Acórdão Nº 08006995520238205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 24-11-2023

Data de Julgamento24 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08006995520238205001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800699-55.2023.8.20.5001
Polo ativo
NOEMIA MARIA DA SILVA BRITO
Advogado(s): DANIEL PASCOAL LACORTE
Polo passivo
BANCO BMG SA
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO



PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Vivaldo Pinheiro na Câmara Cível


Apelação Cível nº 0800699-55.2023.8.20.5001

APELANTE: NOEMIA MARIA DA SILVA BRITO

Advogado(s): DANIEL PASCOAL LACORTE

APELADO: BANCO BMG S/A

Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

Relator: Juiz Convocado Eduardo Pinheiro

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE DESCONTOS INDEVIDOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES DA AUTORA. VEDAÇÃO À CONDUTA DA PARTE QUE ASSIM PROCEDE POR INFRINGIR NORMA CONSTITUCIONAL ( ART. 5° LXXVIII) QUE ASSEGURA AO DEMANDANTE PROBO O DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E OS MEIOS QUE GARANTAM A CELERIDADE DA SUA TRAMITAÇÃO E OS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA, COOPERAÇÃO, LEALDADE, ECONOMIA E BOA-FÉ PROCESSUAIS. INTERESSE DE AGIR E DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS AUSENTES. INCIDÊNCIA DA RECOMENDAÇÃO Nº 127/2022 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E NOTA TÉCNICA Nº 01/2020 DO CENTRO DE INTELIGÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO RN - CIJESP/TJRN. LITIGIOSIDADE ARTIFICIAL EXAUSTIVAMENTE COMPROVADA MEDIANTE INSERÇÃO, NA SENTENÇA, DE DADOS EXTRAÍDOS DO PJe E GPS-JUS QUE ATESTARAM O CRESCIMENTO EXPONENCIAL E IMOTIVADO DE DEMANDAS COM CARACTERÍSTICAS DE DEMANDA PREDATÓRIA E ASSÉDIO PROCESSUAL (REsp 1.817.845). DEVER DO MAGISTRADO DE REPRIMIR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA ( ART. 139, III, CPC) SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

I – Comprovado que a parte utilizou o processo em flagrante abuso do direito de demandar, na mera busca pela condenação da instituição financeira ré nas verbas de sucumbência, congestionando o Poder Judiciário com ações fragmentadas e idênticas em face do mesmo demandado, a extinção do processo por ausência de interesse processual não acarreta a menor lesão ao princípio constitucional do acesso à Justiça e da inafastabilidade da Jurisdição ( artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal).

II - O exercício abusivo do direito de acesso à justiça pode e deve ser reprimido pelo Judiciário e o ajuizamento em massa de litígios que portam pretensões frívolas, prejudica o acesso à justiça do demandante probo, assoberba o Judiciário, escasseia seus recursos, diminui a qualidade e a celeridade da prestação jurisdicional e faz do processo “um simulacro de processo." (STJ - REsp: 1817845/MS Relator: Ministra Nancy Andrighi, j. 10/10/2019, 3ª Turma, DJe 17.10.2019)

III - "O processo não é um jogo de esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para efetivação dos direitos da cidadania" ( STJ - REsp nº 65.906/DF, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, Dj. 02.03.1998).

IV - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos, relatados e distribuídos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao presente recurso de Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.


RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por NOEMIA MARIA DA SILVA BRITO, em face da sentença proferida pelo Juízo da 17ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade Contratual c/c Inexistência de Débito, Danos Morais, Materiais e Pedido de Repetição de Indébito, julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, V do CPC.

Em suas razões recursais, a parte recorrente, assevera, basicamente, que as demandas apontadas pelo magistrado, não possuem o mesmo pedido e nem a mesma causa de pedir e que não há a ocorrência de litispendência.

Requer o recebimento e provimento do presente Recurso de Apelação para reformar a sentença vergastada, a fim de que os autos retornem ao juízo de primeiro grau para julgamento do mérito do processo.

Também pede a condenação do requerido ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes de acordo com o disposto do artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil.

Contrarrazões pugnando pelo não provimento do recurso.

Ausente interesse do Ministério Público que justifique sua intervenção.

É o relatório.

VOTO


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.


No caso em comento, temos a existência de uma apelação contra decisão do Juízo de primeira Instância que se baseou na multiplicidade de ações interposta pela parte Autora contra o promovido, todas que, segundo os fundamentos da sentença, ora atacada envolvendo as mesmas partes ou pessoas jurídicas do mesmo conglomerado, causa de pedir e pedidos semelhantes.


A presente ação foi extinta sem julgamento de mérito, com base do art. 485, V do CPC, ou seja, devido a prevenção.


Constata-se que a conduta da parte Autora é reprovável, pois segundo o levantamento das diversas ações relatadas na sentença recorrida oneram os cofres públicos e implicam em diversos prejuízos para a celeridade processual, assoberbando ainda mais o judiciário.


O caso dos autos não pode ser pensado de maneira isolada. Demanda maiores reflexões sobre o próprio significado de Justiça, o funcionamento do Judiciário, seus fins, seus recursos humanos e materiais ( que nunca foram inesgotáveis e estão a cada dia mais escassos)


O exercício abusivo do direito de acesso à justiça pode e deve ser reprimido pelo Judiciário e o ajuizamento em massa de litígios, de maneira indevida, prejudica o acesso à justiça de quem realmente necessita de intervenção judicial para solucionar alguma questão, eis que assoberba o Judiciário, influindo na qualidade da prestação jurisdicional.


Além de dados estatísticos, carrega a presente forte carga de litigiosidade artificial e essa conclusão também encontra abrigo à luz da norma disposta no artigo 375, do CPC, a qual estabelece que o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ninguém melhor do que o Magistrado de origem para observar e combater tal fenômeno, o que fez com maestria singular.


Em verdade, o d. Magistrado sentenciante deu fiel interpretação e correta aplicação à norma legal fazendo uso adequado dos poderes e deveres que lhe são conferidos pelo art. 139, III, do CPC, verbis:

Art. 139. “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I ( ...)

II ( ...)

III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias.”

Nessa esteira, os Tribunais também reconhece o poder-dever do magistrado de reprimir demandas predatórias:


EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA - IRREGULARIDADE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo. (TJMG - Ap. Civ. 1.0000.23.169309-4/001, Rel. Des. Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, j. em 19/10/2023, publicação da súmula em 19/10/2023)


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA - NOTA TÉCNICA Nº 01/2022 EMITIDA PELO CIJMG - LITIGÂNCIA PREDATÓRIA - VICIO DE REPRESENTAÇÃO - AUSENCIA DE PODERES VÁLIDOS - PRESSUPOSTO DE VALIDADE INOCORRENTE - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

- A nota técnica nº 01/2022 - emitida pelo CIJMG - aponta parâmetros para identificação de demandas predatórias e orienta boas práticas de gestão de processos judiciais para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória.
(TJMG - Ap. Civ. 1.0000.23.091864-1/001, Relatora: Des.(a) Lílian Maciel , 20ª CÂMARA CÍVEL, j. em 18/10/2023, publicação da súmula em 19/10/2023)


Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo. (TJMG - Ap. Cív. 1.0000.22.107335-6/002, Rel. Des. Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, J. em 05/10/2023, publicação da súmula em 06/10/2023)

Até pouco tempo se ouvia falar na denominada “indústria do dano moral”, ações demandando indenização por dano moral, onde se denunciava a banalização daquele instituto.


Com as facilidades criadas pelo “Juízo 100%”, essa prática alcançou hoje proporções geométricas mediante a confecção de petições padronizadas, elaboradas em mídias digitais que narram fatos idênticos, onde, muitas vezes, sequer consta a qualificação do autor. Com efeito, o que antes se denominava “indústria do dano moral” hoje avançou para "demandismo judicial", "demandas predatórias", “litigiosidade artificial”, “demandas fabricadas”,” loteria judicial” Sham Litigation (falso litígio) ou "fake lides", pouco importando o nome com que é rotulada ou qualquer outro nome que se dê a...

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