Acórdão Nº 08006301420208205135 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 16-12-2022

Data de Julgamento16 Dezembro 2022
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08006301420208205135
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800630-14.2020.8.20.5135
Polo ativo
SEVERINO TARGINO DA SILVA
Advogado(s): MIZAEL GADELHA
Polo passivo
BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE POSITIVO. CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA À PARTE AUTORA. DESCONTO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA. SEGURADORA QUE NÃO COMPROVOU A LICITUDE DOS DESCONTOS. CONDUTA ABUSIVA. CABÍVEL A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NOS TERMOS DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. EVENTO DANOSO COMO MARCO INICIAL DO JUROS DE MORA. SÚMULA N° 54 DO STJ. DANO MORAL CONFIGURADO. MONTANTE A SER FIXADO DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. PRECEDENTES.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelações cíveis acima identificadas.


Acordam os Desembargadores da 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso da parte ré. Por outro lado, conhecer e dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por ambas as partes em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Almino Afonso que, nos autos da Ação Ordinária ajuizada por Severino Targino da Silva, julgou da seguinte forma:

“Ante o exposto, e considerando tudo o mais que dos autos consta, ao tempo em que rejeito as preliminares arguidas, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, e assim o faço com resolução do mérito, a teor do art. 487, I, do CPC, para:

i) desconstituir a relação jurídica que culminou com a cobrança do seguro debitado da conta bancária da parte autora, em benefício da parte ré BRADESCO AUTO/RE CIA. DE SEGUROS, declarando a inexigibilidade das suas prestações e a sustação das cobranças na conta bancária do consumidor (agência 5894 – conta 572342-6, Banco Bradesco), sem nenhum ônus para o consumidor/autor; e

ii) condenar BRADESCO AUTO/RE CIA. DE SEGUROS a restituir em dobro, em favor da parte autora, os valores descontados da sua conta bancária (agência 5894 – conta 572342-6, Banco Bradesco), referentes ao seguro questionado, acrescido de correção monetária pelo INPC, contada a partir do fato ilícito, e de juros legais de 1% ao mês, desde a citação, cujo montante final será apurado em posterior cumprimento de sentença.

Em razão da sucumbência mínima, condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários contratuais advocatícios, estes fixados em R$700,00 (setecentos reais), por apreciação equitativa, especialmente considerando tratar-se de causa repetitiva e de baixa complexidade (art. 85 §§ 2º e 8º, do CPC).”

Em suas razões recursais, o Bradesco Auto/Re Companhia de Seguros alega, em síntese, que os descontos foram realizados em exercício regular de direito e que o autor não comprovou o dano sofrido, devendo, portanto, prevalecer a relação contratual em nome da pacta sunt servanda.


Sustenta que, em caso de restituição, não é devido que seja feita em dobro por ausência dos requisitos necessário, em especial por ausência de má-fé.


Já a parte autora, alega em seu recurso que faz jus a uma indenização por danos morais e que os juros de mora devem incidir a partir do evento danoso, de acordo com a Súmula n° 54 do STJ.


Ao fim, pugnam pelo conhecimento e provimento de seus recursos a fim de reformar a sentença.


A parte autora apresentou contrarrazões pelo desprovimento do recurso do réu.


A parte ré apresentou contrarrazões contestando a justiça gratuita concedida em favor do autor, o ônus da prova e requerendo a condenação do autor em litigância de má-fé.


Inexiste interesse do Ministério Público para intervir no feito.


É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço das apelações.

Inicialmente, ratifico a concessão de justiça gratuita ao autor, uma vez que, na qualidade de pessoa física, tem presunção relativa, nos termos do Art. 99, §3° do CPC. Assim, cabia ao apelante, para reverter tal concessão da justiça gratuita, constituir prova que demonstrasse o não cabimento do benefício, o que não foi feito.

Registro que as insurgências serão analisadas conjuntamente, porquanto guardam similitude e pontos convergentes.


Como relatado, o recurso da parte autora pretende reformar a sentença para que seja fixada uma indenização por danos morais. Por outro lado, o recurso da parte ré busca a total improcedência dos pedidos inicias.


O caso em exame trata de relação consumerista, devendo ser analisado à luz dos princípios e regras do CDC, uma vez que o autor e o réu se encaixam perfeitamente nas definições dos Art’s. 2° e 3°, §2° do CDC, respectivamente.


Diante da relação de consumo, opera a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC.


Cabia ao banco, em decorrência da aludida inversão, comprovar a legitimidade dos descontos contestados pela parte autora.


Todavia, a instituição financeira não se desincumbiu desse ônus, pois se limitou a impugnar as alegações autorais, sem, contudo, demonstrar a origem dos descontos na aposentadoria da parte demandante, não juntando contrato ou qualquer documento autorizando expressamente os descontos aqui contestados.

É valido ressaltar que o Art. 758 do Código Civil orienta quais documentos podem ser usados para comprovar a existência da contratação de seguro, não tendo o réu constituído nenhuma das provas elencadas, nem mesmo outra que não as descritas no referido artigo.


Em contrapartida, constata-se que a parte autora juntou aos autos provas que revelam a existência dos descontos indevidos realizados em sua aposentadoria, o que fez por meio dos extratos bancários.

No caso concreto, tendo o réu procedido com o desconto na aposentadoria da parte autora, reputo que não há como considerar o erro justificável.


Logo, cabível a condenação do banco em restituir, em dobro, os valores cobrados indevidamente ao consumidor, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.


Cito entendimento desta Câmara Cível em caso semelhante:


EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE NÃO COMPROVOU A LICITUDE DOS DESCONTOS. CONDUTA ABUSIVA. CABÍVEL A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NOS TERMOS DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR ARBITRADO DE ACORDO COM OS PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.”

(Apelação Cível nº 0801421-17.2019.8.20.5135, Relator Desembargador Vivaldo Pinheiro, julgado em: 18/08/2020).

Ressalto que a constatação de má-fé do banco não é critério decisivo para constituir o direito à repetição do indébito, bastando à constatação de pagamento indevido, conforme entendimento do STJ:

“EMEN: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. SERVIÇO DE TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA DE VALORES. PRESCRIÇÃO TRIENAL. ART. 206, § 3º, V, DO CC/2002. REPETIÇÃO, EM DOBRO, DO INDÉBITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA MÁ-FÉ DO CREDOR. PRECEDENTES. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, o prazo prescricional da ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados, promovida por empresa de telefonia, como no caso dos autos, é o previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, ou seja, 3 anos. 2. A decisão do TJ/RS está em consonância com o entendimento da Segunda Seção desta Corte de que "a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, não prescinde da demonstração da má-fé do credor" (Rcl n. 4892/PR, Relator o Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, DJe 11/5/2011). (...)

(AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 622897 2014.03.10517-7, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:20/08/2015.DTPB:.) (destaquei)

No que se refere à incidência de juros de mora sobre o valor da restituição em dobro, constata-se que a sentença atacada cometeu erro in judicando ao estabelecer seu marco inicial a partir da citação, quando na verdade deve se iniciar a partir do evento danoso, conforme orientação da Súmula n° 54 do STJ.

Em relação aos danos morais, os descontos indevidos na aposentadoria da parte autora, decorrentes de um contrato não formalizado, geraram transtornos e constrangimentos já que reduziram o valor de sua renda mensal, afetando direitos relacionados à sua personalidade, como o direito à uma vida digna. Dessarte, presentes os elementos identificadores da responsabilidade civil e o nexo de causalidade entre eles.


A propósito, o dano moral decorrente da realização de contrato sem o consentimento do titular da conta, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive em recurso repetitivo, é presumido ou in re ipsa, dispensando a prova do prejuízo, bastando para sua configuração a ocorrência dos descontos indevidos, como podemos verificar do julgado a seguir:


“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.DANOS MATERIAIS. CHEQUE NOMINAL E CRUZADO DESTINADO A DEPÓSITO JUDICIAL. ENDOSSO IRREGULAR. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA DE TERCEIRO, MEDIANTE FRAUDE. RESPONSABILIDADE DO BANCO SACADO (LEI 7.357/85, ...

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