Acórdão Nº 08006283420208205300 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 23-09-2021

Data de Julgamento23 Setembro 2021
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo08006283420208205300
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0800628-34.2020.8.20.5300
Polo ativo
RODRIGO CESAR SOUZA DE MACEDO
Advogado(s): MARINA MELO ALVES SIQUEIRA
Polo passivo
ALVARO COSTA DIAS
Advogado(s):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO FUNDAMENTADA NA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REMESSA NECESSÁRIA. PRETENSÃO DE REVOGAÇÃO DE DECRETO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO ATO ILEGAL QUE PRETENDE VER EXPURGADO DO ORDENAMENTO. PRETENDIDA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO REEXAME OBRIGATÓRIO.

1. A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIII, prevê que a ação popular visa anular ato lesivo ao patrimônio público, ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

2. Na espécie, pretende o autor, por meio de Ação Popular, obter a revogação do Decreto Municipal nº 12.013/2020 porque contrário às normas e protocolos técnicos, além de gerar risco à coletividade, do que se dessume o seu intento de realizar controle concentrado de constitucionalidade através de meio processual inadequado.

3. Deste modo, inviável se acolher o provimento jurisdicional no sentido de revogar concretamente lei em tese, com base na sua inconstitucionalidade, na via escolhida.

4. Conhecimento e desprovimento da remessa necessária.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, em consonância com o parecer de Dra. Maria de Lourdes Medeiros de Azevêdo, Décima Quinta Procuradora de Justiça, conhecer e negar provimento ao reexame necessário, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Trata-se de Remessa Necessária de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN (Id. 9206168), que, nos autos da Ação Popular nº 0800628-34.2020.8.20.5300, proposta por RODRIGO CESAR SOUZA DE MACEDO em desfavor do PREFEITO DO MUNICÍPIO DE NATAL, ALVARO COSTA DIAS, julgou extinto o processo sem resolução de mérito, devido o reconhecimento da inexistência de interesse processual decorrente da inadequação da via eleita.

2. Foram os autos remetidos ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte por força do reexame necessário, sem interposição de recurso, consoante demostrado na certidão de Id. 9206870.

3. Com vista dos autos, Dra. Maria de Lourdes Medeiros de Azevêdo, Décima Quinta Procuradora de Justiça, opinou pelo conhecimento e desprovimento da Remessa Necessária (Id. 9992949).

4. É o relatório.

VOTO

5. Conheço da remessa necessária.

6. Dessume-se dos autos que através da ação popular proposta, o autor clama pela análise da possibilidade de se revogar o Decreto Municipal n.º 12.013/2020, por reputar que o demandado está a praticar atos que contrariam a moralidade administrativa e atentam contra o meio ambiente, visto que as medidas aditadas no aludido decreto desrespeitam as orientações técnicas da Organização Mundial de Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde quanto à defesa da população em face do avanço do novo coronavírus.

7. A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIII, prevê que a ação popular visa anular ato lesivo ao patrimônio público, ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

8. É o que reza também o art. 1º da Lei n.º 4.717, de 1965, vejamos:

“Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”

9. À luz da norma constitucional e infraconstitucional, é possível verificar que a ação popular trata-se de uma garantia constitucional conferida a qualquer cidadão, para fins de se anular atos lesivos ao interesse público, porém não se trata de ampliação da legitimidade para questionar in concreto a constitucionalidade das leis, visto que esta última foi conferida pelo art. 103 da Magna Carta e o cidadão comum não se encontra no rol nele elencado.

10. Na espécie, pretende o autor, por meio de Ação Popular, obter a revogação do Decreto Municipal nº 12.013/2020 porque contrário às normas e protocolos técnicos, além de gerar risco à coletividade, do que se dessume o seu intento de realizar controle concentrado de constitucionalidade através de meio processual inadequado.

11. Com efeito, acertada a conclusão a que chegou o magistrado sentenciante ao enfatizar:

“Na espécie, resta evidente que, sob o pretexto de se pretender a revogação do Decreto 12.013/2020, o almejado em verdade é a declaração de inconstitucionalidade, através de interpretação conforme a Constituição, de lei em tese.

Veja-se que, in casu, a parte requerente não relata nenhum dano concreto, tampouco se insurge contra ato específico, desejando apenas que o Judiciário determine a revogação do Decreto nº 12.013/2020, ato normativo de caráter genérico e abstrato, que considera ter dispositivos inconstitucionais.

Logo, a declaração de inconstitucionalidade, ou a interpretação conforme a Constituição, do Decreto-Lei não é uma questão prejudicial, mas sim o próprio objeto da ação, o que evidencia a inadequação da via eleita, considerando que tal pretensão apenas poderia ser deduzida através da ação direta de inconstitucionalidade.” (Id. 9206168, pág. 2)

12. É válido realçar que o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a declaração incidental de inconstitucionalidade de leis através de Ação Popular, com o fito exclusivo de invalidar atos lesivos ao patrimônio público, desde que haja específica indicação da lesão concreta ao patrimônio público e à moralidade administrativa.

13. Todavia, no caso presente, o ato lesivo apontado é o próprio decreto reputado inconstitucional, sem indicação expressa quanto a ato ilegal que pretende ver expurgado do ordenamento, e o pleito se refere à revogação dos efeitos, o que configura patente usurpação da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

14. Deste modo, inviável se acolher o provimento jurisdicional no sentido de revogar concretamente lei em tese, com base na sua inconstitucionalidade, na via escolhida, qual seja, da ação popular.

15. É de bom alvitre destacar, ainda, o entendimento do STJ sobre o tema:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. FUNDO DE FINANCIAMENTO AO ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR (FIES). MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.827/99. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATOS LESIVOS. INEXISTÊNCIA DE INDICAÇÃO. (...) 3. Mérito – da impossibilidade jurídica do pedido da ação popular. Sob pena de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, a ação popular não se mostra a via adequada para a obtenção de declaração de inconstitucionalidade de lei federal, devendo haver a comprovação da prática de atos administrativos concretos que violem o erário público. Precedentes. 4. Na hipótese, o objetivo da ação popular não se relaciona a atos específicos, mas contra todo o sistema de repasse previsto nas normas pertinentes ao FIES, sem a especificação de um ato concreto lesivo ao patrimônio público, requisito exigido e necessário para se autorizar a sua impugnação por meio deste tipo de ação. Esse fato, por si só, afasta a possibilidade do cabimento da ação popular por equivaler à declaração de inconstitucionalidade de lei em tese, em flagrante usurpação de competência do Pretório Excelso para efetuar o controle em abstrato da constitucionalidade das leis. 5. Ação popular extinta, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, ficando prejudicado o exame da prescrição (ofensa aos artigos 21 c/c 22 da Lei nº 4.717/65 e 295, inciso IV, do CPC). 6. Recurso especial conhecido em parte e provido.” (STJ. REsp 1081968/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2009, DJe 15/10/2009)

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL - FUNPEN. LC. N. 79, DE 07.01.94. 1. A ação popular não é via própria para se considerar uma lei inconstitucional, sem que se prove a prática de atos administrativos concretos. 2. Pretensão de que, em sede de ação popular, seja declarada a inconstitucionalidade da LC n. 79, de 07.01.94, sem se apontar qualquer ato administrativo praticado pelas partes demandadas que tenha causado lesão ao patrimônio público. 3. A ação popular é imprópria para o controle da constitucionalidade das leis pelo sistema concentrado. Admite-se, apenas, quando a declaração de inconstitucionalidade for incidenter tantum . 4. Precedentes: REsp 441.761/SC, Primeira Turma, DJ 18.12.2006; Resp 505.865/SC, Segunda Turma; REsp 504.552/SC, Segunda Turma. 5. Recurso da União que se conhece e se lhe dá provimento” (STJ. REsp 958.550/SC, Rel. Min. José Delgado, DJe de 24.04.08).

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI FEDERAL. ART 36 DO ADCT. ART. 165, § 9º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM ANÁLISE DO MÉRITO. 1. O STJ vem firmando o entendimento de que é possível a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum de lei ou ato normativo federal ou local em sede ação coletiva. Todavia, in casu,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT