Acórdão Nº 08005666820198205125 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 24-03-2020

Data de Julgamento24 Março 2020
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08005666820198205125
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800566-68.2019.8.20.5125
Polo ativo
LUZIA BRAGA ANDRADE
Advogado(s): ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, MANOEL PAIXAO NETO
Polo passivo
BANCO BMG SA
Advogado(s): FABIO FRASATO CAIRES

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PODER JUDICIÁRIO do estado DO rio grande do norte

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

TERCEIRA TURMA RECURSAL

RECURSO CÍVEL N.°: 0800566-68.2019.8.20.5125

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE PATU

RECORRENTE: BANCO BMG S/A

ADVOGADO(A): FABIO FRASATO CAIRES

RECORRIDO(A): LUZIA BRAGA ANDRADE

ADVOGADO(A): MANOEL PAIXAO NETO / ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE

RELATOR: JUIZ GUSTAVO MARINHO NOGUEIRA FERNANDES

EMENTA: CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATAÇÃO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) E INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E PEDIDO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. EMPRÉSTIMO MEDIANTE CARTÃO DE CRÉDITO COM PAGAMENTO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 6º, III E 31 DO CDC. ABUSIVIDADE CONSTATADA PELO AGENTE FINANCEIRO. PRÁTICA DE ATO ILÍCITO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELA QUITAÇÃO DO EMPRÉSTIMO QUE SE IMPÕE, FACE AOS VALORES JÁ DESCONTADOS SEREM SUFICIENTES PARA A SATISFAÇÃO DA DÍVIDA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM FIXADO PARA ATENDER AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NO CASO EM CONCRETO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade, conhecer do recurso para dar-lhe provimento parcial no sentido declarar a quitação do contrato, mantidos os demais termos da sentença pelos seus próprios fundamentos, nos termos do voto do relator. Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios face ao provimento parcial do recurso.

Natal/RN, 19 de março de 2020.

Gustavo Marinho Nogueira Fernandes

Juiz relator

RELATÓRIO

I – RELATÓRIO

Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATAÇÃO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) E INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO, com pedido de tutela provisória de urgência, proposta por LUZIA BRAGA ANDRADE em desfavor de BANCO BMG S/A.

A promovente alega, em síntese, que:

a) deve ser concedida a gratuidade da justiça, já que não possui condições de arcar com as custas do processo;

b) procurou o banco demandado com a finalidade de contratar empréstimo consignado, porém, sem o seu conhecimento, foi realizada contratação de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável, passando a realizar descontos no valor de R$ 45,91 em seu benefício previdenciário NB nº 099.257.911-2;

c) nunca recebeu o cartão de crédito em questão ou as faturas em seu endereço, impossibilitando-o de efetuar o pagamento do valor total devido, tendo em vista que é descontado o valor mínimo da fatura;

d) tal modalidade de empréstimo apresenta onerosidade excessiva ao consumidor, em relação à taxa de juros, bem como não houve livre manifestação de vontade, posto que desejava contratar modalidade de empréstimo consignado tradicional;

e) a presente demanda deve ser julgada procedente, a fim de que seja declarada a inexistência do débito referente ao contrato em questão, com a respectiva suspensão dos descontos, além da devolução em dobro dos valores descontados indevidamente, bem como a condenação da demandada em pagamento de indenização por dano moral.

Com a inicial, juntou procuração e documentos (Ids. 42926091/42926097).

Decisão de Id. 43116387 indeferiu o pedido de tutela de urgência e deferiu o pedido de justiça gratuita.

A parte promovida apresentou contestação (Id. 44595202), alegando, em resumo, que:

a) a incompetência absoluta do juizado especial para o julgamento da demanda, em face da necessidade de realização de prova pericial (preliminar);

b) a parte autora firmou o contrato de Cartão de Crédito Consignado com o demandado, sendo informadas de forma clara todas as cláusulas contratuais, razão pela qual é válido o negócio jurídico em questão, e é indevido o pagamento de dano moral e material;

c) a parte autora realiza somente o pagamento do valor mínimo das faturas, inviabilizando a amortização do valor principal da dívida;

d) os pedidos autorais devem ser julgados improcedentes.

Juntou documentos (Ids. 44595214/44595239).

Realizada audiência de conciliação, ocasião em que não houve acordo ( Id. 44853157).

A parte autora apresentou réplica (Id. 45450236).

É o relatório. Passo ao julgamento.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A) PRELIMINARES

==> Incompetência absoluta do Juizado Especial

Em sua contestação, o promovido alega a incompetência absoluta do juizado especial, alegando que há complexidade incompatível com seu sistema procedimental, tendo em vista a necessidade de realização de prova pericial.

No caso dos autos, tal prova é desnecessária, diante da natureza da matéria discutida,sendo certo que os documentos colacionados aos autos e a descrição dos fatos são suficientes para o deslinde da causa.

A preliminar deve ser, pois, rejeitada.

B) MÉRITO

Inicialmente, cumpre assentar a regularidade do presente feito, em face da ausência de nulidade processual a ser declarada. Convém, ademais, destacar que, tendo em vista as alegações apresentadas pelas partes, desnecessária a produção de outras provas (além da documental), para o julgamento do pedido. Assim, considerando que, no caso, tais documentos poderiam (e deveriam) ser acostados à petição inicial ou à contestação (artigo 434 do Código de Processo Civil), passo ao julgamento antecipado do mérito, com fulcro no artigo 355, I, do mesmo Código.

Trata-se de ação visando a declaração de inexistência de débito fundada em prática abusiva c/c danos morais e materiais.

A relação jurídica travada entre o banco recorrido e a parte autora é relação de consumo, na forma dos arts. e e 29 da Lei n. 8.078/90 do CDC. Desta forma, evidente se torna a incidência das regras previstas na mencionada lei para o caso dos autos.

Ademais, o STJ sedimentou a discussão no enunciado sumular de sua jurisprudência dominante de n. 297, verbis:“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

O cerne da presente controvérsia consiste em saber se os descontos efetivados no benefício da parte autora, provenientes de contrato de cartão de crédito consignado, foram ou não indevidos e, caso positivo, analisar as consequências daí resultantes.

Em relação ao contrato objeto da lide, verifica-se por parte do banco recorrido a clara falha na prestação de serviço, por ferir diretamente normas de proteção ao consumidor e impor a este onerosidade excessiva.

A parte autora assevera que pretendia celebrar contrato de empréstimo consignado, afirmando que não solicitou o cartão de crédito, não sendo esclarecida das reais condições do contrato.

O banco demandado, em sua contestação, explica que a transação realizada teria ocorrido por meio de um cartão comum onde o titular do cartão autoriza o banco a ser realizado o desconto da fatura diretamente no contracheque ou benefício, respeitado a Reserva de Margem Consignável para obrigações dessa natureza. No caso de cartão de crédito consignado, o art. 1º, §1º da Lei n. 10.820/2003 fixou o percentual de 5% (cinco por cento).

A lei não fixou os critérios de cálculo desses 5%. A Instrução Normativa do INSS n. 28, de 16 de maio de 2008, modificada pela IN INSS/PRES nº 80, de 14/08/2015, reiterou a reserva de até 5% (trinta por cento) para as operações de cartão de crédito (art. 3º, §1º, II).

Quanto às exigências para a emissão do cartão de crédito consignado, a matéria está devidamente normatizada nos artigos 15 e seguintes da resolução. No particular, destaco os seguintes dispositivos:

Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

[...]

Art. 16. Nas operações de cartão de crédito serão considerados, observado, no que couber, o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa...

§ 2º A instituição financeira não poderá aplicar juros sobre o valor das compras pagas com cartão de crédito quando o beneficiário consignar a liquidação do valor total da fatura em uma única parcela na data de vencimento.

§ 3º É PROIBIDA A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO PARA SAQUE.

Art. 17. A instituição financeira deverá encaminhar aos titulares dos benefícios com quem tenha celebrado contrato de cartão de crédito, mensalmente, extrato com descrição detalhada das operações realizadas, onde conste o valor de cada operação e local onde foram efetivadas, bem como o número de telefone e o endereço para a solução de dúvidas.

Observe-se que, apesar de o demandado juntar aos autos contrato de cartão de crédito consignado assinado pela parte autora, observa-se que esta jamais utilizou o cartão para compras, não tendo sequer desbloqueado para uso,sendo que a contratação típica de cartão de crédito sempre ocorre no intuito de realização de compras parceladas ou não, de modo a facilitar as transações comerciais de clientes e fornecedores, não de utilizá-lo para saque, como está demonstrado nestes autos. Logo, considerando que o banco demandado teria autorizado saque no cartão, o que é expressamente vedado, já há razão satisfatória para reconhecer a nulidade da contratação mediante SAQUE.

Destarte, passo a analisar as exigências no que diz respeito ao...

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