Acórdão Nº 08011747120208205112 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 13-07-2023

Data de Julgamento13 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08011747120208205112
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801174-71.2020.8.20.5112
Polo ativo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): CARLOS EDUARDO CAVALCANTE RAMOS, FELIPE D AGUIAR ROCHA FERREIRA
Polo passivo
FRANCISCO ALVES MAIA
Advogado(s): BRUNO RAFAEL ALBUQUERQUE MELO GOMES

PODER JUDICIÁRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

PRIMEIRA TURMA RECURSAL



RECURSO CÍVEL Nº 0801174-71.2020.8.20.5112

RECORRENTE: BANCO BRADESCO S.A.

ADVOGADO: DR. CARLOS EDUARDO CAVALCANTE RAMOS

RECORRIDO: FRANCISCO ALVES MAIA

ADVOGADO: DR. BRUNO ALVES MAIA

RELATORA: JUÍZA SANDRA SIMÕES DE SOUZA DANTAS ELALI

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS". DESCONTOS DE TARIFAS E/OU PACOTES DE SERVIÇOS BANCÁRIOS NÃO CONTRATADOS. "CESTA B. EXPRESSO 04". VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DESCONTOS INDEVIDOS. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DA PARTE AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO INOMINADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE HIPÓTESE DE ENGANO JUSTIFICÁVEL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO, POR VALOR IGUAL AO DOBRO DO QUE FOI PAGO EM EXCESSO, ACRESCIDO DE JUROS E DE CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO QUE INDEPENDE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE COBROU VALOR INDEVIDO, REVELANDO-SE CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIA CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA (STJ. CORTE ESPECIAL. EAREsp. 76608/RS, RELATOR MINISTRO OG FERNANDES, JULGADO EM 21/10/2020). TEMA 929 DO STJ. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 39 DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO RIO GRANDE DO NORTE, QUE DETERMINA QUE NÃO GERA DANO MORAL PRESUMIDO A MERA COBRANÇA DE TARIFAS E/OU PACOTES DE SERVIÇOS BANCÁRIOS NÃO CONTRATADOS, DEVENDO-SE DEMONSTRAR A AFETAÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE QUE EXTRAPOLEM O ÂMBITO ORDINÁRIO DA COBRANÇA DE DÍVIDA, NÃO HAVENDO TAL AFETAÇÃO SIDO DEMONSTRADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da relatora, parte integrante deste acórdão. Sem condenação em custas processuais e em honorários advocatícios em face do disposto no art. 55, caput, da Lei nº 9.099/95.


RELATÓRIO


Trata-se de recurso inominado interposto pelo BANCO BRADESCO S.A. em face da sentença que, confirmando os efeitos da tutela jurisdicional, anteriormente deferida, julgou procedentes os pedidos formulados na inicial da ação contra ele ajuizada por FRANCISCO ALVES MAIA, determinando o cancelamento dos descontos na sua conta bancária, condenando-o a restituir-lhe, na forma dobrada, os valores descontados indevidamente, tudo referente a tarifas/encargos sob a rubrica “CESTA B EXPRESS04”, além de fixar compensação por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com juros e correção monetária.

Na sentença, o Juízo a quo registrou que, “considerando que a conta da parte autora é destinada apenas à percepção de sua aposentadoria, e não havendo prova nos autos do desvirtuamento de sua finalidade com a utilização de outros serviços bancários, nesta não pode incidir qualquer tarifa e, deste modo, é devida a restituição dos valores comprovadamente descontados”.

Em suas razões recursais, o banco afirmou que, “embora a parte autora alegue que não reconhece as cobranças do pacote de serviços, os extratos comprovam que a parte autora utiliza produtos e serviços referentes ao pacote contratado”.

Aduziu que “a conta objeto da lide não é utilizada somente para recebimento de salário”, possuindo poupança a ela vinculada, além de cheque especial e cartão de crédito e que o recorrido “usufrui os benefícios da conta-corrente, sem nunca ter questionado as tarifas, ou solicitado alteração para conta simples, excluído os produtos e serviços”.

Ressaltou que “não há nos autos quaisquer comprovações de que o Banco réu tenha agido com dolo para ensejar tal indenização em valor exorbitante e desproporcional”, alegando que “a situação narrada nos autos deixa patente tratar-se, na melhor das hipóteses, de um mero aborrecimento do cotidiano, passível de ocorrer com todo indivíduo, não podendo tal situação gerar dano moral”.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, julgando-se improcedentes os pedidos iniciais. Subsidiariamente, pediu a redução do quantum compensatório, requerendo que seja aplicado os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

O recorrido apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso, com a confirmação da sentença, por seus próprios fundamentos, ressaltando ser “indevida a tarifa cobrada pelo demandado, tendo em vista, que a parte autora somente utiliza os serviços essenciais de sua conta”.

É o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso, a proposição é no sentido do seu conhecimento. Com efeito, evidencia-se o cabimento do recurso, a legitimação para recorrer, o interesse recursal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, bem como a tempestividade e a regularidade formal, havendo sido recolhido o preparo recursal (ID 8364305).

Examinando-se o que dos autos consta, verifica-se que da sentença recorrida consta o seguinte:

[...] Julgo antecipadamente a lide, por não haver necessidade de produção de prova em audiência.

Suscitada questão preliminar, debruço-me desde logo sobre ela para, a seguir, apreciar o mérito da causa.

Também não prospera a preliminar de ausência de pretensão resistida, já que não se faz necessário prévio pedido administrativo para tentar sanear o problema (art. 5º, XXXV, CF). Ora, se as instituições financeiras procrastinam em juízo até onde não podem, o que dizer da resolução extrajudicial dos conflitos? Claro que não se pode exigir do consumidor a resolução amigável impossível.

O cerne da demanda está na definição da natureza da conta bancária da parte autora, de conta-corrente comum, passível de tarifação, ou conta-salário que, por força da Resolução 3.402/06 do Banco Central do Brasil, não pode ser tarifada.

De início, não se pode deixar de ressaltar que a relação existente entre a parte autora e o banco promovido é puramente de consumo, tendo em vista que a instituição financeira configura-se como fornecedora, desenvolvendo atividade de prestação de serviços, bem como a parte promovente enquadra-se como consumidor, em conformidade com os art.2º e 3º do CDC.

Por oportuno, assinale-se que a aplicação de tais normas às instituições financeiras foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que declarou, com eficácia para todos e efeito vinculante, a constitucionalidade da aplicação do CDC aos bancos.

Nesse contexto, considerando a relação de consumo estabelecida entre as partes, incide, portanto, as normas do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, que consagra a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A parte autora trás, juntamente com a inicial, vários documentos, dentre eles extratos bancários correspondentes a sua conta, onde se vislumbra que, embora seja da modalidade "conta corrente", ela destina-se exclusivamente à percepção do seu salário, já que consta, naqueles documentos, o lançamento do crédito pelo INSS, o posterior saque e os lançamentos das tarifas ora em debate, ensejando a cobrança de encargos sobre a referida conta.

O entendimento pacífico dos tribunais pátrios é o de que, como no caso dos autos, embora a conta bancária seja da modalidade conta corrente, sendo ela destinada apenas ao recebimento do salário ou proventos, esta se configura como conta salário, não podendo ser tarifada, desde que não ocorra o seu desvirtuamento finalístico, qual seja, o recebimento de verba salarial, como se vê dos excertos que seguem:

De acordo com o artigo. 1º da Resolução 3.042 /06 do BACEN a conta salário é um tipo especial de conta de depósito à vista destinada a receber salários, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares. Não é movimentável por cheques e é isenta da cobrança de tarifas. Ou seja, o que caracteriza a conta ser do tipo salário é a não utilização de qualquer produto oferecido pela instituição bancária, exceto o permitido consoante as regras do BACEN. (TJRJ. RI 2009.700.006272-8. 3ª Turma Recursal. Relatora: juíza Suzane Viana Macedo). (Grifos acrescidos).

Relação de consumo. Conta utilizada para recebimento de salário. Cobrança de tarifas bancárias. Negativação. A MM Juíza prolatora da Sentença de fls. 32/33 julgou parcialmente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT