Acórdão Nº 08011272820238205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 14-09-2023

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08011272820238205004
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801127-28.2023.8.20.5004
Polo ativo
UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
Advogado(s): MURILO MARIZ DE FARIA NETO
Polo passivo
EUGENIA SUELY AQUINO DE ARAUJO
Advogado(s): LUCIANO ROCHA COELHO JUNIOR

RECURSO INOMINADO CÍVEL N.º: 0801127-28.2023.8.20.5004

ORIGEM: 11º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE: UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO

ADVOGADO(A): MURILO MARIZ DE FARIA NETO

RECORRIDO(A): EUGENIA SUELY AQUINO DE ARAUJO

ADVOGADO(A): LUCIANO ROCHA COELHO JUNIOR

RELATORA: JUÍZA SABRINA SMITH CHAVES

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO. NEOPLASIA MALIGNA DE MAMA. MEDICAMENTO DE USO CONTÍNUO. INDICAÇÃO MÉDICA. NEGATIVA DE COBERTURA. ILICITUDE. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO. RECURSO DO RÉU. DEVIDA ANÁLISE DO MATERIAL PROBATÓRIO. NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE SOB O FUNDAMENTO DE DESATENDIMENTO A DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO – DUT. IMPOSSIBILIDADE. NORMA ABUSIVA. PREVISÃO DO TRATAMENTO DA DOENÇA EM CONTRATO E NO ROL DA ANS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE GARANTEM O DIREITO À SAÚDE E À VIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 14, DO CDC. DANOS MORAIS CONFIGURADOS E PROPORCIONALMENTE ARBITRADOS. DANO MORAL CARACTERIZADO. SÚMULA 15 DA TUJ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença atacada pelos próprios fundamentos. Condenação do recorrente em custas e honorários advocatícios, estes no percentual de 10% (dez por cento), sobre o valor atribuído à condenação.

Obs.: Esta súmula servirá de acórdão nos termos do art. 46 da Lei 9.099/95.

Natal, 5 de setembro de 2023.

Sabrina Smith Chaves

Juíza Relatora

RELATÓRIO

Sentença proferida pelo Juiz EDUARDO BEZERRA DE MEDEIROS PINHEIRO:

I – RELATÓRIO

Relatório dispensado, nos termos do art. 38, da Lei nº 9.099/95. No entanto, necessária se faz breve síntese dos fatos.

Trata-se de ação por meio da qual a parte autora aduz, em síntese, que é cliente da ré há mais de 40 anos, com direito à assistência ambulatorial + hospitalar com obstetrícia, nunca tendo atrasado nenhuma mensalidade.

Alega que em 2018 fora diagnosticada com NEOPLASIA MALIGNA DE MAMA, tendo sido submetida à cirurgia para retirada de metade da mama (ID 94083364), necessitando de tratamento até os dias de hoje.

Após a cirurgia evoluiu no tratamento, mas que recentemente houve recomendação médica para o uso contínuo de VERZENIOS 150mg, medicamento utilizado no tratamento oncológico (ID 94083360, p.2).

No entanto, alega que, ao solicitar o medicamento à ré, teve seu pedido negado sob o argumento de que o medicamento não estava no rol da ANS (ID 94083361).

Em razão disso, postula a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, bem como ao fornecimento do mencionado medicamento.

A ré, em contestação, suscita, em suma, que o medicamento prescrito à autora não se encontra no rol da ANS, motivo pelo qual não há ato ilícito nem dever de indenizar.

Ao final, requer a improcedência dos pleitos autorais.

É o que importa relatar. Decido.

II – FUNDAMENTO

II.1. Da Preliminar

Quanto à concessão do benefício da justiça gratuita, a Ré impugnou o pedido de gratuita feito pela parte autora, requerendo apresentação de provas de hipossuficiência por parte da autora. Contudo, deixo de analisar a preliminar em razão do previsto nos arts. 54 e 55 da Lei 9.099/95, que garantem acesso ao Juizado Especial, em primeiro grau de jurisdição, independente do pagamento de custas, taxas ou despesas.

II.2. Do Mérito

Conheço diretamente do pedido, por força do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

Apesar da inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não se mostrar obrigatória, verificam-se, no caso em análise, a verossimilhança das alegações autorais e a hipossuficiência da consumidora requerente. Assim, baseada no dispositivo de lei mencionado, inverto o ônus da prova, por entender ser da requerida o ônus de demonstrar a impertinência do direito alegado.

Em se tratando de relação de consumo, já que a parte autora se amolda ao conceito de consumidor constante no art. 2º do CDC e a empresa ré se enquadra na figura do fornecedor de serviços insculpido no art. 3º do mesmo diploma legal, uma vez que fornece serviços de assistência à saúde mediante remuneração, aplicável, na espécie, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90). Sendo assim, a interpretação das cláusulas do contrato de seguro de assistência à saúde firmado entre as partes deve ser realizada à luz do art. 47 do CDC, in verbis:

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

O cerne da controvérsia reside em saber se a parte requerida efetivamente deve custear o medicamento necessário para o tratamento oncológico a ser realizado pela parte autora. Na hipótese, tenho como indevida a recusa.

Em situações como a que aqui se analisa, tenho adotado o entendimento de que incumbe exclusivamente ao profissional médico que acompanha o enfermo a indicação do tratamento de saúde que se afigura mais exitoso – o que inclui a técnica terapêutica que possa garantir maior eficácia. Eventual negativa da operadora de saúde, nesse contexto, afigura-se ilícita e abusiva, sobretudo quando se considera a essencialidade do tratamento buscado – comprovadamente indispensável à preservação da saúde da parte autora.

No caso, em nenhum momento é alegada a ausência de cobertura para a enfermidade apresentada pela parte autora (NEOPLASIA MALIGNA DA MAMA).

Desse modo, havendo previsão contratual para a cobertura da doença, não se afigura cabível ao plano de saúde estabelecer ou limitar o tratamento que deve ser dispensado ao paciente, segundo orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE DE AUTOGESTÃO.

1. INAPLICABILIDADE DO CDC. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A FORMA VINCULANTE DO CONTRATO. BOA-FÉ OBJETIVA. DESCUMPRIMENTO.

2. RECUSA INDEVIDA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO ASSISTENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. ALTERAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

3. MONTANTE INDENIZATÓRIO. PLEITO DE REDUÇÃO. NÃO DEMONSTRADO O CARÁTER ABUSIVO NO VALOR FIXADO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 7/STJ.

4. AGRAVO IMPROVIDO.

1. O fato de não ser aplicável a legislação consumerista aos contratos de plano de saúde sob a referida modalidade não atinge o princípio da força obrigatória do contrato, sendo imperiosa a incidência das regras do Código Civil em matéria contratual, tão rígidas quanto às da legislação consumerista, notadamente acerca da boa-fé objetiva e dos desdobramentos dela decorrentes. Precedentes.

2. Compete ao profissional habilitado indicar a opção adequada para o tratamento da doença que acomete seu paciente, não incumbindo à seguradora discutir o procedimento, mas custear as despesas de acordo com a melhor técnica. Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de o plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de procedimento utilizado para o tratamento de cada uma delas. Precedentes.

2.1. No que concerne à existência ou não de ato ilícito, o acolhimento do recurso demandaria a revisão da conclusão do acórdão recorrido mediante o reexame direto das provas, providência manifestamente proibida nesta instância, nos termos da Súmula 7 do STJ.

3. Da mesma forma, em relação à fixação do valor indenizatório arbitrado a título de danos morais, não há como conhecer do recurso por incidência da Súmula 7/STJ.

4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 1765668/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, julgado em 29/4/2019, DJe 06/5/2019)

Nesse contexto, impõe-se à parte ré a obrigação de custear o tratamento solicitado pelo médico que acompanha a parte autora.

Resta a análise do pedido indenizatório. O dano moral pode ser definido como aquele que atinge as pessoas fora do espectro econômico de seu patrimônio, ligando-se à aferição de dor, em decorrência de fato ou ato ilícito acontecido, ocorrendo sempre quando se dá uma conduta danosa que acarrete prejuízos psíquicos em virtude de ofensa à honra, nome ou imagem da pessoa. Não são todos os casos de aborrecimentos que são tutelados pelo direito, não são todos que merecem uma reparação pecuniária, há que haver efetiva lesão na esfera extrapatrimonial da vítima. No caso dos autos, não tenho dúvida de que isso efetivamente ocorreu.

A negativa de realização do tratamento indicado à autora, necessário ao tratamento da enfermidade, trouxe à demandante incomensurável sensação de angústia e incerteza, sentimentos que aliados aos riscos de sequelas irreversíveis, no caso, o comprometimento definitivo da visão, são motivos suficientes para lhe causar violenta lesão na esfera moral.

Com efeito, resta evidenciado que os fatos ora analisados causaram dor, aflição, angústia, constrangimento, lesando a autoestima da autora, seu bem-estar, sua tranquilidade, aspectos da personalidade da pessoa humana que constituem seu patrimônio ideal e que merecem a proteção jurídica, de modo que deve ser a empresa ré obrigada a ressarcir tal dano.

Considerando todo o arrazoado fático e jurídico exposto alhures, fixo o valor da indenização em R$5.000,00 (cinco mil reais).

III – DISPOSITIVO

Diante do...

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