Acórdão Nº 08009867420228205123 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 27-04-2023
Data de Julgamento | 27 Abril 2023 |
Classe processual | RECURSO INOMINADO CÍVEL |
Número do processo | 08009867420228205123 |
Órgão | 3ª Turma Recursal |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL
Processo: | RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0800986-74.2022.8.20.5123 |
Polo ativo |
BANCO BRADESCO S/A |
Advogado(s): | ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO |
Polo passivo |
RUBENITA NOBREGA DE MEDEIROS |
Advogado(s): | ONOFRE ROBERTO NOBREGA FERNANDES |
RECURSO INOMINADO N°0800986-74.2022.8.20.5123
ORIGEM: Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Parelhas
RECORRENTE: BANCO BRADESCO S/A
ADVOGADO: ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO
RECORRIDA: RUBENITA NOBREGA DE MEDEIROS
ADVOGADO: ONOFRE ROBERTO NOBREGA FERNANDES
RELATORA: SABRINA SMITH CHAVES
EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO C/C RESTITUIÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO. BANCO QUE NÃO COMPROVOU A CONTRATAÇÃO. DESCONTOS INDEVIDOS SENTENÇA PROCEDENTE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DANOS MORAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer Recurso Inominado interposto e negar provimento, mantendo a sentença atacada por seus próprios fundamentos. Condenação da parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Natal, 18 de abril de 2023.
SABRINA SMITH CHAVES
JUÍZA RELATORA
RELATÓRIO
Sentença proferida pela Juiz(a) de Direito TICIANA MARIA DELGADO NOBRE, que se adota:
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de ação ordinária em face de BANCO BRADESCO S.A., na qual a parte autora pleiteia seja declarado nulo um empréstimo consignado registrado pelo réu junto ao INSS, uma vez que nunca teria celebrado o referido contrato com o Réu Contrato este, que possui os seguintes dados, segundo afirma em sua exordial: "Contrato nº 0123339939824 – Início em 03/2018– já descontados 50/71 - no valor R$ 263,82 = R$ 11.341,00 ( onze mil trezentos e quarenta e um reais)".
Pugna pela restituição em dobro dos valores descontados; e por indenização pelos danos morais suportados.
Dispensado o relatório na forma do art. 38 da Lei nº 9.099/95.
Decido.
Trata o presente feito de matéria unicamente de direito, sendo desnecessária a produção complementar de provas.
Indefiro, por oportuno, o pedido de realização de audiência de instrução formulado pela ré, com suporte no art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil; posto que o exame meritório da presente demanda se exaure com análise meramente documental – sobretudo considerando-se que a autora juntou à prefacial imagem da cédula de identidade utilizada pelo terceiro fraudador (de forma que eventual depoimento pessoal da promovente apenas seria relevante caso o réu tivesse trazido elementos de prova que apontasse para a legitimidade da contratação, a exemplo de minuta contratual com os documentos legítimos da autora anexados; o que não ocorreu no caso).
Não merece guarida a preliminar de falta de interesse de agir, uma vez que inexiste norma que condicione o tipo de prestação jurisdicional objeto do feito em tela ao requerimento prévio na instância administrativa.
Com efeito, a via administrativa é uma alternativa dada ao jurisdicionado para obter o bem da vida sem a intervenção do Judiciário; e, sendo opcional, não pode ser interpretada como óbice à judicialização de demandas, sob pena de violação do princípio da inafastabilidade, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição da República. Nesta senda, a ausência de tentativa de resolução da controvérsia diretamente com o a empresa ré não implica em falta de interesse de agir ou carência da ação.
Rechace-, ademais, se a preliminar de incompetência do juízo por complexidade em razão do objeto da prova; uma vez que a autenticidade das assinaturas apostas nos documentos anexados à peça de defesa não foi objeto de impugnação.
No mérito, o cerne da lide cinge-se à análise, à luz do CDC, da possível nulidade do contrato registrado pelo réu junto ao INSS; e, sendo este o caso, se fato é apto a configurar dano material e moral indenizável.
Da análise dos argumentos trazidos pelas partes, observa-se que o cerne da discussão envolve suposta situação de inadimplência advinda de relação contratual firmada entre as partes; a qual a parte autora alega inexistir.
O ônus probante no que pertine a existência dessa relação jurídica (e da decorrente situação de inadimplência) incumbe integralmente ao réu – com suporte no art. 373, II, do CPC, por ser circunstância obstativa da pretensão e fato negativo em relação ao autor.
Firmadas tais premissas e considerando as provas trazidas aos autos, conclui-se que a legalidade dos descontos objeto da lide não foi comprovada.
Conforme as alegações da prefacial, a parte autora estaria sendo vítima de um contrato fraudulento; afirmando que, por não ter anuído com qualquer contrato de mútuo bancário, suspeita que este tenha sido realizado mediante fraude.
A desconstituição dessa alegação inicial poderia ser efetuada mediante a juntada da minuta contratual em questão, acompanhada da documentação legítima da parte autora – provas estas que não constam dos autos, restando, portanto, caracterizada a cobrança indevida sem qualquer suporte contratual legitimamente firmado entre as partes. Por outro lado, os extratos do INSS indicando os descontos mensais no valor R$ 263,82, com inicio de descontos em 03/2018 e fim em 01/2024, bem demonstram os prejuizos patrimoniais sofridos pela Autora.
Superada a análise quanto à ocorrência de falha na prestação do serviço, passo à análise dos pleitos indenizatórios.
Quanto ao prejuízo patrimonial, considerando-se indevido os descontos acima apontados, tem a parte autora o direito de ser restituída em importância equivalente ao dobro do que lhe foi descontado, diante do que preceitua o art. 42 do CDC. Registre-se que, de acordo com o entendimento consolidado do STJ, esse comando consumerista independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva (EAREsp 676.608).
Quanto ao dano moral, este se consubstancia na violação que recai no patrimônio ideal da pessoa – a exemplo da honra, dignidade e respeitabilidade etc. Por sua própria natureza, esta espécie de dano dispensa prova cabal de sua existência, ante a impossibilidade adentrar no âmago dos indivíduos para detectá-lo; devendo ser deduzido a partir das particularidades do caso em análise.
As circunstâncias apresentadas na peça inaugural são suficientes para denotar a efetiva existência do dano moral sofrido pelo autor. A conduta do réu de averbar dois contratos não solicitados nos proventos da autora demonstram, por si só, uma intromissão indevida na esfera ideal da parte – situação essa que toma contornos mais graves ao se considerar as condições pessoais da autora; pessoa idosa, o que implica em uma vulnerabilidade exacerbada.
Tal conduta claramente viola princípios básicos estabelecidos pelo direito do consumidor – em especial o da boa-fé. Pode-se presumir, por essas circunstâncias, que gerou transtornos que ultrapassaram o mero aborrecimento, de modo tal que é razoável deduzir a existência de abalo moral.
Em se tratando de dano moral, inexiste padrão para a fixação da indenização; sendo dever do julgador se ater aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando em consideração o interesse jurídico lesado e a situação posta em juízo. Pela natureza consumerista do dano, há que se considerar, ainda, o viés educativo do quantum indenizatório, para evitar a continuidade dos danos perpetrados.
Por entender que o importe atende aos princípios mencionados, fixo o valor da indenização em R$ 3.000,00 (três mil Reais).
DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, extinguindo o feito com julgamento de mérito (art. 487, I, do CPC) para:
I) Declarar nulo os contratos de empréstimo consignado nº 0123339939824;
II) Condenar o réu ao pagamento, em dobro, de todas as parcelas descontadas dos proventos do autor, sobre as quais deverá incidir correção monetária com base no IGPM a partir da data em que houve o desprendimento financeiro, e juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação (vencidas) ou do desconto (vincendas), devendo ser deduzido desta condenação eventual valor restituído extrajudicialmente; e
(III) Condenar o Banco demandado a pagar ao autor a quantia de R$ 3.000,00 (três mil Reais) a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária com base no IGPM, ambos a partir da publicação deste julgado, momento em que se tornou líquida a obrigação extrapatrimonial.
Ficam as partes advertidas de que, em caso de inexistir cumprimento voluntário da obrigação, eventual execução seguirá o rito previsto no art. 52 da Lei n. 9.099/95, sendo dispensada nova citação, nos termos do inciso IV do art. 52 da mesma Lei.
Transitada em julgado a sentença e persistindo o descumprimento voluntário pela parte sucumbente, incidirá multa de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do que dispõe o art. 523, § 1º do CPC.
Sem custas processuais e honorários advocatícios, por força dos artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/95.
Deixo para apreciar o pedido de Justiça Gratuita apenas na hipótese de interposição de recurso.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Fica a parte vencedora ciente de que, transitada em julgado a presente decisão, deverá requerer sua execução em dez dias, na forma dos arts. 52 da Lei 9.099/95 e 523 do CPC.
Após 10 (dez) dias do trânsito em julgado sem manifestação da parte autora, arquive-se com baixa na distribuição.
Submeto, nos termos do art. 40 da Lei n. 9.099/95, o presente projeto de Sentença para fins de homologação por parte do Juízo...
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