Acórdão Nº 08007681020228205135 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 26-05-2023

Data de Julgamento26 Maio 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08007681020228205135
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800768-10.2022.8.20.5135
Polo ativo
MANOEL FERREIRA
Advogado(s): PEDRO EMANOEL DOMINGOS LEITE
Polo passivo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): WILSON SALES BELCHIOR registrado(a) civilmente como WILSON SALES BELCHIOR

EMENTA: CIVIL E CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA. DESCONTOS EM CONTA CORRENTE SOB A FORMA DE PACOTE DE SERVIÇOS. RESOLUÇÕES Nº 3.919/2010 E Nº 3.402/2006 DO BACEN. JUNTADA DO CONTRATO E DE EXTRATO BANCÁRIO QUE DEMONSTRA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS NÃO ESSENCIAIS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE COMPROVOU A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA E A EFETIVA UTILIZAÇÃO DE PRODUTOS BANCÁRIOS DIVERSOS PELA PARTE RECORRENTE. LEGITIMIDADE DOS DESCONTOS. AUSÊNCIA DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Manoel Ferreira em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Almino Afonso/RN que, nos autos da “Ação de Reparação por Danos Morais e Materiais” nº 0800768-10.2022.8.20.5135, ajuizada em desfavor de Banco Bradesco S/A, julgou a demanda nos seguintes termos (ID 19169945):

“Ora, há casos em que o consumidor tem seus documentos subtraídos ou mesmo perdidos, e, nesses casos, uma terceira eventualmente utiliza de seus dados indevidamente, abrindo cadastros em seu nome, auferindo vantagens financeiras e deixado a dívida para o consumidor, recaindo a responsabilidade pela verificação da lisura da contratação sob o fornecedor, já que é um risco da atividade comercial desenvolvida, contudo, não é o que se verifica nos autos, posto que, como sobredito, a parte autora não questiona a regularidade de sua conta bancária, afirmando tê-la contratado e dela vir se utilizando com total regularidade, questionando nesta ação tão somente a cobrança de tarifas de manutenção da mesma.

Em que pese a alegação de ilegalidade nos descontos a título da “PACOTE DE SERVIÇOS PADRONIZADO PRIORITARIOS I” afasto a tese autoral pois a parte ré trouxe aos autos a demonstração da manifestação de vontade da autora em contratar tal pacote de serviços, por meio do contrato assinado. (...)

Face ao exposto, nos termos do artigo 487, I, do Código Processual Cível, JULGO IMPROCEDENTE a presente demanda, extinguindo o feito com resolução do mérito.

Condeno a parte autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, conforme artigo 85, § 2º, do CPC. Porém, considerando a gratuidade judiciária anteriormente deferida, em razão do art. 98, § 3º, do CPC, fica a condenação sob condição suspensiva de exigibilidade, somente podendo ser executada, se nos 05 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, houver mudança na situação de insuficiência de recursos que autorizou a concessão do pedido.”

Inconformada com o referido decisum, a parte autora dele apelou (ID 19169949), aduzindo, em síntese, que: a) “a cobrança de tarifa em conta bancaria, cujo titular utiliza apenas os serviços essenciais, realiza apenas o saque da sua aposentadoria, é por deveras ilegal; b) “mesmo tendo deixado claro a finalidade de sua conta (apenas receber benefício), em nenhum momento foi informado pelo banco que NÃO precisava abrir uma conta de depósito à vista para receber seu salário”; c) “ainda que se sustente tenha sido inconscientemente autorizado pelo cliente, com a assinatura de um contrato padrão, sem maiores informações, a cobrança da tarifa não poderia ser feita pela instituição bancária demandada, posto que os serviços bancários utilizados pelo cliente não excederam aqueles classificados como essenciais”.

Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso para, reformando a sentença recorrida, seja acolhido o pedido inicial.

Intimada, a instituição financeira ré ofereceu contrarrazões no ID 19169953.

Ausentes as hipóteses do art. 178 do CPC a ensejar a intervenção ministerial.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se o mérito recursal em aferir a legitimidade ou não dos descontos efetivados em conta corrente de titularidade da parte autora, relativos à tarifa “Pacote de Serviços Padronizado Prioritários I”.

De início, cumpre destacar que a relação jurídica estabelecida entre as partes da presente ação é tipicamente de consumo, estando a parte autora enquadrada no conceito de consumidor e a parte ré no de fornecedor, conforme estabelecem os artigos e , da Lei nº 8.078/90.

No mesmo sentido, o Verbete Sumular nº 297, do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Nesse cenário, à luz do estatuto do consumidor, o fornecedor somente é isento de indenizar os danos caso obtenha êxito em demonstrar que não houve defeito na prestação do serviço, ou que o consumidor tenha sido o único responsável pelo ocorrido, ou, ainda, que o prejuízo tenha decorrido exclusivamente de ato de terceiro, sem que aquele tenha concorrido para o evento (art. 14, § 3º, II, CDC).

No caso em exame, a parte demandante alega que a conta é operada tão somente para percepção de sua aposentadoria e que nunca se utilizou de serviços bancários além daqueles considerados essenciais, razão pela qual as cobranças tarifárias seriam ilegítimas.

Contudo, em que pese os argumentos aduzidos no apelo, a pretensão recursal não comporta provimento.

Como é cediço, em se tratando de conta salário, não movimentável por cheque e destinada, exclusivamente, para percepção de salários, proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares, a Resolução nº 3.402, de 2006, do Banco Central, veda a cobrança de tarifas pela instituição financeira para o ressarcimento de serviços bancários. Confira-se:

Art. 1º A partir de 2 de abril de 2007, as instituições financeiras, na prestação de serviços de pagamento de salários, proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares, ficam obrigadas a proceder aos respectivos créditos em nome dos beneficiários mediante utilização de contas não movimentáveis por cheques destinadas ao registro e controle do fluxo de recursos, às quais não se aplicam as disposições da Resolução 2.025, de 24 de novembro de 1993, com as alterações introduzidas pelas Resoluções 2.747, de 28 de junho de 2000, e 2.953, de 25 de abril de 2002, nem da Resolução 3.211, de 30 de junho de 2004. (Prazo prorrogado pela Resolução 3.424, de 21/12/2006.) (...)

Art. 2º Na prestação de serviços nos termos do art. 1º:

I - é vedado à instituição financeira contratada cobrar dos beneficiários, a qualquer título, tarifas destinadas ao ressarcimento pela realização dos serviços, devendo ser observadas, além das condições previstas nesta resolução, a legislação específica referente a cada espécie de pagamento e as demais normas aplicáveis; (...)

§ 1º A vedação à cobrança de tarifas referida no inciso I aplica-se, inclusive, às operações de:

I - saques, totais ou parciais, dos créditos;

II - transferências dos créditos para outras instituições, quando realizadas pelos beneficiários pelo valor total creditado, admitida a dedução de eventuais descontos com eles contratados para serem realizados nas contas de que trata o art. 1º, relativos a parcelas de operações de empréstimo, de financiamento ou de arrendamento mercantil.".

Ainda sobre temática, a Resolução nº 3.919/2010 do BACEN exige, em seu artigo 1º, a previsão contratual ou prévia autorização/solicitação do cliente para que haja a cobrança de qualquer tarifa pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras, em harmonia com os preceitos estatuídos na legislação consumerista, in verbis (grifos acrescidos):

Art. 1º A cobrança de remuneração pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, conceituada como tarifa para fins desta resolução, deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.

Analisando detidamente o caderno processual, sobretudo o próprio extrato anexado à exordial (ID 19169165), observa-se que, na verdade, a demandante é titular de uma conta corrente comum, fazendo uso de outros produtos e serviços bancários, a exemplo de pagamento de boletos, transferências e limite de cheque especial, o que desnatura a alegação de tratar-se de conta exclusiva para recebimento de aposentadoria.

Ademais, a instituição financeira trouxe à colação o comprovante de adesão ao pacote de serviços, fato este, diga-se, não controvertido, além do extrato de conta corrente contendo operações não-essenciais (ID 19169929 - Pág. Total – 80 e ss.), derruindo a narrativa de irregularidade da contratação.

Ressoa evidente, portanto, que a parte recorrente não somente aquiesceu com a cobrança da tarifa, mas também se utilizou de produtos/serviços não abrangidos pela isenção tarifária prevista na Resolução 3.402, de 2006, do BACEN.

Nessa linha, tem-se que o banco recorrido se desvencilhou do seu ônus de comprovar a regularidade da cobrança questionada na lide, demonstrando inexistir qualquer falha na prestação do serviço.

A propósito, em casos semelhantes, esta Corte de Justiça já se manifestou (grifos acrescidos):

DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. TARIFA...

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