Acórdão Nº 08010976020198205124 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 14-05-2021

Data de Julgamento14 Maio 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08010976020198205124
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801097-60.2019.8.20.5124
Polo ativo
STEFANIA VALERIA SILVA DE SOUZA
Advogado(s):
Polo passivo
COOPHAB/RN COOP HABIT DOS SERV E TRAB SINDICALIZADOS DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s): LUANA DANTAS EMERENCIANO, FELLIPE HONORIO RODRIGUES DA COSTA

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE PACTO REALIZADO ATRAVÉS DE EMPREENDIMENTO COOPERATIVO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. PLEITO DE NULIDADE DA SENTENÇA EM VISTA DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DESCABIMENTO DA AÇÃO POSSESSÓRIA. CONVERSÃO DA DEMANDA POSSESSÓRIA EM PETITÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PETITÓRIA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE QUE SE APLICA SOMENTE ENTRE AS TRÊS AÇÕES POSSESSÓRIAS STRICTO SENSU. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. É necessário frisar que, não obstante posse e propriedade tenham elementos em comum, notadamente a submissão da coisa à vontade da pessoa, tratam-se de institutos totalmente distintos em sua essência, sendo a posse mero fato que permite e possibilita o exercício do direito de propriedade. Por esta razão, mostra-se jurídica e faticamente impossível, misturar os juízos possessório e petitório.

2. Dessa forma, a ação possessória não se afigura a via processual adequada para discutir direito de propriedade, devendo a parte formular suas pretensões por via petitória.

3. Precedentes do TJRN (AC nº 2010.011940-3, Rel. Juiz Convocado Nilson Cavalcanti, 2ª Câmara Cível, j. 24/05/2011; AC nº 2011.001882-9, Rel. Desembargador Vivaldo Pinheiro, 3ª Câmara Cível, j. 18/04/2011).

4. Apelação cível conhecida e provida.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao apelo, para decretar a nulidade da sentença e a extinção do feito, sem resolução de mérito, em face da inadequação da via eleita, nos termos do art. 330, inciso III, do CPC, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


1. Trata-se de apelação cível interposta por STEFANIA VALERIA SILVA DE SOUZA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim/RN (Id 8090625), que, nos autos da Ação de Rescisão de Pacto Realizado Através de Empreendimento Cooperativo c/c Reintegração de Posse com Pedido de Tutela Antecipada (Proc. nº 0801097-60.2019.8.20.5124) ajuizada pela COOPHAB/RN – COOPERATIVA HABITACIONAL DOS SERVIDORES E TRABALHADORES SINDICALIZADOS DO RIO GRANDE DO NORTE, julgou parcialmente procedente a demanda para declarar a resolução do contrato, em razão da inadimplência da demandada e, como consequência jurídica, ordenou a devolução do bem à demandante com sua desocupação em até 15 (quinze) dias após o trânsito em julgado da sentença.

2. No mesmo dispositivo, condenou a demandada ao pagamento de taxa de ocupação no valor mensal de R$ 621,19 (seiscentos e vinte e um reais e dezenove centavos), com as devidas correções, pelo período em que esteve na posse do imóvel sem a devida contraprestação (junho/2010 até a data da desocupação), em favor da demandante. Caso não seja o bem desocupado, ordenou a expedição de mandado de reintegração em favor da parte demandante, dirigido a quem estiver ocupando o imóvel.

3. Condenou, ainda, a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 13% (treze por cento) sobre o valor da condenação, ficando suspensa sua exigibilidade em face do benefício da justiça gratuita.

4. Em suas razões recursais (Id 8090627), a apelante requereu o conhecimento do apelo com o fim de ser determinada a nulidade da sentença vergastada, sob o fundamento de que as ações possessórias têm causa de pedir restrita à posse supostamente maculada, e a apelada nunca teve a posse do bem em questão, assim não podendo, valer-se da ação possessória.

5. Aduziu, nesse sentido, pela impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade, em decorrência da inadequação da via eleita.

6. Contrarrazoando (Id 6398815), a apelada refutou a argumentação aduzida no apelo interposto e, ao final, pediu seu desprovimento.

7. Com vista dos autos, Dra. Rossana Mary Sudário, Oitava Procuradora de Justiça, deixou de opinar no feito por não ser hipótese de intervenção do Ministério Público (Id 8336014).

8. É o relatório.

VOTO


9. Conheço do apelo.

10. O cerne meritório diz respeito à nulidade da sentença monocrática, em virtude de que as ações possessórias têm causa de pedir restrita à posse supostamente maculada, e a apelada nunca teve a posse do bem em questão, assim não podendo, valer-se da ação possessória, não sendo possível assim, a aplicação do princípio da fungibilidade, em decorrência da inadequação da via eleita

11. Com razão a apelante.

12. Ab initio, à título de esclarecimentos, é necessário frisar que, não obstante posse e propriedade tenham elementos em comum, notadamente a submissão da coisa à vontade da pessoa, tratam-se de institutos totalmente distintos em sua essência, sendo a posse mero fato que permite e possibilita o exercício do direito de propriedade. Por esta razão, mostra-se jurídica e faticamente impossível, misturar os juízos possessório e petitório, assim como didaticamente demonstra Silvio de Salvo Venosa[1]:

"[...] deve restar absolutamente clara a distinção entre os juízos possessório e petitório. Nas ações possessórias (interditos), trata-se exclusivamente da questão da posse. Nas chamadas ações petitórias (petitorium iudicium), leva-se em conta exclusivamente o direito de propriedade. Daí por que, na singeleza do conceito, é vedado examinar o domínio nas ações possessórias."

13. Compulsando os autos, vislumbro que o apelado não logrou êxito em demonstrar a efetiva posse sobre o bem objeto da lide, bem como a ocorrência de esbulho, pois da análise do processo, ficou comprovado que a posse do imóvel era exercida pela apelada.

14. Como já mencionado, se o apelado nunca foi possuidor, inviável a utilização da ação de reintegração de posse, pois este procedimento apenas pode ser utilizado por quem possuía e foi desapossado.

15. Dessa forma, a ação possessória não se afigura a via processual adequada para discutir direito de propriedade, devendo a parte formular suas pretensões por via petitória.

16. Dito isto, a conclusão lógica é a de ser totalmente descabida a aplicação do princípio da fungibilidade, entre as ações possessórias e petitórias, frisando-se que aquele instrumento só é legalmente admitido entre as espécies de ações possessórias (reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório), assim como expressamente dispõe e autoriza o art. 920, do CPC.

17. Nesse sentido, são os precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça:

“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ALEGAÇÃO FUNDADA UNICAMENTE NA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA POSSE. DESCABIMENTO DA AÇÃO POSSESSÓRIA. CONVERSÃO DA DEMANDA PETITÓRIA EM POSSESSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE QUE SE APLICA SOMENTE ENTRE AS TRÊS AÇÕES POSSESSÓRIAS STRICTO SENSU. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. PRECEDENTES.”

- Não basta a descrição da coisa possuída ou a prova do domínio. Faz-se necessário provar que sobre aquela, o autor exercia a posse. Não tendo havido demonstração da posse sobre o imóvel, não cabe a tutela reintegratória com base em alegação da propriedade.

(TJRN, AC nº 2010.011940-3, Rel. Juiz Convocado Nilson Cavalcanti, 2ª Câmara Cível, j. 24/05/2011)

“CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE POSITIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS. NÃO DEMONSTRADOS. POSSE NÃO COMPROVADA. DISCUSSÃO DE DOMÍNIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 333, I, DO CPC. AÇÃO POSSESSÓRIA E PETITÓRIA. FUNGIBILIDADE. INADMISSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.”

(TJRN, AC nº 2011.001882-9, Rel. Desembargador Vivaldo Pinheiro, 3ª Câmara Cível, j. 18/04/2011)

18. Por todo o exposto, voto pelo conhecimento e provimento do apelo interposto, e decreto a nulidade da sentença e a extinção do feito, sem resolução de mérito, julgando o autor/apelado carecedor de interesse processual, em face da inadequação da via eleita, nos termos do art. 330, inciso III, do CPC.

19. No tocante ao ônus sucumbencial, inverto o arbitrado pelo Juízo no primeiro grau.

20. É como voto.

Desembargador Virgílio Macedo Jr.

Relator

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[1] Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, 4ª Edição, Editora Atlas, pág. 48/49.

Natal/RN, 10 de Maio de 2021.

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