Acórdão Nº 08011651720238200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 06-06-2023

Data de Julgamento06 Junho 2023
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08011651720238200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0801165-17.2023.8.20.0000
Polo ativo
HAP VIDA ASSISTENCIA MEDICA LTDA
Advogado(s): NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES, IGOR MACEDO FACO
Polo passivo
WALTER GRESS JUNIOR
Advogado(s): ANDRE RODRIGUES GRESS

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA NA ORIGEM. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE ACOMETIDO DE SEQUELAS DE AVC ISQUÊMICO. ACAMADO E TOTALMENTE DEPENDENTE DE OUTRAS PESSOAS PARA SUAS ATIVIDADES DIÁRIAS. TRATAMENTO INDICADO PELO MÉDICO DO PACIENTE. INTERNAÇÃO DOMICILIAR (HOME CARE). NEGATIVA DE COBERTURA. ARGUMENTO DE EXCLUSÃO DE COBERTURA DO PLANO POR NÃO CONSTAR NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE. AMPLA JURISPRUDÊNCIA QUE RECONHECE O ROL DA ANS COMO EXEMPLIFICATIVO E NÃO TAXATIVO. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO POR PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM POR 24 HORAS DEMONSTRADA. RESTRIÇÃO CONTIDA EM CLÁUSULA CONTRATUAL. RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELO PLANO DE SAÚDE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 29 DO TJRN. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. PREJUDICIALIDADE DO AGRAVO INTERNO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao presente agravo de instrumento e, diante do desprovimento deste, julgar prejudicado o agravo interno, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO


Trata-se de agravo de instrumento interposto por HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA S.A. em face de decisão do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim que, nos autos da ação ordinária contra si ajuizada por WALTER GRESS JUNIOR, deferiu a tutela de urgência formulada, determinando que “a demandada, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a contar da intimação da presente decisão, adote as providências necessárias para implementar o tratamento médico Home Care em favor da autora, conforme indicado pelo médico da requerente, sob pena de suportar multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), até o máximo de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), com amparo no art. 297, do CPC.

Nas razões recursais, a agravante narra que “após alta médica hospitalar, o Agravado foi incluído no Programa de Gerenciamento de Crônicos (PGC) fornecido pela Operadora Hapvida (tal programa será explicado abaixo), de acordo COM A NECESSIDADE CLÍNICA verificada pelos profissionais no momento da admissão da paciente”, conforme Termo de Admissão realizado desde o dia 16/12/2022, devidamente assinado pelos familiares do Demandante.

Alega que “a parte autora vem recebendo o atendimento necessário ao restabelecimento de sua saúde, na comodidade de sua residência, conforme indicação médica”.

Afirma que “No caso do Sr. Walter, os atendimentos domiciliares estão sendo fornecidos, tendo em vista que para que um paciente esteja elegível para entrar no programa, obrigatoriamente é necessário que o atendimento seja sucedâneo de uma internação, o que foi o caso do demandante”.

Ressalta que “várias vezes o serviço de assistência domiciliar é confundido com o serviço de CUIDADOR, papel este que não caberia à equipe hospitalar. Em sendo assim, verifica-se a deturpação do uso e finalidade do home care quando concedido para situações em que o paciente tem condições de estar em casa sem a estrutura hospitalar, mas o pleiteia para que tenha assistência ininterrupta de todos os serviços que sequer seriam disponibilizados integralmente no hospital, esse também é um dos motivos para que existam critérios para inclusão no PGC”.

Pontua que “em nenhum dos relatórios médicos anexados aos autos traz a informação de que o tratamento requerido deve ser prestado em caráter de urgência ou que a promovente se encontra em situação de risco”.

Sustenta a ausência de cobertura contratual e legal para o fornecimento de home care, não estando previsto do rol de procedimentos de ANS, defendendo ser este taxativo.

Esclarece que “Em que pese haver indicação de prestação do serviço de enfermagem pelo médico assistente, na documentação apresentada não se verifica a prescrição de procedimentos complexos ou invasivos a justificar a necessidade da presença de um profissional especializado por 24 horas ao dia”.

Acrescenta que “A exigência de um acompanhamento de enfermagem 24 horas por dia se aproxima aos cuidados conferidos as Unidades de Terapia Intensiva (UTI), não sendo a hipótese dos autos, eis que, conforme relatório atualizado colacionado acima (vide tópico preliminar), o requerente não possui indicação para os cuidados domiciliares nessas condições e necessidades”.

Impugna, ainda, “a solicitação para que a Hapvida se responsabilize pela aquisição e fornecimento de CAMA HOSPITALAR + COLCHÃO, uma vez que tal requisição contraria toda a legislação específica da matéria, pois o fornecimento do mobiliário não é exigível ao plano de saúde em âmbito residencial, visto não se tratar de um equipamento capaz de evitar iminente perigo de vida ao paciente. Sobre a requisição autoral para que a Hapvida custeie e forneça suprimentos regulares de Produtos de Higiene Pessoal, insumos, e etc. Tal pedido é inexigível, assim como o de qualquer outro material de HIGIENE PESSOAL”.

Argumenta que “a contraparte ainda pleiteou que a Hapvida se responsabilize pela AQUISIÇÃO e FORNECIMENTO de MEDICAÇÃO PARA USO DOMICILIAR, o que vai de desencontro ao que diz toda a legislação específica da matéria, uma vez que o fornecimento da medicação de USO DOMICILIAR não é exigível ao plano de saúde”.

Aduz que “o tratamento ora pleiteado não está albergado pela cobertura legal/contratual determinada pela legislação, que é clara quando exclui da cobertura mínima obrigatória o fornecimento de ÓRTESES E PRÓTESES que não estão ligadas a ato cirúrgico, conforme claramente disposto no já citado Art. 10, VII da Lei nº 9.656/1998. A ANS faz eco ao dispositivo legal citado quando no Art. 17 da RN 465/2021”.

Requer, ao final, a concessão do efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, requer o conhecimento e provimento do recurso, a fim de reformar a decisão agravada.

Restou parcialmente deferido o pedido de efeito suspensivo (Id 18175639).

Posteriormente, exercendo juízo de retratação, foi reconsiderada a decisão e indeferido o pedido de efeito suspensivo ao agravo de instrumento (Id 18308750).

Inconformada, a HAPVIDA manejou agravo interno (Id 18650846).

Intimada, a parte autora ofertou contrarrazões ao agravo interno, pugnando pelo seu desprovimento (Id 19183786).

A 7ª Procuradoria de Justiça não opinou .

É o relatório.

VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Considerando que a matéria discutida no agravo interno é a mesma aventada no agravo de instrumento e estando este devidamente instruído, ambos os recursos podem ser julgados na mesma assentada, com vistas a privilegiar a celeridade, a economia processual e a duração razoável do processo (art.5º, inciso LXXVIII, CF; art. 4º, CPC/2015).

Inicialmente, urge ressaltar que são aplicáveis, no caso em comento, os dispositivos provenientes do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a relação jurídico-material estabelecida entre os litigantes é dotada de caráter consumerista, pois a Unimed figura como fornecedora de serviços, ao passo que a parte autora é destinatária final dos mesmos.

Portanto, não resta dúvida que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual suas cláusulas precisam estar de acordo com tal diploma legal, devendo ser respeitadas as formas de interpretação e elaboração contratuais, especialmente a respeito do conhecimento ao consumidor do conteúdo do contrato, a fim de coibir desequilíbrios entre as partes, principalmente em razão da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor.

Ademais, faz-se imperioso ressaltar que a Constituição Federal de 1988 elevou o direito à saúde à condição de direito fundamental do homem, reservando uma seção exclusiva para a matéria e, embora o artigo 197 da Constituição Federal tenha delegado a execução dos serviços de saúde às pessoas jurídicas de direito privado, o mesmo dispositivo assegura que somente ao Poder Público caberá dispor sobre a sua regulamentação, fiscalização e controle, objetivando amparar a parte mais fraca da relação, no intuito de não permitir abuso aos direitos dos consumidores, usuários do sistema privado de saúde.

Além disso, deve-se considerar que, quando o particular presta serviços na área da saúde, nos termos da autorização constitucional inserta no artigo 199 da Constituição Federal, deve garantir ampla cobertura, a fim de salvaguardar a vida do consumidor, inadmitindo-se qualquer tipo de cláusula limitativa ou negativa de cobertura quando se está diante da vida humana, sob pena de afronta ao citado dispositivo constitucional.

Assim, não obstante existir autonomia entre as partes quanto ao pacto contratual, é assegurado ao Poder Judiciário intervir na relação negocial garantindo à relação jurídica o equilíbrio determinado pela lei, submetendo-se, sobretudo, a uma função social.

Ademais, o consumidor não pode ser impedido de receber tratamento com o método mais adequado à sua recuperação, definido por profissional médico, detentor de competência para tanto. Dentro das moléstias abrangidas pelo seguro de saúde contratado, devem-se assegurar ao consumidor os tratamentos necessários à plena recuperação de sua saúde, sob pena de se ignorar a própria finalidade do contrato.

In casu, De acordo com o caderno processual, o agravado, em decorrência de um AVE isquêmico, está acamado e é totalmente dependente de outras pessoas para suas atividades diárias, tendo o médico assistente indicado o serviço de...

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