Acórdão Nº 08008319220198205150 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal Temporária, 17-08-2021

Data de Julgamento17 Agosto 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08008319220198205150
Órgão1ª Turma Recursal Temporária
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800831-92.2019.8.20.5150
Polo ativo
JOSE DELMIRO DA SILVA
Advogado(s): ANTONIO KELSON PEREIRA MELO
Polo passivo
BANCO SANTANDER
Advogado(s): LOURENÇO GOMES GADÊLHA DE MOURA

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, FAZENDAS PÚBLICAS E CRIMINAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL N° 0800831-92.2019.8.20.5150

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE PORTALEGRE

RECORRENTE JOSE DELMIRO DA SILVA

ADVOGADOS: Antonio Kelson Pereira Melo

RECORRIDO: BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A

ADVOGADO: LOURENÇO GOMES GADELHA DE MOURA

JUÍZA RELATORA: SULAMITA BEZERRA PACHECO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO REALIZADO POR ANALFABETO. ASSINATURA A ROGO CONFIGURADA. CONTRATO VÁLIDO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.



ACÓRDÃO

DECIDEM os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Temporária dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e, por maioria de votos, negar provimento ao recurso para manter a sentença. Com condenação em custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, restando suspensa sua exigibilidade nos termos do §3º do art. 98 do CPC. Vencido o Juiz José Maria do Nascimento que votou pelo provimento do recurso.

Natal/RN, data da assinatura eletrônica.

SULAMITA BEZERRA PACHECO

Juíza Relatora

SENTENÇA

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95. No entanto, entendo indispensável fazer uma pequena síntese dos fatos.

Trata-se de pretensão reparatória de danos materiais e morais c/c repetição de indébito e pedido de tutela de urgência antecipatória proposta por JOSE DELMIRO DA SILVA em desfavor do BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO, objetivando que seja declarada a inexistência do débito referente ao contrato de empréstimo consignado de n. 144223949, com a consequente cessação dos descontos, restituição em dobro dos valores efetivamente descontados e condenação do réu na obrigação de pagar indenização por Danos Morais.

Para tanto, a parte autora alega que identificou os descontos em seu benefício que recebe do INSS. Sustenta tratar de empréstimos fraudulento ou realizado em desconformidade com a legislação vigente. Alega ainda que o valor teria sido depositado na conta da parte autora de forma voluntária pela instituição demandada, o que configuraria amostra grátis.

Citada, a parte demandada apresentou contestação no ID 50492320 oportunidade em que esclareceu que O Contrato de nº 144223949 trata-se de um REFINANCIAMENTO DE EMPRESTIMO CONSIGNADO no valor de R$5.973,37 em 72 (setenta e dois) parcelas no valor de R$ 162,00 cada parcela, e o valor de R$5.015,45 foi retido pelo Banco Olé Bonsucesso Consignado S/A para quitação do débito do contrato anterior que a Parte Demandante tinha junto ao banco
demandado, sendo este REFINANCIADO
que a celebração do negócio jurídico atendeu a legislação em vigor, razão pela qual requereu a improcedência da demanda. Com a inicial foram juntados o(s) contrato(s) e TED(s) alegado(s).

Realizada Audiência Conciliatória sem acordo, conforme se extrai do termo de ID 50533561.

Na sequência, a parte autora apresentou réplica à contestação, oportunidade em que se limitou a trazer argumentos genéricos, não negando ter recebido os valores do(s) empréstimo(s) em sua conta.

Em seguida, vieram-me os autos conclusos.

Passo a fundamentar e DECIDIR.

Destaque-se que se encontra consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência.

Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demanda, pois o mérito será decidido em seu favor (parte a quem aproveite a decretação da nulidade), o que faço com fundamento no art. 282, §2º do CPC.

Quanto à situação fática não há divergência. A parte autora alega irregularidade na celebração do contrato em razão de ser analfabeta e, como consequência, requer a declaração de nulidade com a restituição em dobro dos valores descontados e condenação da demandada na obrigação de pagar danos morais.

Quanto às provas, está provado que a parte autora é analfabeta. Inclusive a procuração passada ao advogado foi assinada a rogo. No(s) ID(s) 50492325 foi juntado(s) o(s) contrato(s) de empréstimo(s) consignado(s) com assinatura a rogo da parte autora. Por sua vez, no(s) ID(s) 50492327, 50492328 e 50493630 foi juntado(s) o(s) comprovante(s) de TED a qual aponta que o dinheiro foi transferido para a conta da parte autora. Não há controvérsia a respeito.

A única discussão diz respeito à validade do negócio jurídico e as consequências decorrentes.

Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado tem previsão na Lei n. 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores, a qual foi regulamentada pelo INSS por meio da Instrução Normativa n. 28, de 16 de maio de 2008 (publicada no DOU de 19/05/2008).

Quanto aos contratos de empréstimos consignados, este juízo fixou entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.

Essa interpretação inicial decorreu da antiga leitura do art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 que diz que as pessoas que não sabem ou não podem assinar deve fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo ser colhida a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo.

A partir do artigo acima e da leitura conjunta do art. 104, III c/c art. 166, IV, ambos do Código Civil, em razão do não atendimento do requisito de validade do negócio (forma prescrita ou não defesa em lei), este juízo declarava a nulidade do negócio jurídico.

Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.

Primeiro porque o art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 está inserido no capítulo II (Da Escrituração e Ordem de Serviço) do Título II que trata do Registro de Pessoas Naturais. Como se sabe, a Lei n. 6.015/73 dispõe sobre os registros públicos. Ademais, o que o art. 37 determina é que, quando a parte não souber assinar, será coletada assinatura a rogo. No entanto, essa exigência é para os contratos de natureza pública, o que não é o caso do contrato de empréstimo consignado. Não subsiste razão para aplicação subsidiária do art. 37 da Lei n. 6.015/73 a esse tipo de contrato que possui normatização específica na Lei n. 10.820/2003 e na IN n. 28/2008. Senão vejamos.

Conforme se extra do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no sentido de que a autorização para a consignação do empréstimo e a celebração do contrato por analfabeto se dê mediante escritura pública. Pelo contrário, a IN autoriza inclusive que a autorização se dê por meio eletrônico. Eis a redação do art. 3, III e 5º:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

...

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.

...

Art. 5º A instituição financeira, independentemente da modalidade de crédito adotada, somente encaminhará o arquivo para averbação de crédito após a devida assinatura do contrato por parte do beneficiário contratante, ainda que realizada por meio eletrônico.

Sendo assim, não há amparo legal para este juízo declarar a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante “escritura pública”.

Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado nada mais é do que uma modalidade de contrato de empréstimo intitulado pela legislação civil de mútuo oneroso, pois existe reciprocidade de ônus e de vantagens para as partes contraentes, em razão das obrigações assumidas que mutuamente. A matéria é tratada nos artigos 586 a 592 do Código Civil.

Nas lições da doutrina de Álvaro Villaça Azevedo, verbis:

O contrato de mútuo, como o de comodato, é real, só se perfaz com a entrega da coisa mutuada; ele é informal, não solene, e deve provar-se por escrito, para atender ao disposto no art. 227 do CC. (Azevedo, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e atípicos. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.)

O art. 227 mencionado pelo doutrinador a qual exigia a forma escrita dizia respeito aos contratos que ultrapassem 10 vezes salário mínimo vigente no País os quais não poderiam ser provados apenas por prova testemunhal, o que demandaria a forma escrita. No entanto, o artigo foi revogado pela Lei n º 13.105/2015. Dessa forma, mesmo os contratos com valor superior a 10 vezes o maior salário mínimo vigente no País não mais exige forma escrita. No entanto, a forma escrita do contrato de empréstimo consignado decorre da Lei n. 10.820/2003 que regulamenta o empréstimo consignado e exige que a instituição consignatária remeta os documentos do empréstimo consignado para a pessoa jurídica responsável pelo pagamento promova a averbação da consignação em folha. No entanto, a exigência é que a forma seja escrita, mas não solene.

Aliás, esse entendimento a respeito da prova do contrato mediante apenas instrumento particular é antiga no direito...

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