Acórdão Nº 08006420520188205133 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 26-05-2020

Data de Julgamento26 Maio 2020
Classe processualAPELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
Número do processo08006420520188205133
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0800642-05.2018.8.20.5133
Polo ativo
MUNICIPIO DE BOA SAUDE
Advogado(s):
Polo passivo
JOSE ANTONIO ANGELO DA SILVA e outros
Advogado(s): EMANUEL GURGEL BELIZARIO

EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. SERVIDORA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE BOA SAÚDE/RN. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO AUTORAL. CONDENAÇÃO DO ENTE PÚBLICO AO PAGAMENTO DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO - FGTS DURANTE O PERÍODO EM QUE PERDUROU O VÍNCULO CONTRATUAL. COMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR A CAUSA. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA EXERCER A FUNÇÃO DE VIGILANTE. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA EXCEPCIONALIDADE E DA TEMPORARIEDADE. NULIDADE DO VÍNCULO DE TRABALHO EVIDENCIADA. OBRIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE PAGAR EVENTUAIS SALDOS SALARIAIS REFERENTES AO PERÍODO EFETIVAMENTE LABORADO, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, BEM COMO DE EFETUAR O DEPÓSITO DAS PARCELAS REFERENTES AO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), SEM O ACRÉSCIMO DA MULTA DE 40% SOBRE OS DEPÓSITOS, AFASTANDO-SE AINDA O PAGAMENTO DE QUAISQUER OUTRAS VERBAS TRABALHISTAS, DENTRE AS QUAIS INCLUEM-SE AS FÉRIAS E 13º SALÁRIO. ENTENDIMENTO FIRMADO, COM REPERCUSSÃO GERAL, NOS JULGAMENTOS DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS Nos 596.478/RR E 765.320/MG. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA A COBRANÇA DO FGTS EM OBEDIÊNCIA AO ENTENDIMENTO ADOTADO NO JULGAMENTO DO AGRAVO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 709.212 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ALÉM DA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA PRESCRIÇÃO BIENAL, A CONTAR DO TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO, NOS TERMOS DO ARTIGO 7º, INCISO XXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEMANDA AJUIZADA APÓS DOIS ANOS DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO BIENAL NO CASO CONCRETO. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA FORMULADO PELA AUTORA EM CONTRARRAZÕES. BENEFÍCIO INDEFERIDO EM SENTENÇA. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. REJEIÇÃO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao apelo, bem como conhecer e dar provimento a remessa necessária, reformando a sentença para julgar improcedente a pretensão autoral, nos termos do voto do relator que integra o presente acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de Remessa Necessária e de Apelação Cível interposta pelo MUNICÍPIO DE BOA SAÚDE/RN em face de sentença proferida pelo Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Tangará/RN, que julgou parcialmente procedente a pretensão formulada nos autos da ação ordinária de cobrança promovida em seu desfavor por JOSÉ ANTÔNIO ÂNGELO DA SILVA, nos seguintes termos:

"III. Dispositivo

Ante o exposto, ao tempo em que reconheço a competência deste juízo para processar e julgar o feito, AFASTO as preliminares suscitadas, INDEFIRO o pedido de justiça gratuita e julgo pela PROCEDÊNCIA PARCIAL dos pedidos autorais para o fim de condenar o município de Boa Saúde/RN ao pagamento, em favor da autora, dos valores concernentes ao FGTS relativos aos períodos trabalhados, tudo a ser apurado em liquidação de sentença.

Sobre o valor da condenação acima incidirão juros de mora de 0,5% ao mês, nos termos do art. 1º-F da Lei Federal nº 9.494/1997, contados da data de citação válida do réu (art. 405 do Código Civil), e atualização monetária pelo IPCA desde o trânsito em julgado da Sentença.

As despesas com honorários de advogado, que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos acima (NCPC, artigo 85, §2º), corrigida pelo IPCA desde a data do ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a data do trânsito em julgado desta Sentença, por levar em conta o tempo da atividade processual e o grau de zelo dos profissionais, e com as custas processuais, serão pagas, em face da sucumbência recíproca, na proporção de 20% para a parte autora e 80% para o réu (NCPC, artigo 86). Sem condenação em custas pela isenção da Fazenda Pública.

As custas judiciais a serem pagas pela autora serão calculadas pela Secretaria.

Registre-se. Intimem-se.

Não havendo recurso, envie-se ao TJRN com REMESSA NECESSÁRIA por se tratar de Sentença ilíquida.

Após o trânsito em julgado, arquive-se sem novas intimações.

TANGARÁ/RN, 4 de setembro de 2019".

Em suas razões, alega o município que houve prescrição quinquenal de todas as parcelas referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS durante o período pelo qual perdurou o vínculo de trabalho firmado entre as partes.

Ultrapassada a prescrição acima suscitada, aduz que o vínculo estabelecido entre as partes se submetia ao regime estatutário, não sendo, portanto, devido o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS durante o período laborado, por ser verba de cunho trabalhista.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, reformando a sentença para que seja julgada improcedente a pretensão autoral.

Devidamente intimado, o apelado apresentou contrarrazões, pugnando pelo deferimento da justiça gratuita, indeferida na sentença, bem como pelo desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, a Procuradoria de Justiça deixou de intervir no feito, por ausência de interesse público primário.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e da remessa necessária.

Verificada a similitude nos temas tratados tanto na remessa necessária como no recurso de apelação interposto, por critério de melhor exegese jurídica, recomendável se mostra promover seus exames conjuntamente.

O cerne da questão reside em analisar o acerto da sentença que, ao reconhecer a nulidade da contratação temporária firmada entre as partes, julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, condenando o ente público ao pagamento em favor da parte apelada das parcelas não recolhidas relativas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS durante o período pelo qual perdurou o vínculo contratual.

Pois bem.

A Constituição da República estabelece, em seu artigo 37, incisos I e II, respectivamente, o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos e o princípio do concurso público. Assim, a investidura em cargos, empregos e funções públicas pressupõe, via de regra, aprovação em concurso.

Há, entretanto, exceções estabelecidas pelo legislador constituinte para adequar o princípio do concurso público com a dinâmica da máquina administrativa e do serviço público. Portanto, são permitidas duas formas de investidura em que se dispensa o concurso: a) o cargo em comissão declarado de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, V); e b) a contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (CF, art. 37, IX).

Desse modo, pode-se dizer que o vínculo jurídico existente entre a Administração e o agente público pode ser estatutário, celetista ou jurídico-administrativo. O primeiro se dá pela investidura decorrente de aprovação em concurso público, em que o servidor é nomeado para ocupar cargo efetivo, ou, em alguns casos, em virtude da nomeação para exercício de cargo comissionado; o segundo ocorre pela investidura, também decorrente de aprovação em concurso público, para ocupação de emprego público; o terceiro, por sua vez, se perfaz por contratação temporária, proveniente de necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do artigo 37, inciso IX, in verbis:

"Art. 37. (...)

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;".

Pela leitura da norma acima transcrita, depreende-se ser imprescindível para a realização da contratação temporária, a existência de previsão na lei do ente da federação respectivo e com o objetivo de atender necessidade temporária de excepcional interesse público, sob pena de nulidade de pleno direito, nos termos do artigo 37, § 2°, e punição da autoridade responsável.

A interpretação sistemática do texto constitucional, portanto, permite a ilação de que é dispensável a realização de concurso para provimento de cargos em se tratando de cargo em comissão ou de necessidade transitória e excepcional, hipótese esta em que é firmado contrato com prazo determinado.

Contudo, no caso em apreço, o Município de Boa Saúde/RN não informou nos autos a existência de eventual lei municipal que dispusesse sobre a contratação por tempo determinado de pessoas para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público -, o que não impediu ao ente público de firmar contrato temporário com o apelado para exercer a função de vigilante durante o período de janeiro de 2010 a dezembro de 2011.

Cumpre registrar que o vínculo, apesar de não terem sido acostados a cópia do contrato de trabalho temporário, restou comprovado através dos comprovantes de CNIS juntados, além de que, em sede de contestação e em grau recursal, o município não negou a contratação e nem mesmo o período apontado na exordial, pelo que entendo que o vínculo e o período em que se deu estão comprovados.

Diante desse cenário, observa-se que a contratação da parte demandante afigura-se flagrantemente contrária ao artigo 37, incisos II e IX, da Constituição Federal de 1988, por ausência de prévia aprovação em concurso público para o desempenho de serviços ordinários permanentes do Estado e sem a devida exposição do interesse público excepcional que a justificasse.

É clara, portanto, a nulidade da contratação da parte, nos termos do artigo 37, § 2º, da Constituição Federal. Por via de consequência, o artigo 19-A da Lei Federal nº 8.036/1990 dispõe que é devido o depósito na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo...

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