Acórdão Nº 08009359020228205114 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 12-03-2024

Data de Julgamento12 Março 2024
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08009359020228205114
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800935-90.2022.8.20.5114
Polo ativo
APPLE COMPUTER BRASIL LTDA
Advogado(s): RAPHAEL BURLEIGH DE MEDEIROS
Polo passivo
SYLWYO MULLER FELIX
Advogado(s): SYLVIA PATRICIA FELIX

RECURSO CÍVEL INOMINADO Nº.: 0800935-90.2022.8.20.5114

ORIGEM: 2º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE CANGUARETAMA

RECORRENTE: APPLE COMPUTER BRASIL LTDA

ADVOGADO: RAPHAEL BURLEIGH DE MEDEIROS – OAB/SP 257968-A

RECORRIDO: SYLWYO MULLER FELIX

ADVOGADA: SYLVIA PATRICIA FELIX – OAB/RN 16828-A

JUIZ RELATOR: 2ª TURMA DA TERCEIRA TURMA RECURSAL

EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VENDA DE APARELHO CELULAR SEM O ADAPTADOR DE TOMADA. ALEGAÇÃO DE VENDA CASADA. CONJUNTO PROBATÓRIO. VENDA CASADA CONFIGURADA. PRÁTICA ABUSIVA NOS TERMOS DO ART. 39, INCISO 1 DO CDC. NECESSIDADE DE COMPRA DE NOVO ADAPTADOR DE ENERGIA. CABO QUE ACOMPANHA O PRODUTO INCOMPATÍVEL COM OS ADAPTADORES DE ENERGIA FORNECIDOS NO MERCADO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DE IRRESIGNAÇÃO DA PARTE RÉ. AMPLA DIVULGAÇÃO POR PARTE DO FORNECEDOR ACERCA DOS ACESSÓRIOS QUE ACOMPANHAM O PRODUTO. DEVER DE INFORMAÇÃO (ART. 31 DO CDC). CARREGADOR COMPATÍVEL COM CABOS PREEXISTENTES NO MERCADO E ATÉ MESMO FABRICADOS POR OUTRAS EMPRESAS. VENDA CASADA NÃO CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, conhecer do recurso e, por unanimidade, dar-lhe provimento, reformando a sentença recorrida para julgar improcedente a pretensão autoral, nos termos do voto do Relator. Sem condenação em honorários advocatícios sucumbenciais em face do recorrente, tendo em vista o provimento do recurso.

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA:


Vistos e etc,...

I - Relatório

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/1995, decido.

II - Fundamentação

Da análise dos autos, constata-se a ausência da parte promovida na audiência de conciliação (id. 95999403), embora devidamente citada.

Apesar de conter contestação aos autos (id. 95809410), justifica a ausência da demanda na Audiência de Conciliação.

Portanto, sem efetiva prova que respalde a impossibilidade de comparecimento, verifico que a parte promovida deixou de comparecer, injustificadamente à Audiência de Conciliação, o que acarreta o instituto da revelia, com fundamento no art. 20 da Lei 9.099/95. Vide:

Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.

Estando o promovido revel, recairá sobre este os seus efeitos, o qual presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor. Com exceção dos seguintes casos trazidos pelo art. 345, do CPC:

Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:

I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

No presente caso, a causa versa sobre direito patrimonial disponível, de modo que não é o caso de aplicar quaisquer das exclusões dos efeitos da revelia. Portanto, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz (art. 20, da Lei 9.099/95).

Após esclarecimento inicial e não havendo requerimento de provas, medida que se impõe é o julgamento antecipado, na forma do art. 355, II do CPC.

Anunciado o julgamento antecipado, passa-se à análise do mérito.

No tocante ao cerne do feito, entendo, objetivamente, ser ilegítimo o comportamento da fabricante promovida ao não disponibilizar com os aparelhos comercializados o respectivo carregador comum de tomada, pois há, no presente caso, uma nítida caracterização de uma “venda casada”, nos moldes do art. 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.

Deve-se registrar que a caracterização da prática abusiva em comento exige uma análise do contexto no qual ela está inserida, bem como o modo como agiu ou comumente age o fornecedor, sendo certo que inexistem fórmulas pré-definidas para se chegar à conclusão da ocorrência da legalmente vedada venda casada.

Isto porque, as práticas do mercado consumerista evoluem constantemente, com a atuação de empresas que possuem como finalidade apenas o lucro (característica do capitalismo moderno), independentemente do meio pelo qual este fim será atingido, podendo haver, inclusive, camuflagem de uma atuação ilegal/ilícita para que esses fornecedores não respondam pelo seu modo de atuar.

Nesse sentido, não restam dúvidas de que a conduta do fornecedor promovido se caracteriza como uma venda casada em decorrência de condicionar o pleno funcionamento de produto à aquisição de outro por ele fabricado, sendo essa uma prática abusiva vedada no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim segue o entendimento dos Tribunais de Justiça do Brasil:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO DE DANO MORAL. AÇÃO DE CONSUMO. PRÁTICA ABUSIVA. VENDA DE APARELHO SMARTPHONE, MODELO iPHONE 12, SEM ADAPTADOR DE TOMADA PARA CARREGAMENTO DE BATERIA. CABO PARA CARREGAMENTO. ADAPTADOR. ENTRADA DIFERENCIADA. CABO USB-C. INCOMPATIBILIDADE COM OS CARREGADORES COMUNS NO MERCADO. NECESSIDADE DE AQUISIÇÃO PARA FRUIÇÃO DO PRODUTO PRINCIPAL. LIBERDADE DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR. AUTONOMIA AFETADA. "VENDA CASADA INDIRETA". PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA ( CDC. ART. 39, I). FORNECIMENTO DO PRODUTO. OBRIGAÇÃO. REPARAÇÃO DO EFEITO MATERIAL DO ILÍCITO. ATO ILÍCITO. EXISTÊNCIA. DANO MORAL IN RE IPSA. CONFIGURAÇÃO. COMPENSAÇÃO DEVIDA. CONSUMIDOR. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. CONCESSÃO. IMPUGNAÇÃO EM CONTRARRAZÕES. VIABILIDADE. BENEFÍCIO. MANUTENÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. PEDIDOS PROCEDENTES. HONORÁRIOS FIXADOS E MAJORADOS. 1. Concedida a gratuidade de justiça no curso processual e mantida pela sentença, não sendo alvo a matéria de recurso de apelação, pode ser devolvida a reexame em sede de contrarrazões provenientes da parte contrária ante a expressa previsão do estatuto processual, mas, não apresentando nenhum elemento apto a desqualificar a afirmação advinda do beneficiado pela salvaguarda, sobejando que sua situação financeira atual é precária, sobrepuja incólume a presunção que guarnece a afirmação que alinhara, devendo ser preservada a benesse que lhe fora assegurada ( CPC, arts. 99 e 100) 2. Ao impugnar a gratuidade concedida à contraparte, a impugnante atrai para si o ônus de infirmar os elementos colacionados e evidenciar que o beneficiado pela salvaguarda processual, a despeito da apreensão judicial de que pode ser agraciado com a gratuidade de justiça, detém condição financeira diferenciada e não condizente com os elementos colacionados, implicando que, cingindo-se a tecer alegações, não colacionando nem extraindo dos elementos colacionados apreensão diversa da obtida, ou seja, não infirmando os elementos colacionados nem a presunção relativa que orna a declaração de pobreza firmada pelo postulante, a declaração de pobreza apresentada, gozando de presunção de veracidade, sobeja incólume. 3. A prática denominada ?venda casada? por dissimulação ou indireta ou "às avessas" (tying arrangement) é coibida pelo legislador de consumidor e qualificada como conduta abusiva, portanto ilícita, por vilipendiar a boa fé objetiva que deve orientar as relações de consumo e afetar a liberdade de escolha do consumidor decorrente do condicionamento, subordinação e vinculação da aquisição de um produto ou serviço principal - tying - à concomitante aquisição de outro, de natureza secundária - tied -, quando o propósito era unicamente o de obter o produto ou serviço principal ( CDC, art. 39, I). 4. A política comercial empreendida pela fabricante e vendedora de smartphone - especificamente do modelo Iphone 12 -, de, conquanto fornecendo o cabo de alimentação da bateria do aparelho, não fornecer o adaptador de tomada indispensável para conexão do cabo à rede elétrica, a despeito de utilizar-se de formato não usualmente utilizado no mercado - cabo USB-C -, obrigando o consumidor a adquirir o acessório de fabricação da própria fornecedora, se não possuidor de outro produto da mesma fabricante que se utilize do mesmo adaptador, encerra ?venda casada indireta?, qualificando-se como prática comercial abusiva e ilícita. 5. Patente que o smartpohne colocado no mercado não poderá funcionar normalmente sem que sua fonte de alimentação seja recarregada periodicamente, quiçá, diariamente, obrigando o consumidor/usuário a adquirir o adaptador de tomada que não acompanhara o produto como forma de suprir a ausência do acessório, a prática comercial se qualifica como venda casada indireta, pois, adquirindo o celular - produto principal - implicara ao consumidor a dependência de adquirir produto secundário - adaptador de tomada -, prática abusiva por atentar contra a boa fé objetiva e as boas práticas comerciais, conspurcando a liberdade de escolha do consumidor. 6. A política comercial da fabricante e fornecedora de smartphone de, oferecendo produto novo com acervo tecnológico substancial agregado, mas cujo funcionamento dependente de recarga de bateria sem que disponibilize completo sistema de carregamento, demandando a aquisição de acessório complementar, preferencialmente de sua fabricação própria, conquanto difundida como preocupação com práticas sustentáveis, não se afigura legítima, pois implica a dependência do...

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