Acórdão Nº 08008526820198205150 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 17-05-2022
Data de Julgamento | 17 Maio 2022 |
Classe processual | RECURSO INOMINADO CÍVEL |
Número do processo | 08008526820198205150 |
Órgão | 3ª Turma Recursal |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA
Processo: | RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800852-68.2019.8.20.5150 |
Polo ativo |
PAULO ALVES MAIA |
Advogado(s): | ANTONIO KELSON PEREIRA MELO |
Polo passivo |
MERCANTIL DO BRASIL FINANCEIRA SA CREDITO FIN E INVEST |
Advogado(s): | JOSE ALMIR DA ROCHA MENDES JUNIOR |
Recurso inominado cível nº 0800852-68.2019.8.20.5150
Origem: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE PORTALEGRE
Recorrente: PAULO ALVES MAIA
Advogado: ANTÔNIO KELSON PEREIRA MELO
Recorrido: MERCANTIL DO BRASIL FINANCEIRA S/A CREDITO FIN E INVEST.
Advogado: JOSÉ ALMIR DA ROCHA MENDES JUNIOR
Juíza Relatora: SULAMITA BEZERRA PACHECO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTOS RELATIVOS A EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ANALFABETO. FORMALIDADES DO CONTRATO INOBSERVADAS. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DE TESTEMUNHAS. EXIGÊNCIA NECESSÁRIA PARA A VALIDADE DO CONTRATO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
DECIDEM os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Temporária dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e, por maioria de votos, pelo provimento do recurso para declarar nulo o contrato, condenar o recorrido a cessar os descontos, a restituir em dobro os valores descontados e, considerando a subtração de verba alimentícia, indenizar o recorrente pelos danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Sem condenação em honorários em face do provimento do recurso. Vencido o Juiz Relator que conhecia do recurso e negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.
Sulamita Bezerra Pacheco
Juíza Relatora
RELATÓRIO
Sentença que se adota:
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95. No entanto, entendo indispensável fazer uma pequena síntese dos fatos.
Trata-se de pretensão reparatória de danos materiais e morais c/c repetição de indébito e pedido de tutela de urgência antecipatória proposta por PAULO ALVES MAIA em desfavor do Banco Mercantil do Brasil S/A, objetivando que seja declarada a inexistência do débito referente ao contrato de empréstimo consignado de n. 013100241, com a consequente cessação dos descontos, restituição em dobro dos valores efetivamente descontados e condenação do réu na obrigação de pagar indenização por Danos Morais.
Para tanto, a parte autora alega que identificou os descontos em seu benefício que recebe do INSS. Sustenta tratar de empréstimos fraudulento ou realizado em desconformidade com a legislação vigente. Alega ainda que o valor teria sido depositado na conta da parte autora de forma voluntária pela instituição demandada, o que configuraria amostra grátis.
Citada, a parte demandada apresentou contestação no ID 50881790 oportunidade em que esclareceu que a parte autora contratou o consignado objeto da demandada e que a celebração do negócio jurídico atendeu a legislação em vigor, razão pela qual requereu a improcedência da demanda.
Na sequência, a parte autora apresentou réplica à contestação, oportunidade em que se limitou a trazer argumentos genéricos, não negando ter recebido os valores do(s) empréstimo(s) em sua conta.
O Banco demandado juntou cópia do contrato objeto da demanda de ID 5515850 e comprovante de pagamento de ID 55158500.
A parte autora se manifestou.
Em seguida, vieram-me os autos conclusos.
Passo a fundamentar e DECIDIR.
Destaque-se que se encontra consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência.
Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demanda, pois o mérito será decidido em seu favor (parte a quem aproveite a decretação da nulidade), o que faço com fundamento no art. 282, §2º do CPC.
Quanto à situação fática não há divergência. A parte autora alega irregularidade na celebração do contrato em razão de ser analfabeta e, como consequência, requer a declaração de nulidade com a restituição em dobro dos valores descontados e condenação da demandada na obrigação de pagar danos morais.
Quanto às provas, está provado que a parte autora é analfabeta. Inclusive a procuração passada ao advogado foi assinada a rogo. No(s) ID(s) 55158500 foi juntado(s) o(s) contrato(s) de empréstimo(s) consignado(s) com assinatura a rogo da parte autora. Por sua vez, no(s) ID(s)55158500 foi juntado(s) o(s) comprovante(s) de TED a qual aponta que o dinheiro foi transferido para a conta da parte autora. Não há controvérsia a respeito.
A única discussão diz respeito à validade do negócio jurídico e as consequências decorrentes.
Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado tem previsão na Lei n. 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores, a qual foi regulamentada pelo INSS por meio da Instrução Normativa n. 28, de 16 de maio de 2008 (publicada no DOU de 19/05/2008).
Quanto aos contratos de empréstimos consignados, este juízo fixou entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.
Essa interpretação inicial decorreu da antiga leitura do art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 que diz que as pessoas que não sabem ou não podem assinar deve fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo ser colhida a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo.
A partir do artigo acima e da leitura conjunta do art. 104, III c/c art. 166, IV, ambos do Código Civil, em razão do não atendimento do requisito de validade do negócio (forma prescrita ou não defesa em lei), este juízo declarava a nulidade do negócio jurídico.
Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.
Primeiro porque o art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 está inserido no capítulo II (Da Escrituração e Ordem de Serviço) do Título II que trata do Registro de Pessoas Naturais. Como se sabe, a Lei n. 6.015/73 dispõe sobre os registros públicos. Ademais, o que o art. 37 determina é que, quando a parte não souber assinar, será coletada assinatura a rogo. No entanto, essa exigência é para os contratos de natureza pública, o que não é o caso do contrato de empréstimo consignado. Não subsiste razão para aplicação subsidiária do art. 37 da Lei n. 6.015/73 a esse tipo de contrato que possui normatização específica na Lei n. 10.820/2003 e na IN n. 28/2008. Senão vejamos.
Conforme se extra do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no sentido de que a autorização para a consignação do empréstimo e a celebração do contrato por analfabeto se dê mediante escritura pública. Pelo contrário, a IN autoriza inclusive que a autorização se dê por meio eletrônico. Eis a redação do art. 3, III e 5º:
Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:
...
III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.
...
Art. 5º A instituição financeira, independentemente da modalidade de crédito adotada, somente encaminhará o arquivo para averbação de crédito após a devida assinatura do contrato por parte do beneficiário contratante, ainda que realizada por meio eletrônico.
Sendo assim, não há amparo legal para este juízo declarar a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante “escritura pública”.
Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado nada mais é do que uma modalidade de contrato de empréstimo intitulado pela legislação civil de mútuo oneroso, pois existe reciprocidade de ônus e de vantagens para as partes contraentes, em razão das obrigações assumidas que mutuamente. A matéria é tratada nos artigos 586 a 592 do Código Civil.
Nas lições da doutrina de Álvaro Villaça Azevedo, verbis:
O contrato de mútuo, como o de comodato, é real, só se perfaz com a entrega da coisa mutuada; ele é informal, não solene, e deve provar-se por escrito, para atender ao disposto no art. 227 do CC. (Azevedo, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e atípicos. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.)
O art. 227 mencionado pelo doutrinador a qual exigia a forma escrita dizia respeito aos contratos que ultrapassem 10 vezes salário mínimo vigente no País os quais não poderiam ser provados apenas por prova testemunhal, o que demandaria a forma escrita. No entanto, o artigo foi revogado pela Lei n º 13.105/2015. Dessa forma, mesmo os contratos com valor superior a 10 vezes o maior salário mínimo vigente no País não mais exige forma escrita. No entanto, a forma escrita do contrato de empréstimo consignado decorre da Lei n. 10.820/2003 que regulamenta o empréstimo consignado e exige que a instituição consignatária remeta os documentos do empréstimo consignado para a pessoa jurídica responsável pelo pagamento promova a averbação da consignação em folha. No entanto, a exigência é que a forma seja escrita, mas não solene.
Aliás, esse entendimento a respeito da prova do contrato mediante apenas instrumento particular é antiga no direito comparado. Como exemplo, é a redação do Artigo único do Decreto-Lei n.º 32.765/1943 de Portugal, verbis:
Os contratos de mútuo...
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