Acórdão Nº 08006090520198205125 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 20-02-2020

Data de Julgamento20 Fevereiro 2020
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08006090520198205125
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800609-05.2019.8.20.5125
Polo ativo
REILDA TEIXEIRA RIBEIRO
Advogado(s): ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, MANOEL PAIXAO NETO
Polo passivo
BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA
Advogado(s): MARCOS DELLI RIBEIRO RODRIGUES

RECURSO CÍVEL VIRTUAL Nº: 0800609-05.2019.8.20.5125

RECORRENTE: BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A.

ADVOGADO: DR. MARCOS DELLI RIBEIRO RODRIGUES

RECORRIDO: REILDA TEIXEIRA RIBEIRO

ADVOGADO: DR. ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE

RELATOR: JUIZ ANA CAROLINA MARANHÃO DE MELO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS. BANCO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. VERIFICAÇÃO POSTERIOR DE CONTRATAÇÃO EFETUADA NA MODALIDADE CONSIGNAÇÃO VINCULADA AO CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM. CONSUMIDOR INDUZIDO A ERRO. DESCONTOS PARA PAGAMENTO DE VALOR MÍNIMO DE FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES CLARAS. ABALO FINANCEIRO E EMOCIONAL NARRADO. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PLEITO AUTORAL. ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA NA CONTRATAÇÃO. AFRONTA AOS ARTS. E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INSTRUMENTO CONTRATUAL ACOSTADO. CONTRATO DE CONSIGNAÇÃO VINCULADA AO CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM ABUSIVO EM DECORRÊNCIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA PARA O CONTRATANTE. COMPENSAÇÃO DE VALORES DETERMINADA. AUSÊNCIA DA EQUIVALÊNCIA ENTRE AS OBRIGAÇÕES. CONDUTA ILÍCITA. RECURSO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. DANOS MORAIS AFASTADOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, reformando parcialmente a sentença a quo, para determinar a restituição simples do valor descontado indevidamente, totalizando o montante de R$ 1.320,00 (hum mil trezentos e vinte reais) e afastar os danos morais fixados, mantendo a sentença nos demais pontos, nos termos do voto da Relatora. Impedido Dr. Valdir Lobo Maia.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, em razão do provimento parcial do recurso.

Natal/RN, 20 de fevereiro de 2020.

ANA CAROLINA MARANHÃO DE MELO
Juíza Relatora



RELATÓRIO

Tratam-se de Recurso Inominado interposto pelo BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A., contra sentença que julgou procedente o pedido do autor, condenando-o, a declarar nulo o contrato e determinar a suspensão dos descontos nos proventos da autora, bem como restituir em dobro as quantias descontadas, ficando o demandado autorizado a compensar os saques realizados e não impugnados pela parte autora e a pagar-lhe a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais.

Segue sentença cujo relatório se adota:



SENTENÇA



I – RELATÓRIO

Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATAÇÃO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) E INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO, com pedido de tutela provisória de urgência, proposta por REILDA TEIXEIRA RIBEIRO em desfavor de BANCO MERCANTIL DO BRASILS/A.

A promovente alega, em síntese, que:

a) deve ser concedida a gratuidade da justiça, já que não possui condições de arcar com as custas do processo;

b) procurou o banco demandado com a finalidade de contratar empréstimo consignado, porém, sem o seu conhecimento, foi realizada contratação de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável, passando a realizar descontos no valor de R$ 44,00 em seu benefício previdenciário;

c) nunca recebeu o cartão de crédito em questão ou as faturas em seu endereço, impossibilitando-o de efetuar o pagamento do valor total devido, tendo em vista que é descontado o valor mínimo da fatura;

d) tal modalidade de empréstimo apresenta onerosidade excessiva ao consumidor, em relação à taxa de juros, bem como não houve livre manifestação de vontade, posto que desejava contratar modalidade de empréstimo consignado tradicional;

e) a presente demanda deve ser julgada procedente, a fim de que seja declarada a inexistência do débito referente ao contrato em questão, com a respectiva suspensão dos descontos, além da devolução em dobro dos valores descontados indevidamente, bem como a condenação da demandada em pagamento de indenização por dano moral.

Com a inicial, juntou procuração e documentos (Ids. 43031756/43031742).

Decisão de Id. 43115847 indeferiu o pedido de tutela de urgência e deferiu o pedido de justiça gratuita.

A parte promovida apresentou contestação (Id. 45121915), alegando, em resumo, que:

a) a parte autora firmou o contrato de Cartão de Crédito Consignado com o demandado, sendo informadas de forma clara todas as cláusulas contratuais, razão pela qual é válido o negócio jurídico em questão;

b) a parte autora realiza somente o pagamento do valor mínimo das faturas, inviabilizando a amortização do valor principal da dívida;

c) ausência de dano moral e material;

d) os pedidos autorais devem ser julgados improcedentes;

Juntou documentos (Ids. 45121689/45121900).

Realizada audiência de conciliação, ocasião em que não houve acordo (Id. 45145111).

A parte autora apresentou réplica (Id. 46272203).

O promovido apresentou petição (Id. 47356904), requerendo o envio de ofício ao Banco Bradesco para confirmar a liberação do recurso na conta da parte autora.

É o relatório. Passo ao julgamento.

II – FUNDAMENTAÇÃO



Inicialmente, cumpre assentar a regularidade do presente feito, em face da ausência de nulidade processual a ser declarada. Convém, ademais, destacar que, tendo em vista as alegações apresentadas pelas partes, desnecessária a produção de outras provas (além da documental), para o julgamento do pedido. Assim, considerando que, no caso, tais documentos poderiam (e deveriam) ser acostados à petição inicial ou à contestação (artigo 434 do Código de Processo Civil), passo ao julgamento antecipado do mérito, com fulcro no artigo 355, I, do mesmo Código.

Ademais, desnecessário o envio de ofício ao Banco detentor da conta-corrente da autora, posto que a parte autora não nega, em sua petição inicial, o recebimento de valores provenientes do empréstimo.

Trata-se de ação visando a declaração de inexistência de débito fundada em prática abusiva c/c danos morais e materiais.

A relação jurídica travada entre o banco recorrido e a parte autora é relação de consumo, na forma dos arts. e e 29 da Lei n. 8.078/90 do CDC. Desta forma, evidente se torna a incidência das regras previstas na mencionada lei para o caso dos autos.

Ademais, o STJ sedimentou a discussão no enunciado sumular de sua jurisprudência dominante de n. 297, verbis: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

O cerne da presente controvérsia consiste em saber se os descontos efetivados no benefício da parte autora, provenientes de contrato de cartão de crédito consignado, foram ou não indevidos e, caso positivo, analisar as consequências daí resultantes.

Em relação ao contrato objeto da lide, verifica-se por parte do banco recorrido a clara falha na prestação de serviço, por ferir diretamente normas de proteção ao consumidor e impor a este onerosidade excessiva.

A parte autora assevera que pretendia celebrar contrato de empréstimo consignado, afirmando que não solicitou o cartão de crédito, não sendo esclarecida das reais condições do contrato.

O banco demandado, em sua contestação, explica que a transação realizada teria ocorrido por meio de um cartão comum onde o titular do cartão autoriza o banco a ser realizado o desconto da fatura diretamente no contracheque ou benefício, respeitado a Reserva de Margem Consignável para obrigações dessa natureza. No caso de cartão de crédito consignado, o art. 1º, §1º da Lei n. 10.820/2003 fixou o percentual de 5% (cinco por cento).

A lei não fixou os critérios de cálculo desses 5%. A Instrução Normativa do INSS n. 28, de 16 de maio de 2008, modificada pela IN INSS/PRES nº 80, de 14/08/2015, reiterou a reserva de até 5% (trinta por cento) para as operações de cartão de crédito (art. 3º, §1º, II).

Quanto às exigências para a emissão do cartão de crédito consignado, a matéria está devidamente normatizada nos artigos 15 e seguintes da resolução. No particular, destaco os seguintes dispositivos:

Art.15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

[...]

Art. 16. Nas operações de cartão de crédito serão considerados, observado, no que couber, o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa.

§ 2 º A instituição financeira não poderá aplicar juros sobre o valor das compras pagas com cartão de crédito quando o beneficiário consignar a liquidação do valor total da fatura em uma única parcela na data de vencimento.

§ 3º É PROIBIDA A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO PARA SAQUE.

Art. 17. A instituição financeira deverá encaminhar aos titulares dos benefícios com quem tenha celebrado contrato de cartão de crédito, mensalmente, extrato com descrição detalhada das operações realizadas, onde conste o valor de cada operação e local onde foram efetivadas, bem como o número de telefone e o endereço para a solução de dúvidas.

Observe-se que, apesar de o demandado juntar aos autos contrato de cartão de...

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