Acórdão Nº 08006033920228205142 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 26-07-2023

Data de Julgamento26 Julho 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08006033920228205142
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800603-39.2022.8.20.5142
Polo ativo
MUNICIPIO DE JARDIM DE PIRANHAS e outros
Advogado(s):
Polo passivo
MPRN - Promotoria Jardim de Piranhas
Advogado(s):

Apelação Cível e Remessa Necessária n° 0800603-39.2022.8.20.5142.

Apelantes: Município de Jardim de Piranhas e Estado do Rio Grande do Norte.

Apelado: Ministério Público do RN – Promotoria Jardim de Piranhas.

Relator: Desembargador João Rebouças.


EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÕES CÍVEIS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PLEITO INICIAL, IMPONDO OBRIGAÇÃO DE FAZER AO MUNICÍPIO E AO ESTADO CONSISTENTE EM PROVIDENCIAR A REALIZAÇÃO DO EXAME DENOMINADO PET-CT ONCOLÓGICO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR INÉPCIA DA INICIAL. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. TESE AFASTADA. DIREITO À SAÚDE. DEMANDA DE SAÚDE QUE ENGLOBA DIREITO DE CARÁTER COLETIVO. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE ENGLOBA A COLETIVIDADE. PACIENTE COM DIAGNÓSTICO DE CÂNCER (TUMOR TESTICULAR). PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. JURISPRUDÊNCIA DO RE Nº 855.178-RG (TEMA 793). DEVER DO ENTES PÚBLICOS DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE DO CIDADÃO CARENTE, SOB PENA DE AFRONTA A DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE. PRIMAZIA DO DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES CÍVEIS DOS ENTES. PRECEDENTES.

- É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.(Tema 793). Ademais, esta Egrégia Corte sumulou o seguinte entendimento: “Súmula 34. A ação que almeja a obtenção de medicamentos e tratamentos de saúde pode ser proposta, indistintamente, em face de qualquer dos entes federativos”.

- Na hipótese, há de prevalecer o indicado pelo médico que acompanha o paciente, haja vista a preponderância do direito à saúde, sob pena de tornar inócua a prestação de saúde pública, até porque a opção pelo tratamento do paciente se faz por seu médico assistente, o qual indica o procedimento adequado após a cuidadosa avaliação do caso apresentado, não cabendo aos entes públicos exercerem ingerência sobre a pertinência ou não do tratamento.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores da Segunda Turma da Terceira Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento a Remessa Necessária e aos recursos, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelações Cíveis interpostas pelo Estado do Rio Grande do Norte e Município de Jardim de Piranhas, bem como Remessa Necessária, em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas que, nos autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público, julgou procedente o pedido inicial, confirmando a tutela de urgência deferida, no sentido de determinar que o Estado do RN e o Município de Jardim de Piranhas providenciem a realização do exame denominado PET - TC Oncológico ao favorecido Manoel Sales de Oliveira Filho.

Em suas razões, o apelante Estado do RN suscitou preliminar de inépcia da inicial já que a demanda foi totalmente instruída com documentos relativos a pretensão individual, inexistindo fatos e embasamento jurídico que justifiquem o pleito coletivo, devendo a demanda ser extinta sem resolução de mérito.

Assevera que o procedimento requerido pelo demandante não se encontra da tabela de procedimentos, medicamentos e OPM do SUS, sendo a União, através do Ministério da Saúde, a única competente para incorporar novas tecnologias e procedimentos no âmbito do SUS.

Ressalta que se os medicamentos e insumos pretendidos não estão integrados à lista do SUS, não há o que se falar em solidariedade, visto que o único órgão competente para proceder com a inclusão do medicamento é o Ministério da Saúde.

Explica que no ano de 2019 foi realizada reunião na Secretaria de Saúde do Estado com o Núcleo de Oncologia do CER- SESAP/RN e representantes em oncologia que formalizaram Nota Técnica, relacionando os tipos de câncer indicados para a realização do exame em questão, sendo excluída a patologia do requerente.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja extinta a pretensão coletiva sem resolução de mérito por inépcia da inicial, ou, não sendo esse o entendimento, seja reformada a sentença quanto a pedido coletivo, julgando-o improcedente.

Por outro norte, o município de Jardim de Piranhas, nas razões do seu recurso, suscita preliminar de incompetência absoluta da Justiça estadual, sendo imprescindível a inclusão da União no polo passivo da demanda, já que trata-se de exame de alta complexidade.

Declara que o município de Jardim de Piranhas está classificado como de pequeno porte, o que implica dizer que seu orçamento é ainda mais limitado para atender considerável parcela das demandas de saúde se comparado com municípios de grande porte.

Assegura que a responsabilidade entre os entes da Federação é repartida, cabendo a União os procedimentos e medicamentos de alta complexidade, e aos estados os de alta e média complexidade.

Explica que a solidariedade reconhecida na sentença não impede que o juízo realize o direcionamento da tutela que se busque cumprir, nos termos do que decidiu o próprio Supremo Tribunal Federal no RE 855.178/SE, com repercussão geral, Tema 793, quando fixou a tese de que, em demandas de saúde, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competência e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”.

Ao final, pugna pela reforma da sentença para excluir o município da obrigação fixada na sentença, sob pena de comprometer a prestação de serviços de saúde pela municipalidade.

Contrarrazões pelo desprovimento dos recursos (ID. 19403135).

A 6ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento da Remessa necessária e das apelações interpostas (ID. 19469767).

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos e da remessa necessária.

O Representante do Ministério Público em exercício na Comarca de Jardim de Piranhas, moveu Ação Civil Pública requerendo provimento jurisdicional para condenar o Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Jardim de Piranhas a custear, de forma solidária, o exame de PET-TC Oncológico ao Sr. Manoel Sales de oliveira Filho, de acordo com a avaliação e prescrição médica.

PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL SUSCITADA PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Inicialmente, o Estado do Rio Grande do Norte suscitou preliminar de inépcia da petição inicial, já que a pretensão da Ação Civil Pública possuía natureza individual. Tal argumento não prospera.

Apesar de Ministério Público ter atuado como substituto processual do paciente, a negativa por parte dos entes federados em disponibilizar o exame necessário ao representado, engloba toda uma coletividade que necessita alcançar o direito à saúde.

Logo, a demanda possui contornos coletivos, o que afasta a inépcia da petição inicial.

PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM E ILEGITIMIDADE PASSIVA ARGUIDA PELO MUNICÍPIO DE JARDIM DE PIRANHAS

No tocante à alegação de ilegitimidade passiva e a possibilidade de inclusão da União no polo passivo da demanda, o que deslocaria o feito para a Justiça Federal, também não merece acolhimento.

Impende registrar que não existe subordinação, concorrência ou subsidiariedade entre as esferas municipal, estadual e federal, frisando-se, inclusive, que qualquer uma delas responde autonomamente pela proteção à saúde do particular necessitado.

Assim, afasto a referida preliminar.

MÉRITO

Inicialmente, vale dizer que a matéria objeto da lide se encontra especificamente delineada na Constituição Federal, que em seu artigo 198, § 1º, prevê:

“O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes."

Vislumbra-se do texto legal, que a referência é feita às três esferas do Poder Executivo, a fim de ampliar a responsabilidade do Poder Público, de tal forma que, tratando-se de responsabilidade solidária o autor pode insurgir-se contra todos ou somente um dos devedores solidários.

Além do mais, o texto do artigo 196 da CF, ao falar genericamente em Estado, tem cunho geral, preconizando que o custeio do Sistema Único de Saúde se dê por meio de recursos orçamentários da seguridade social comum a todos os entes federados, regionalização e hierarquização nele referidas que devem ser compreendidas sempre como intenção de descentralizar e garantir sua efetividade.

Impende registrar ainda que não existe subordinação, concorrência ou subsidiariedade entre as esferas municipal, estadual e federal, frisando-se, inclusive, que qualquer uma delas responde autonomamente pela proteção à saúde do particular necessitado.

Assim sendo, não se verifica imprescindível o chamamento ao processo da União, vez que, em que pese tratar-se de um dever solidário dos entes federativos, tal fato não impõe o seu acatamento, posto que não são litisconsortes necessários, mas, sim, facultativos, podendo ser exigida a obrigação de cada um dos entes públicos de...

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