Acórdão Nº 08008335020228209000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2ª Turma Recursal, 16-06-2023

Data de Julgamento16 Junho 2023
Classe processualMANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
Número do processo08008335020228209000
Órgão2ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL

Processo: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL - 0800833-50.2022.8.20.9000
Polo ativo
JOAO VINICIUS LEVENTI DE MENDONCA
Advogado(s): JOAO VINICIUS LEVENTI DE MENDONCA
Polo passivo
JUIZ DE DIREITO DO 9º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE NATAL/RN
Advogado(s):

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

2ª TURMA RECURSAL

Gabinete do Juiz Fábio Antônio Correia Filgueira



MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL Nº 0800833-50.2022.8.20.9000

PARTE IMPETRANTE: JOAO VINICIUS LEVENTI DE MENDONCA

ADVOGADO: DR. JOAO VINICIUS LEVENTI DE MENDONCA

PARTE IMPETRADA: JUÍZO DE DIREITO DO 9º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE NATAL/RN

JUIZ RELATOR: FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA


EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MODALIDADE QUOTA LITIS. CONTRATAÇÃO DEFINIDA EM 50% DO VALOR PROVENIENTE DO SUCESSO DA CAUSA. QUANTIA EXCESSIVA RESULTANTE. EXAME DAS PARTICULARIDADES DO CASO. AUSÊNCIA DE PROVA DO ABUSO. LIMITAÇÃO JUDICIAL EM 30%. AFASTAMENTO. MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ADVOCATÍCIO. EXTENSÃO DO JULGADO A DEMANDAS FUTURAS. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA FUNCIONAIS DO MAGISTRADO. EXEGESE DOS ARTS.95, 93, IX, E 371 DO CPC. PROVIMENTO PARCIAL.



ACÓRDÃO



DECIDEM os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade, conhecer do mandado de segurança e dar-lhe provimento, em parte, nos termos do voto do Relator. Sem custas nem honorários advocatícios.

Natal/RN, data conforme o registro do sistema.

FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA

1º Juiz Relator


RELATÓRIO


Trata-se de mandado de segurança interposto por JOAO VINICIUS LEVENTI DE MENDONCA contra ato da magistrada do 9º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Ação Ordinária nº 0802057-17.2021.8.20.5004, promovida em face do BANCO BRADESCO S/A, indeferiu o percentual de 50% dos honorários contratuais, ad exitum, reduzindo-o para 30%, determinando, ainda, a expedição de alvará em favor da parte autora no percentual de 70%.

A parte impetrante aduziu, em síntese, que a magistrada, autoridade impetrada, reduziu e limitou os honorários contratuais do Patrono, ora impetrante, no percentual de 30% sobre o valor da condenação, ignorando o contrato de prestação de serviço e a procuração, juntados aos autos.

Enfim, requereu a suspensão da ordem judicial para que seja determinada a expedição de alvará/determinação de transferência no importe de 50% dos valores obtidos na ação de origem, nos termos contrato de prestação de serviços advocatícios, e que a impetrada se abstivesse de indeferir novos pedidos de levantamento de alvarás e proceder a alterações de percentual antevistos nos contratos de honorários advocatícios.

Houve o deferimento da liminar com a determinação para a retenção da verba a receber pelo cliente do impetrante no percentual de 50%, a título de honorários contratuais, e a liberação por alvará, de imediato, em favor do impetrante, do percentual de 30%, até o julgamento do mérito do presente mandamus.

Informações prestadas pela autoridade coatora.

Parecer do Ministério Público por ausência de interesse no feito.


VOTO


A controvérsia envolve saber: i) se há excesso ou desproporção na definição dos honorários advocatício na modalidade quota litis no percentual de 50% da verba obtida na demanda patrocinada; ii) se cabe a determinação para que o juiz, em casos futuros, abstenha-se de ponderar a limitação deles, buscando-se uma decisão erga omnes.

À luz do art. 22 da Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, é assegurado aos advogados o direito aos honorários da forma convencionada:

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

No mesmo sentido, o Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu art. 38, especifica a temática:

"Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos de honorários da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte ou do cliente".

Pois bem. A quota litis consiste numa cláusula contratual específica dos contratos de honorários advocatícios, destinada a remunerar o causídico com base na vantagem financeira obtida pelo cliente em uma demanda judicial. A regulação dela, como se observa, está no Código de ética da OAB, que não se trata de norma no sentido próprio, de caráter vinculativo geral, mas serve de orientação para os integrantes da categoria profissional e constitui importante parâmetro interpretativo para resolver divergências a respeito.

De fato, a regra acima estipula que os honorários não podem ultrapassar as vantagens advindas em favor do constituinte ou cliente. Eis o teto ou o máximo a se exigir nesse tipo de contratação.

No mesmo sentido, é a jurisprudência das Turmas Recursais, inclusive, deste Estado:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO QUE DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS, POR ENTENDER ABUSIVA A CLÁUSULA DE ÊXITO AVENÇADA NO IMPORTE DE 40%, ANTE A AUSÊNCIA DE COMPLEXIDADE DA CAUSA. REDUÇÃO DO PERCENTUAL POR ATUAÇÃO DE OFÍCIO DO JUÍZO IMPETRADO. ARTIGO 22 DA LEI Nº 8.906/1964, CUMULADO COM ARTIGO 38 DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO CÓDIGO DE ÉTICA. LIMINAR DEFERIDA. CONCESSÃO DA SEGURANÇA NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

A cláusula contratual que estabelece o pagamento de honorários quota litis, ou seja, cujo pagamento fica condicionado ao êxito da demanda, é válida, existindo a condicionante de que o valor recebido pelo causídico não ultrapasse a quantia auferida pelo constituinte (art. 38 do Código de Ética e Disciplina da OAB), cabendo destacar que o art. 22 da Lei nº 8.906/1964 assegura aos advogados o direito aos honorários convencionados.

Na espécie, o contrato de honorários advocatícios prevê, em sua cláusula segunda, o pagamento equivalente a 40% sobre o valor advindo com as possíveis indenizações (ID 10493760 - Pág. 2), o que não contraria o art. 38 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0800406-87.2021.8.20.9000, Rel. Juiz MADSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES, 1ªTR, Dje 08/03/2022).

Por outro lado, a participação do advogado em bens particulares do cliente, em especial sem condições pecuniárias ou hipossuficiente, é uma medida de exceção, a exigir, assim, exegese restritiva do contexto do valor dos honorários estabelecidos.

É o que se extrai do parágrafo único do art. 38 do Código de Ética:

"Parágrafo único. A participação do advogado em bens particulares de cliente, comprovadamente sem condições pecuniárias, só é tolerada em caráter excepcional, e desde que contratada por escrito".

Sobre tema, o art. 36 do Código de Ética estipula que os honorários devem ser fixados com moderação, atendidos os seguintes elementos: a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas; o trabalho e o tempo necessários; a possibilidade de o advogado ficar impedido de intervir em outros casos; o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito por este obtido; o lugar da prestação; a competência e o renome profissional; a praxe do foro sobre trabalhos análogos. É claro, são exemplificativos. Contudo, apontam um caminho a trilhar.

In casu, não há, sequer, indícios de que o cliente do causídico impetrante tenha poucos recursos ou não possua escolaridade suficiente para entender a natureza e e o alcance do contrato de prestação de serviço advocatício celebrado, relação essa, aliás, que não se submete ao Código de Defesa do Consumidor, que presume a vulnerabilidade de uma das parte da contratação. Por outro lado, deve-se considerar que o advogado, ao utilizar a modalidade quota litis, quase sempre, leva em conta a proposta do cliente para pagar depois do sucesso da causa, mesmo que tenha trâmite no Juizado Especial, e isso lhe impõe despender tempo e recursos materiais, como deslocamentos para audiências, na busca de obter êxito na causa, mas sem a certeza, em muitas ocasiões, de que conseguirá, e se não conseguir, sofre os efeitos do risco assumido.

Por isso, ausente prova de que o causídico extrapolou os limites da razoabilidade, de acordo com as peculiaridade do caso, deve-se manter hígido o percentual de 50% sobre a verba recebida do cliente, sendo, por conseguinte, ilegítima a redução impugnada.

Por derradeiro, não é o caso de se ordenar que a autoridade coatora abstenha-se de efetivar novas reduções de honorários, nas mesmas circunstâncias em discussão, porque, além de a medida carecer da necessária concretude ao acolhimento, requisito de qualquer demanda individual, tal deferimento violaria a independência e a autonomia funcionais do magistrado para decidir nos autos de acordo com o livre convencimento motivado, nos termos dos arts. 95, 93, IX, ambos da CF, e 371 do CPC, além do que existe base jurisprudencial para que o faça, à luz do caso concreto, se constatar o abuso, vide: STJ/REsp n. 1.903.416/RS, 2ªT, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 2/2/2021, DJe de 13/4/2021.

Pelo exposto, concedo a segurança para afastar o ato jurisdicional que delimitou os honorários firmados em quota litis no percentual de 30% e mantenho íntegro o percentual de 50% definido no...

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