Acórdão Nº 08007880720228205133 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 05-05-2023

Data de Julgamento05 Maio 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08007880720228205133
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800788-07.2022.8.20.5133
Polo ativo
MARIA CELIA DE OLIVEIRA
Advogado(s):
Polo passivo
MUNICIPIO DE TANGARA e outros
Advogado(s):

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. I DA PRELIMINAR DE CARÊNCIA DA AÇÃO POR AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA. REJEIÇÃO. II – MÉRITO. DISPONIBILIZAÇÃO DE FÁRMACO PRESCRITO POR PROFISSIONAL MÉDICO À USUÁRIA HIPOSSUFICIENTE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FUROSEMIDA, CARVEDILOL, ESPIRONOLACTONA E XARELTO. MEDICAMENTOS COM REGISTROS NA ANVISA. INAPLICABILIDADE DAS TESES FIRMADAS PELO STF NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 566.471/RN. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. DIREITO À SAÚDE E À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento à Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Apelação Cível interposta pelo Município de Tangará/RN em face de sentença da Vara Única da Comarca de Tangará/RN que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer nº 0800788-07.2022.8.20.5133, contra si movida por Maria Celia de Oliveira, foi prolatada nos seguintes termos (Id 18852196):

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, julgo procedente a pretensão formulada na inicial para condenar o Município de Tangará/RN a fornecer a demandante os medicamentos FUROSEMIDA 40mg; CARVEDILOL 25mg; ESPIRONOLACTONA 25mg; e XARELTO 20mg, conforme quantidades médicas anotadas, confirmando a tutela antecipada anteriormente deferida.

Sem custas processuais e ausente também condenação em honorários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Irresignado, o ente federado persegue reforma do édito judicial a quo.

Em suas razões (Id 18852196), agita a prefacial de carência da ação por ausência de pretensão resistida.

No mérito, defende que: i) “a distribuição de medicamentos insere-se nas atribuições do gestor público de saúde”; e ii) “os recursos públicos são escassos, insuficientes para atender a todas as demandas da sociedade. Por isso, incumbe ao gestor público, com base em tais restrições, fixar prioridades e efetivar as políticas públicas em conformidade com o ordenamento jurídico, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.

Cita julgados que avalia subsidiar a sua argumentação, pugnando pelo conhecimento e provimento do recurso para declaração de improcedência dos pleitos inaugurais.

Contrarrazões ao Id 18852202, pugnando pela manutenção incólume do decisum primevo.

Com vista dos autos, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Id 18927724).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da Apelação Cível.

I – Da preliminar de carência da ação por ausência de pretensão resistida

Defende o apelante que a demanda deve ser extinta sem resolução do mérito em virtude da carência da ação. Sem razão.

Os documentos insertos ao Id 18852177 comprovam que a promovente, assistida pela Defensoria Pública Estadual, diligenciou junto à Secretaria de Saúde Tangará/RN para obter informações sobre “Os motivos do não fornecimento do(s) medicamento(s) e/ou insumos descritos no(s) laudo(s) médico(s) em anexo(s)”, todavia, não obteve resposta.

Forçada, portanto a prefacial ventilada pelo recorrente, razão pela qual merece ser rechaçada.

II – Mérito

No mérito, de melhor sorte não goza o apelante.

Cinge-se o mérito do reexame em aferir o acerto do magistrado singular quando condenou o Município de Tangará/RN “a fornecer a demandante os medicamentos FUROSEMIDA 40mg; CARVEDILOL 25mg; ESPIRONOLACTONA 25mg; e XARELTO 20mg” nas quantidades e periodicidades prescritas pelo médico a acompanha.

Adianto que o julgado não merece reparos.

O que está em discussão é o direito à vida e à saúde, bem como ainda a sua dignidade, direitos estes garantidos constitucionalmente nos artigos e da CF e tidos como cláusulas pétreas.

Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) inaugurou a concepção do sistema da seguridade social, englobando o risco social nas áreas de previdência, assistência e saúde pública. Sob este novo viés, o direito à saúde é previsto como direito fundamental (arts. e 196 da CF/88[1]), com hierarquia axiológica superior às demais garantias constitucionais, sendo dever fundamental do Estado a adoção de políticas institucionais para sua efetivação, por ter este aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF/88).

Não por outro motivo, a Carta Magna preceitua em seu artigo 23, inciso II, a responsabilidade solidária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar da saúde e assistência pública, cujas ações e serviços serão desenvolvidos de forma integrada, regionalizada e descentralizada (art. 198, inciso I, da CF/88), por meio de um Sistema Único de Saúde-SUS (gerido pela Lei nº 8.080/1990).

A lei regente do SUS, Lei Federal nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, na mesma toada, atribui a todos os entes federados a prestação dos serviços de saúde, atendendo aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade (integralidade de assistência), em todos os níveis de governo, alcançando solidariamente as figuras estatais.

Nesta esteira, vê-se que os três entes da federação são partes legítimas para figurar no polo passivo de demandas que tenham por objeto a consecução plena do direito à saúde, materializado por intermédio do fornecimento de medicamentos e/ou procedimentos médicos indispensáveis.

Com efeito, ao SUS compete a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade e em qualquer das esferas de poder, de modo a assegurar o princípio maior, que é a garantia à vida digna.

In casu, a paciente Maria Celia de Oliveira, com 56 anos de idade, apresenta quadro clinico de “MIOCARDIOPATIA DILATADA DE GRAU IMPORTANTE (CID 10: 142.0), HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (CID 10: I10) e INSUFICIÊNCIA CORONARIANA (CID 10: I25.0)”, sendo-lhe prescrito pelo médico que a acompanha os fármacos FUROSEMIDA, CARVEDILOL, ESPIRONOLACTONA e XARELTO.

Como comprovado na exordial, os medicamentos em questão estão registrados na ANVISA, assim, não se aplica ao caso em comento as premissas assentadas pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN.

Ademais, o entendimento dominante desta Corte de Justiça é no sentido de que o ente público deve fornecer os medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde, de acordo com a prescrição médica, independe de previsão em lista do Ministério da Saúde, eis que cabe ao médico que acompanha o paciente a decisão acerca do tratamento a ser realizado. Senão, vejam-se os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CÍVEL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PACIENTE CARENTE E PORTADOR DE PATOLOGIA QUE DEMANDA USO CONTÍNUO DE MEDICAMENTO. RECUSA DO ENTE ESTATAL EM FORNECÊ-LOS. FÁRMACO QUE NÃO CONSTA DA RELAÇÃO NACIONAL DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS (RENAME). RESTRIÇÃO ILEGÍTIMA. AFRONTA A DIREITOS ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS IMPRESCINDÍVEIS AO TRATAMENTO DE SAÚDE DO CIDADÃO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

- Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, o que impõe ao Poder Público a obrigação de fornecer gratuitamente, às pessoas desprovidas de recursos financeiros, a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde.

- O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população.

- Conhecimento e provimento do Apelo.

(TJ/RN – Apelação Cível nº 2017.001988-1 – Relator: Juiz Convocado Roberto Guedes, 1ª Câmara Cível, Julgado em 08.03.2018). Grifos acrescidos.

CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL. AUTORA, COM 5 (CINCO) ANOS DE IDADE, DETENTORA DE ALERGIA ALIMENTAR (INTOLERÂNCIA À LACTOSE E À SACAROSE). USO DE ALIMENTAÇÃO NUTRICIONAL ESPECÍFICA PRESCRITA POR MÉDICO. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE A AMPARAR O PEDIDO DE FORNECIMENTO DO SUPLEMENTO RECEITADO POR MÉDICO. DIREITO À SAÚDE E À VIDA DECORRENTE DO INTOCÁVEL PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DA FEDERAÇÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO INDEPENDENTEMENTE DE PREVISÃO EM LISTA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (RENAME). POSIÇÃO DOMINANTE DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE DE JUSTIÇA. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.

1. A despeito das disposições infraconstitucionais da Lei nº 8.080/90, que, tratando do funcionamento dos serviços de saúde, adota a descentralização político-administrativa como princípio básico do sistema de saúde, dando ênfase à atuação do Município, certo é que todas as esferas de governo são responsáveis pela saúde da população, visto que o direito à vida e à saúde se sobrepõe a todo e qualquer interesse do Estado, como consequência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana.

2. O postulado processual relativo à legalidade orçamentária deve ser suplantado diante da prevalência de direitos tão plausíveis quanto os da saúde e da vida.

3. Precedentes do STF (RE 855178 RG, Relator Min. Luiz Fux, j. 05/03/2015, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-050 divulgação em 13/03/2015 Publicado em 16/03/2015; RE 724292 AgR/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª T, j.09/04/2013; RE 716777 AgR /RS, Rel. Ministro...

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