Acórdão Nº 08012181020148200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 10-11-2023

Data de Julgamento10 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08012181020148200001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801218-10.2014.8.20.0001
Polo ativo
MUNICIPIO DE NATAL
Advogado(s):
Polo passivo
CEJEN ENGENHARIA LTDA
Advogado(s): MARIA SOLEDADE DE ARAUJO FERNANDES, CARLOS HENRIQUE FELICIANO LEITE, CAETANO SOUZA ENNES

EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO DE NATAL. SANÇÃO DE INIDONEIDADE IMPOSTA PELO ENTE PÚBLICO À EMPRESA AUTORA/APELADA, COM BASE NA LEI 8.666/93, ART. 87, INCISO IV. SENTENÇA QUE DECLAROU OS EFEITOS DA SANÇÃO ATÉ 10/12/2009. APLICAÇÃO DE SANÇÃO DE CARÁTER PERPÉTUO (SEM PRAZO PARA SUA EXTINÇÃO) E COMO MEIO COERCITIVO PARA COBRANÇA DE DÍVIDA. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF E STJ. MANUTENÇÃO DO DECISUM. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.





ACÓRDÃO



Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas, acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.


RELATÓRIO



Trata-se de Apelação Cível interposta pelo MUNICÍPIO DE NATAL contra a sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN, que nos autos da Ação Declaratória c/c Obrigação de Fazer (proc. 0801218-10.2014.8.20.0001) ajuizada em seu desfavor pela CEJEN ENGENHARIA LTDA., julgou procedente, em parte, a pretensão:

“A) para declarar que o Decreto 7.096, de 10 de Dezembro de 2002, que aplicou a sanção de declaração de inidoneidade à parte autora, com fundamento no art. 87, inc. IV, da Lei 8.666/93, surtiu seus efeitos até 10 de Dezembro de 2009 - ratificando até esses termos a tutela antecipada deferida.

B) para julgar improcedente o pedido de obrigação de fazer no sentido de obrigar o demandado a declarar a idoneidade do autor - muito embora idôneo seja aquele que não se afirmar inidôneo - seja o quanto basta para que o autor não sofra restrições em virtude do Decreto 7.096, sem embargo de estar ou permanecer inidôneo se houver outra declaração superveniente que refoge aos presentes autos”.


Nas razões recursais (ID 19730507), o município apelante suscitou, preliminarmente, a prescrição da pretensão do empresa, afirmando que “caberia ao Recorrido, impugnar a suposta medida ilegal dentro do prazo de 05 anos a partir da publicação do ato, o que não ocorreu, uma vez que a presente ação foi ajuizada em 10.02.2014, mais de 12 anos após a decisão que aplicou sanção administrativa em seu desfavor”.

No mérito, defendeu que “a parte recorrida não preencheu todas as hipóteses legais para que fosse possível cessar os efeitos da declaração de inidoneidade, persistindo, até a presente data, os motivos determinantes”



Alegou que “no caso da empresa Recorrida, o requisito temporal está preenchido, evidentemente. No entanto, não há nos autos nenhuma prova de que tenha providenciado o preenchimento do segundo requisito (ressarcimento ao erário)”.



Esclareceu que “o Município do Natal impôs sanção administrativa diante do DESCUMPRIMENTO contratual realizado pela empresa ré, no âmbito do contrato de concessão para obras sobre o estuário do Rio Potengi”, em razão da ofensa por parte da empresa dos princípios norteadores do contrato administrativo, de modo que a Declaração de Inidoneidade constitui um “ato perfeito, válido e eficaz, que visa punir conduta infracional do particular, com vistas a resguardar o erário de atitude temerária.”



Asseverou que “a revogação da idoneidade é ato privativo do administrador público, conforme dispõe o supracitado Artigo 87, §3º da Lei 8666/93.


Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso, para reconhecer a prescrição de fundo de direito e, não sendo esse o entendimento, para reformar a sentença, julgando improcedente o pleito autoral.



A parte apelada, apesar de devidamente intimada, não apresentou contrarrazões ao recurso, conforme certificado nos autos (ID 19730509)



Com vista dos autos, a Procuradoria de Justiça (ID 19859050) deixou de opinar, por ausência de interesse público no feito.


É o relatório.


VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.



Inicialmente, o Município apelante suscita a prejudicial de mérito da prescrição, aduzindo que o ato de declaração de inidoneidade, exarado em 2002, constitui um ato normativo de efeitos concreto, incidindo, assim, o prazo prescricional estabelecido no Decreto nº 20.910/32, referente ao prazo prescricional de 5 anos nas demandas contra a Fazenda Pública.



Do exame dos autos, não prospera a tese do apelante.


Isto porque, muito embora o ato administrativo que impôs a sanção contra a CEJEN constitua um ato de efeito concreto, qual seja, a declaração de inidoneidade da empresa, referido ato produz efeitos continuamente ao longo do tempo, renovando-se dia a dia.


O efeito prático desta sanção consiste na proibição da empresa autora/apelada em contratar com a Administração Pública, de sorte que a lesão ao direito da parte se renova constantemente, circunstância fático-jurídica que afasta a contagem do prazo prescricional da data da aplicação da sanção.



Na verdade, conforme relatado pela CEJEN, na exordial, a sua desclassificação no certame licitatório realizado pela Secretaria de Portos da Presidência de República RDC nº 01/2013, ocorrida em 2014, em razão da Declaração de Inidoneidade, representa o efeito concreto daquele ato administrativo, mesmo com o transcurso de 12 anos da data da aplicação da sanção pelo Município de Natal.



Em conclusão, não se pode falar em prescrição da pretensão do autor/apelado objeto desta ação.



Superado este ponto, no tocante ao mérito do recurso, o Município de Natal defende que a empresa CEJEN Engenharia Ltda não preencheu todas as hipóteses legais para os efeitos da declaração de inidoneidade cessassem, qual seja, o ressarcimento ao erário.




In casu, a sanção administrativa imposta pelo Município de Natal à empresa autora/apelante teve como fundamento legal, a norma do artigo 87, da Lei 8.666/93, que dispõe:

“Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I – advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. (…)”



Ocorre que referido ato administrativo (Declaração de Inidoneidade da empresa CEJEN) não estabeleceu qualquer prazo para a vigência da sanção, o que acabou por impor uma pena com natureza de perpetuidade, em clara ofensa à garantia constitucional da temporariedade da pena estabelecida no artigo 5º, incisos XLVI e XLVII, alinea b, da Constituição Federal, in verbis:



“XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis”; grifos nossos

De igual modo, a redação do inciso IV, do artigo 87, da Lei 8.666/93, expressamente faz referência ao prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior, qual seja, o prazo não superior a 2 (dois) anos, previsto para a sanção de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar, deixando claro que a sanção deve ser imposta com um limite temporal.

Quanto à alegação do Município de Natal de que só seria extinta a punição decorrente da Declaração de Inidoneidade, quando houvesse o ressarcimento do dano ao erário, igualmente não prospera.



De acordo com a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, não cabe à Administração impor sanções administrativas como meio coercitivo para cobrança de dívidas dos administrados, quando previstos mecanismos próprios para a referida cobrança, sob pena de violação aos postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas e a liberdade de exercício profissional, como bem restou consignado nos enunciados das Súmulas 70, 323 e 547 da referida Corte.

Registre-se, por oportuno, que o Município de Natal ajuizou ação própria em desfavor da CEJEN objetivando o ressarcimento ao erário.



Nesse diapasão, considerando que o ordenamento jurídico pátrio proíbe a aplicação de pena de caráter perpétuo, ou seja, sem que exista prazo para sua extinção, bem como a impossibilidade de aplicação de sanção administrativa como meio coercitivo para cobranças de dívidas dos administrados, a sentença proferida pelo juízo a quo que julgou procedente em parte o pedido da empresa autora/apelada, para “declarar que o Decreto 7.096, de 10 de Dezembro de 2002, que aplicou a sanção de declaração de inidoneidade à parte autora, com fundamento no art. 87, inc. IV, da Lei 8.666/93, surtiu seus efeitos até 10 de Dezembro de 2009”, não merece qualquer reparo.



Senão vejamos o seguinte julgado:

Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança. 2. Direito Administrativo. 3. Sanção aplicada com fundamento no art. 87, IV, da Lei 8.666/93. Impossibilidade da restrição de direitos...

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