Acórdão Nº 08010686020238205159 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 21-02-2024

Data de Julgamento21 Fevereiro 2024
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08010686020238205159
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801068-60.2023.8.20.5159
Polo ativo
JOSE SESIMAR DA COSTA
Advogado(s): HUGLISON DE PAIVA NUNES
Polo passivo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): WILSON SALES BELCHIOR

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL E TARIFA INDEVIDA C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO BANCÁRIO. DESCONTOS INDEVIDOS RELATIVOS A TARIFAS BANCÁRIAS. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO CÍVEL. FRACIONAMENTO E PULVERIZAÇÃO DE AÇÕES DA MESMA PARTE E EM RELAÇÃO À MESMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR SEMELHANTES OU DECORRENTES DA MESMA RELAÇÃO JURÍDICA. CONDUTA NÃO ADMISSÍVEL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA, DA LEALDADE, DA BOA-FÉ PROCESSUAL, DA COOPERAÇÃO E DA ECONOMIA PROCESSUAL. ARTIGOS , E DO CPC. NOTA TÉCNICA DO CIJ/TJRN. PRECEDENTES DE VÁRIOS TRIBUNAIS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em desprover o recurso, nos termos do voto do relator.

Apelação Cível interposta por JOSÉ SESIMAR DA COSTA, em face da sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV e VI do CPC. Sem condenação em custas processuais (gratuidade judiciária) ou honorários advocatícios.

Alegou que: as demandas apontadas pelo magistrado não possuem o mesmo pedido nem a mesma causa de pedir, questionando descontos distintos; a presente causa e aquelas apontadas pelo juiz têm por fundamento cobranças/contratos distintos, não ocorrendo, assim, eventual coisa julgada, litispendência ou mesmo conexão; a conduta protagonizada pelo recorrido demonstra um completo desrespeito para com os consumidores, ocasionando danos morais e materiais à parte recorrente. Requereu a reforma da sentença para julgar procedente o pedido inicial.

Contrarrazões pelo desprovimento do apelo.

A sentença registrou que a parte autora propôs outras demandas judiciais com base em narrativas quase idênticas (valores indevidamente descontados em sua conta bancária), bem como que a parte autora poderia ter manejado apenas uma ação, sem que houvesse qualquer prejuízo para a defesa de seus interesses e o processo foi extinto sem resolução de mérito (art. 485, IV e VI do CPC).

Os processos discutem a cobrança de valores debitados em conta corrente da parte apelante, provenientes de empréstimos e/ou tarifas bancárias, e em todas as demandas, a parte autora postulou indenização por danos materiais e morais decorrentes de tais cobranças.

Estamos a analisar recurso em demandas judiciais que buscam diluir a pretensão da parte demandante no maior número possível de ações, mediante o fracionamento da causa de pedir, que se poderia cumular em uma única ação, mas optou-se por utilizar o Poder Judiciário para conseguir vantagens indevidas ou várias indenizações decorrentes da mesma relação jurídica.

Esse método, assemelhado a um "modelo de negócio", muitas vezes traz grandes benefícios à parte e a seus patronos porque aumenta suas chances de, ao menos em uma das ações, por exemplo, ocorrer revelia ou a instituição financeira demandada deixar de apresentar provas, em especial o contrato assinado, a refutar as alegações da parte autora, sobretudo nas relações de consumo que se tem em seu favor a inversão do ônus da prova.

A apelação interposta pela parte autora baseia-se na multiplicidade de ações ajuizadas pela mesma parte autora contra o mesmo banco. A sentença extinguiu o processo sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV e VI do CPC, ao verificar a existência de diversos processos.

O uso dessa prática tem se tornado comum no Judiciário: o ajuizamento de ações de forma fracionada e pulverizada, que poderiam ser aglutinadas em um único processo. Isso causa prejuízos e contraria o princípio da lealdade processual e contrapõe-se ao uso indevido do Poder Judiciário para obter vantagem indevida. De fato, é um artifício a violar frontalmente os princípios da transparência, da lealdade, da boa-fé processual, da cooperação e da economia processual.

As demais ações envolvem as mesmas partes e possuem a mesma causa de pedir e pedidos semelhantes, cuja única diferença é o fato de que os descontos se referem a nomenclaturas e descontos diversos e possíveis contratos distintos, porém realizados na mesma conta (às vezes, o número do contrato é distinto porque coloca-se o número da parcela).

A pulverização ou o fracionamento de demandas não pode ser admitida. Se é possível solucionar o conflito em um único processo, não razão a justificar o ingresso de várias ações com o nítido propósito de dificultar a defesa dos réus e obter a cumulação de indenizações, confiando muitas vezes que em algumas ou, ao menos em um, haverá deficiência de defesa ou até mesmo total ausência de contestação dos pedidos.

Vejamos os artigos , e do CPC:

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (...)

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

O núcleo do fundamento da sentença consiste na afirmação exaustivamente provada, que esta demanda se caracteriza como artificial e predatória e essa conclusão encontra amparo nos autos a justificar sua extinção sem resolução do mérito, especialmente pela dicção do art. 485, VI do CPC (ausência de interesse processual).

O exercício abusivo do direito de acesso à justiça pode e deve ser reprimido pelo Judiciário, e o ajuizamento em massa de litígios, de maneira indevida, prejudica o acesso à justiça de quem realmente necessita de intervenção judicial para solucionar alguma questão, eis que assoberba o Judiciário, influindo na qualidade da prestação jurisdicional.

A demanda em exame apresente forte carga de litigiosidade artificial, e essa conclusão também encontra abrigo no art. 375 do CPC, que impõe ao juiz aplicar as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, e ninguém melhor do que ele para observar e combater tal fenômeno, o que fez com maestria singular.

A sentença deu fiel interpretação e correta aplicação à norma legal fazendo uso adequado dos poderes e deveres que lhe são conferidos pelo art. 139, III do CPC

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I ( ...)

II ( ...)

III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias (negrito acrescido).

Os Tribunais também reconhecem o poder-dever do juiz de reprimir demandas predatórias. Eis alguns julgados recentes:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA - IRREGULARIDADE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo. (TJMG - Ap. Civ. 1.0000.23.169309-4/001, Rel. Des. Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, j. em 19/10/2023, pub. da súmula em 19/10/2023).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA - NOTA TÉCNICA Nº 01/2022 EMITIDA PELO CIJMG - LITIGÂNCIA PREDATÓRIA - VICIO DE REPRESENTAÇÃO - AUSENCIA DE PODERES VÁLIDOS - PRESSUPOSTO DE VALIDADE INOCORRENTE - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
- A nota técnica nº 01/2022 - emitida pelo CIJMG - aponta parâmetros para identificação de demandas predatórias e orienta boas práticas de gestão de processos judiciais para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória.
(TJMG - Ap. Civ. 1.0000.23.091864-1/001, Relatora: Des.(a) Lílian Maciel , 20ª CÂMARA CÍVEL, j. em 18/10/2023, pub da súmula em 19/10/2023).Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo. (TJMG - Ap. Cív. 1.0000.22.107335-6/002, Rel. Des. Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, J. em 05/10/2023, pub. da súmula em 06/10/2023).

Há pouco tempo, falava-se em “indústria do dano moral”, ações a buscar indenização por dano moral, em que se denunciava a banalização daquele instituto.

Com as facilidades criadas pelo CNJ por meio “Juízo 100% digital”, que gerou como consequência o baixo custo financeiro para ajuizar cada demanda, para quem exerce a nobilitante função da advocacia, essa prática alcançou hoje proporções geométricas mediante a confecção de petições padronizadas, elaboradas em mídias digitais, que narram fatos...

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