL TRANSPORTES AEREOS S.A.
Advogado(s): GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO
Polo passivo
ANNICK BEAUGRAND
Advogado(s): JOAO HENRIQUE DE OLIVEIRA RABELO

RECURSO CÍVEL INOMINADO Nº 0800553-10.2020.8.20.5004

1° JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE NATAL

RECORRENTE: GOL LINHAS AÉREAS S.A.

ADVOGADo: GUSTAVO ANTÔNIO FERES PAIXÃO

RECORRIDA: ANNICK BEAUGRAND

ADVOGADO: JOAO HENRIQUE DE OLIVEIRA RABELO

relator: JUIZ JOSÉ MARIA NASCIMENTO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE VOO CONTRATADO JUNTO À COMPANHIA AÉREA RÉ. PRETENSÃO DE ARBITRAMENTO DE DANOS MORAIS. NÃO DISPONIBILIZAÇÃO DE VOO NA DATA E HORÁRIO INICIALMENTE CONTRATADOS. ALEGAÇÃO DE REESTRUTURAÇÃO DE MALHA AÉREA. AFIRMAÇÃO QUE NÃO É OPONÍVEl AOS CONSUMIDORES. FORTUITO INTERNO. DEFEITOS NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO RELACIONADOS AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE-FIM EMPRESARIAL. REALIZAÇÃO DE ESCALA NÃO PREVISTA E ANTECIPAÇÃO DA DATA DE CHEGADA AO DESTINO que trouxeRAM grande desconforto à autora. QUEBRA DA EXPECTATIVA E CONFIANÇA. PREJUÍZOS QUE SE PRESUMEM. DANOS MORAIS OCORRENTES. INDENIZAÇÃO ARBITRADA EM r$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS), em respeito ao princípio da proporcionalidade E RAZOABILIDADE. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE DEMANDADA. FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. SENTENÇA EXTRA PETITA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACORDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Turma Recursal Provisória dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, apenas para afastar a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, nos termos Voto do Relator. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, em face do resultado do julgamento.

Natal/RN, 15 de junho de 2021.

JOSÉ MARIA NASCIMENTO

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA

Vistos etc.

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95, decido.

Diz a demandante que adquiriu passagens à demandada para o trajeto Natal – Orlando – Natal com conexão em Fortaleza, viagem que se iniciaria em 1º de abril de 2019, porém dois dias antes do embarque foi notificada do cancelamento do voo, tendo sido ofertada opção desvantajosa, inicialmente. Após diligências, conseguiu o embarque na data desejada, via Brasília, mas tal alteração lhe trouxe despesas inesperadas com hotéis em Brasília e em Orlando, onde chegou um dia antes do previsto. No trajeto da volta, houve parada não prevista em Punta Cana, que lhe trouxe dissabores excepcionais. Requer a devolução do valor pago pelas hospedagens em Brasília e Orlando, que totalizou R$ 1.512,86 (um mil, quinhentos e doze reais e oitenta e seis centavos), bem como a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.

A empresa aduz que o voo do dia 1º de Abril seria realizado com a aeronave “Boeing 737 Max 8”, e ante a suspensão das atividades de tal equipamento, houve a acomodação dos passageiros em outros voos, o que ocorreu por questão de segurança, procedimento autorizado pela ANAC. Alega que disponibilizou informações em seu sítio eletrônico, possibilitando o cancelamento ou reagendamento dos trechos. Sustenta que a autora foi notificada na época do cancelamento e com antecedência razoável.

Apesar de alegar que notificou a autora acerca da alteração do voo original com antecedência de 72 horas, a demandada não demonstrou tal afirmação, encargo seu a teor do art. 373, II, do CPC, e assim há que se reconhecer que a autora ficou ciente do cancelamento do voo original com apenas 2 (dois) dias de antecedência da viagem, fato por si já capaz de causar angústia e transtornos significativos. A ré não demonstrou, ainda, que forneceu a assistência material necessária à requerente, diante dos novos horários a que ficou vinculada em razão do descumprimento da obrigação esperada, e quanto à justificativa para a ilicitude, suspensão das operações com a aeronave “Boeing 737 Max 8”, considero que ainda que seja verdadeira a assertiva, tal fato não se constituiu fortuito externo que pudesse eximir a empresa de responsabilidade, uma vez que compete à requerida prestar os serviços contratados por meio de aeronaves seguras e aptas a fornecer o transporte legitimamente esperado. Caracterizada a conduta irregular, resta averiguar se do ilícito cometido pela empresa aérea (descumprimento contratual) advieram as lesões afirmadas pela requerente.

Nos termos do Artigo 19 da Convenção de Montreal – promulgada no Brasil por força do Decreto n.º 5.910/2006, que é aplicável à hipótese conforme tese fixada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 210 –, o transportador é responsável pelo dano ocasionado por atrasos no transporte aéreo de passageiros, bagagem ou carga. Não obstante, o transportador não será responsável pelo dano ocasionado por atraso se prova que ele e seus prepostos adotaram todas as medidas que eram razoavelmente necessárias para evitar o dano ou que lhes foi impossível, a um e a outros, adotar tais medidas”. É dever do transportador conduzir adequadamente e de forma segura o passageiro, bem como sua bagagem, a seu destino, cumprindo os horários e itinerários contratualmente previstos.

Entendo que as alterações dos voos contratados pela autora – fatos incontroversos –sem que delas tivesse sido avisada com antecedência razoável, foram fatos capazes de ocasionar perturbação ao bem-estar da demandante, tratando-se aqui de viagem internacional, que exige do homem médio planejamento com antecedência. Ressalto em especial o desconforto suportado pela requerente no trajeto de volta, com o acréscimo de uma parada, que não pode ser encarado como tolerável, considerando os presumíveis desgastes físico e mental enfrentados. Prejuízos dessa natureza não necessitam de rigorosa demonstração; decorrem simplesmente dos fatos.

Reconhecida a existência do dano moral sofrido pela parte autora, decorrente de descumprimento contratual imputável à parte ré (ato ilícito), e não tendo a demandada demonstrado a ocorrência de qualquer causa exonerativa de responsabilidade, ficam caracterizados os requisitos geradores do dever de indenizar dispostos no Artigo 19 da Convenção de Montreal, bem como art. 927 do Código Civil. No que tange ao montante indenizatório, arbitro-o no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

No que diz respeito à lesão patrimonial afirmada, também cabia à requerida, repita-se, comprovar que prestou aos passageiros a assistência material devida em função da antecipação da viagem que gerou o ônus de novas hospedagens. Entretanto, a requerida não se desincumbiu desse encargo processual, pelo que, e considerando as despesas demonstradas por meio dos documentos juntados aos autos em sua exordial, acolho a pretensão de reparação de despesa (diárias de hotéis) no valor de R$ 1.512,86 (um mil quinhentos e doze reais e oitenta e seis centavos), valor que não ultrapassa o limite previsto no Artigo 22 da Convenção de Montreal.

Por todo o exposto, julgo procedente em parte o pedido inicial, para condenar a demandada a: a) pagar à demandante, a título de indenização por dano moral, a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigida monetariamente pela aplicação do índice previsto na Tabela 1 da Justiça Federal, desde a presente data, conforme previsto na Súmula n.º 362 do STJ, e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação válida; e b) pagar à autora, a título de indenização por dano material, a quantia de R$1.512,86 (um mil, quinhentos e doze reais e oitenta e seis centavos), corrigida monetariamente pela aplicação do índice previsto na Tabela 1 da Justiça Federal, desde 30/03/2019, e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação válida.

Habilite-se o advogado da empresa ré.

Sem condenação em custas, em observância ao disposto nos arts. 54 e 55 da Lei n.º 9.099/1995.

Intimem-se.

Natal/RN, 20 de Maio de 2020.

(documento assinado digitalmente, na forma da Lei nº 11.419/2006)

ANA CHRISTINA DE ARAÚJO LUCENA MAIA

Juíza de Direito

RECURSO

Nas razões, a empresa aérea demandada aduz, preliminarmente, que a sentença cuida de hipótese não aventada nos autos, vez que concedeu indenização por danos materiais sem que tenha havido qualquer menção no pedido exordial. No mérito, aduz pela inexistência de danos morais indenizáveis, atribuindo o infortúnio experimentado pela autora à necessidade de reestruturação da malha aérea (caso fortuito) em virtude da suspensão das atividades do modelo Boeing 737 MAX 8. Sustenta a exclusão da responsabilidade civil e informa ter prestado a assistência necessária, promovendo a realocação da passageira em voo distinto.

CONTRARRAZÕES

Contrarrazões não apresentadas.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido o recurso.

Inicialmente, cumpre analisar a preliminar de possível ocorrência de julgamento extra petita.

Compulsando os autos é possível comprovar a inexistência do pedido expresso de indenização por danos materiais formulado pela parte autora. Com efeito, ainda que haja realizado despesas, notadamente quando da realização de escala inicialmente não prevista na cidade de Brasília/DF, a autora não manifestou expressamente interesse em reaver os valores desembolsados naquela ocasião.

Não obstante a possível supressão do contraditório no ponto específico, registre-se que quando instada a manifestar-se sobre os termos da peça contestatória, a parte autora quedou-se inerte, deixando de apresentar réplica aos argumentos da empresa aérea. Também não houve juntada de...

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