Acórdão Nº 08006978020228205111 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 10-10-2023

Data de Julgamento10 Outubro 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08006978020228205111
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800697-80.2022.8.20.5111
Polo ativo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): LARISSA SENTO SE ROSSI
Polo passivo
WELLINGTON PEREIRA DOS SANTOS
Advogado(s): ZUINGLE MARCOLINO LEITE DO REGO

RECURSO CÍVEL Nº 0800697-80.2022.8.20.5111

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE ANGICOS

RECORRENTE: BANCO BRADESCO S/A

ADVOGADO: LARISSA SENTO SE ROSSI

RECORRIDO: WELLINGTON PEREIRA DOS SANTOS

ADVOGADO: ZUINGLE MARCOLINO LEITE DO REGO

JUÍZA RELATORA: SABRINA SMITH CHAVES

EMENTA: CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE RÉ. FRAUDE CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DO VALOR DO CRÉDITO EM NOME DO AUTOR. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DA PARTE RÉ. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANO MORAL IN RE IPSA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do Recurso Inominado interposto e negar-lhe provimento, mantendo a sentença atacada por seus próprios fundamentos, nos termos do voto da Relatora. Condenação da parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Natal, 4 de outubro de 2023.

SABRINA SMITH CHAVES

Juíza Relatora

RELATÓRIO

Sentença proferida pelo Juiz de Direito RAFAEL BARROS TOMAZ DO NASCIMENTO, que se adota:

I – DA BREVE EXPOSIÇÃO.

Dispensado o relatório formal nos termos do art. 38 da lei 9.099/1995, passo a expor resumidamente o feito.

Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenizatória, ajuizada por Wellignton Pereira dos Santos, devidamente qualificado, em desfavor de Banco Bradesco S.A., igualmente qualificado.

Em apertada síntese, aduziu a parte autora que não celebrou qualquer contrato bancário e que, ainda assim, sofreu descontos mensais em seu benefício previdenciário. Afirmou que sequer recebeu o valor supostamente contratado. Requereu, ao final, a gratuidade da justiça e, no mérito, a inexistência dos débitos, bem como a condenação pelos danos materiais (devolução em dobro de valores descontados) e morais, estes no valor de R$ 10.000,00.

Juntou documentos.

Audiência preliminar infrutífera ao ID 88590550.

Formado o contraditório, a parte demandada alegou, em primeiro lugar, a inépcia da inicial, a falta do interesse de agir. Impugnou, ainda, a gratuidade da justiça. No mérito, asseverou que o negócio jurídico foi devidamente celebrado. Pleiteou, por fim, a extinção do feito sem resolução do mérito e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos. Solicitou, ainda, a condenação da parte autora em litigância de má-fé.

Juntou documentos.

Em réplica à contestação, a parte autora reafirmou os termos da inicial.

Intimadas para fins de produção de provas, a parte autora solicitou a inversão do ônus para a parte ré comprovar o depósito do valor e a parte ré solicitou audiência de instrução.

É a breve exposição. Decido.

II – DA FUNDAMENTAÇÃO.

1. Das questões prévias.

A análise dos autos não revelou qualquer questão prévia que impedisse o enfrentamento do cerne da situação concretamente deduzida. De toda sorte, convém esclarecer os pontos que se seguem.

Em primeiro lugar, não há que se falar em inépcia da inicial pela ausência de juntada de comprovante de residência em nome próprio, uma vez que a tal exigência representa formalismo exacerbado e contraria os princípios norteadores dos Juizados Especiais. Além disso, o endereço indicado à exordial corresponde àquele fornecido no contrato acostado pela parte ré.

Em segundo lugar, no que se refere à preliminar de falta de interesse de agir, também levantada pela parte demandada em sua defesa, entendo que a ausência de requerimento administrativo prévio não obsta o direito de ação do consumidor de acionar o Judiciário para buscar reparação pelos supostos danos morais e materiais decorrentes de ilícito civil ante a primazia do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Além disso, a pretensão resistida restou nitidamente configurada no presente caso quando a parte demandada contestou os pedidos autorais sem qualquer reconhecimento do direito invocado à exordial. Em casos análogos, a jurisprudência já sedimentou que, “para configuração do interesse de agir nas ações indenizatórias, o prévio requerimento administrativo é desnecessário, mormente quando há resistência à pretensão deduzida na inicial em sede de contestação” (TJMG, Apelação Cível 1.0000.18.030155-8/001, julgado em 22/05/2018).

Em terceiro lugar, sendo certo que, ao menos em um primeiro momento, as partes, nos juizados, gozam de isenção de custas (art. 54 da lei 9.099/1995), não há que se acolher a impugnação da parte ré nesse ponto.

Em quarto lugar, é incontroversa a aplicação do CDC ao presente caso, pois as partes autora e ré se enquadram, respectivamente, nos conceitos de consumidor e de fornecedor previstos nos arts. e daquele diploma. Inclusive, o art. 3º, §2º, do CDC é expresso em incluir as atividades de natureza bancária fornecidas no mercado de consumo no conceito legal de “serviço” e o STJ sumulou o entendimento (297). Por outro lado, considerando as diferenças entre vício e defeito[1] e tendo em vista o pleito por danos morais, resta evidente a discussão sobre acidente de consumo. Assim, para a solução da situação concretamente deduzida, há que se aplicar as normas do título 1, capítulo IV, seção II, do CDC (“da responsabilidade por fato do produto e do serviço”), além daquelas relacionadas às práticas comerciais e à proteção contratual.

Em último lugar, verifico que o processo comporta julgamento antecipado de mérito, uma vez que a produção de provas solicitadas pelas partes não merece acolhimento, nos termos do art. 370, PU, do CPC.

Em se tratando de ação cujo objeto é a discussão sobre defeito na prestação de serviço, entendo que o depoimento pessoal da parte autora (art. 385 do CPC), a prova testemunhal (art. 442 do CPC) e expedição de ofício são espécies probatórias que devem ser indeferidas.

As regras de experiência (art. 375 do CPC) demonstram que o depoimento pessoal da parte autora é uma mera repetição das alegações contidas na inicial, revelando-se inútil e, consequentemente, passível de indeferimento (art. 370, PU, do CPC e enunciado 3 da ENFAM sobre processo civil).

Com relação à prova testemunhal, há patente imprestabilidade e, por essa razão, inadmissibilidade (art. 443, II, do CPC). Isso porque, para o deslinde desse tipo de demanda, são necessários a prova documental, e, conforme o caso, análise técnica no produto/serviço, a exigir perícia.

Ainda, quanto à adoção de diligências para a parte ré comprovar o depósito, tal requerimento está relacionada ao âmbito do ônus probatório das partes, de modo que é dever da parte ré apresentá-lo em juízo por seus próprios meios, os quais são absolutamente disponíveis pelo simples fato de ser o depositante. Por outro lado, eventual impugnação no sentido de não recebimento de valores recai sobre a parte demandante, que também tem condições de se dirigir à agência na qual existe, em tese, conta de sua titularidade.

Desse modo, presentes as condições da ação e pressupostos processuais, houve o regular desenvolvimento do processo, estando pronto para julgamento de mérito.

2. Do negócio jurídico.

2.1. Da prova.

Para o deslinde de situações concretamente deduzidas como a que se analisa nos presentes autos (prova diabólica para o consumidor), exijo, em um primeiro momento e a cargo da parte ré (seja por inversão legal do ônus de prova quando se alega defeito no serviço, seja por inversão judicial do referido ônus para facilitação da defesa do consumidor em juízo)[2], a prova do negócio jurídico supostamente celebrado pelas partes, consistente em um meio legal pelo qual se torna possível ao magistrado, através de elementos objetivos e mediante um juízo amparado no princípio da persuasão racional, verificar a existência de declarações de vontade no sentido de criar a relação jurídica de índole bancária.

Igualmente em razão da natureza da situação jurídica trazida ao Judiciário, tenho dado preferência, dentre os meios de prova listados pelo art. 212 do CC, aos documentos escritos, mesmo para os negócios de ordem bancária que eventualmente não tenham forma prescrita em lei.

Isso porque, em face da organização inerente à exploração de qualquer empresa, ainda mais naquelas de natureza relacional, em que o empresário ou a sociedade empresária são obrigados a um contato mais duradouro, necessariamente pautado na boa-fé, com seu cliente, o que gera uma série de obrigações, para além das estritamente contratuais, a parte demandada tem e deve ter melhores condições de se resguardar, inclusive documentalmente, haja vista a exigência de segurança nas relações travadas desse caráter, sob pena de vir a responder por todas aquelas obrigações (deveres anexos).

Como, no âmbito das operações financeiras, as regras da experiência demonstram que é comum a ocorrência de fraudes, devem os bancos, no momento da formação de negócios jurídicos em geral, usar da prudência e dos cuidados necessários na averiguação de dados e na checagem da documentação e das informações apresentadas pelo consumidor, reduzindo tudo a escrito. Inclusive, o ato escrito melhor atende ao art. 46 do CDC, que exige que seja oportunizado ao consumidor o conhecimento prévio dos contratos para que estes lhe obriguem.

No caso, conforme ônus probatório que lhe recai e nos termos da lei civil, a parte demandada juntou os documentos típicos do negócio jurídico bancário (contrato acompanhado de documentos pessoais), de tal forma que passa a ser atribuição da parte demandante...

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