Acórdão Nº 08012197720218205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 29-11-2023

Data de Julgamento29 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08012197720218205100
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801219-77.2021.8.20.5100
Polo ativo
MARIA FRANCISCA SOARES
Advogado(s): RODRIGO ANDRADE DO NASCIMENTO
Polo passivo
BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
Advogado(s): WILSON SALES BELCHIOR

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO SEM A SOLICITAÇÃO OU ANUÊNCIA DA AUTORA. APRESENTAÇÃO DO CONTRATO CONTENDO A SUPOSTA DIGITAL DA DEMANDANTE. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. IRREGULARIDADE. LAUDO DE EXAME DATILOSCÓPICO REALIZADO. CONSTATAÇÃO DE FALSIDADE NA DIGITAL APOSTA NO DOCUMENTO. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. INCIDÊNCIA DO TEOR DA SÚMULA 479 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM COMPENSATÓRIO. MANUTENÇÃO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em turma, à unanimidade, sem opinamento do Ministério Público, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pelo BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Assu/RN que, nos autos da ação ordinária n.º 0801219-77.2021.8.20.5100, assim estabeleceu (parte dispositiva):

(...)

Às vistas de tais considerações, nos termos do art. 487, I do CPC, julgo parcialmente procedente o pedido, para:

A) declarar a inexistência de débitos advindos do contrato registrado sob o n°: 813046680, assim como condenar o banco réu ao pagamento de danos materiais a serem apurados em sede de cumprimento de sentença, consistentes na devolução em dobro de todos os descontos decorrentes do referido liame contratual, acrescidos de correção monetária pelo IPCA, a contar de cada ato lesivo, e juros legais de 1% ao mês desde a citação válida.

B) Conceder a tutela de urgência pleiteada para determinar a suspensão, em definitivo, do desconto advindo do contrato de n°: 813046680 no benefício previdenciário da autora, no prazo de 05 (cinco) dias a contar da ciência da presente sentença, sob pena de aplicação de multa diária e demais penalidades cabíveis à espécie.

C) Condenar o banco ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), acrescidos de juros legais de 1% ao mês e correção monetária pelo IPCA, ambos contados da publicação da presente sentença.

D) Condeno, por fim, o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação.

(...)

Em suas razões recursais (págs. 332/347), o banco aduziu, em síntese, que a sentença deve ser reformada, pois o contrato de empréstimo foi regularmente pactuado entre as partes, inexistindo qualquer fraude ou ato de má-fé a justificar a nulidade da avença.

Asseverou que não cometeu nenhum ato ilícito, tendo agido no exercício regular de seu direito, nos termos do art. 188, inciso I, do Código Civil, de modo que o dever indenizatório reconhecido na sentença deve ser afastado.

Defendeu a não configuração do dano moral alegado na exordial, como também a ausência de fundamento para a restituição em dobro do indébito, além da excessividade do montante arbitrado a título indenizatório, requerendo, ao final, a total improcedência do pleito autoral. Alternativamente, pugnou pela redução do valor da indenização por dano moral.

A demandante ofertou contrarrazões (págs. 352/358).

Nesta instância, a 14ª Procuradora de Justiça manifestou desinteresse em opinar no presente feito (pág. 363).

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente apelo.

Cabe, nesta instância, examinar o acerto ou não da sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão da autora, declarando a nulidade dos descontos efetuados em seus proventos de aposentadoria, decorrentes de um suposto empréstimo consignado firmado com a instituição demandada, que deverá restituir em dobro as quantias cobradas, além de pagar indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais).

Entendo que a sentença deve ser mantida, porquanto a documentação juntada aos autos pelo banco não é suficiente para confirmar a regularidade do negócio jurídico gerador dos descontos efetuados no benefício previdenciário da demandante.

Com efeito, foi acostado aos autos o Contrato de Empréstimo Pessoal Consignado n.º 813046680, preenchido com os dados da recorrente, mas que contém apenas o registro de uma digital, sem qualquer assinatura a rogo e a firma de duas testemunhas.

O art. 595 do Código Civil preceitua o seguinte:

Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.

Esse dispositivo, apesar dos debates sobre o seu conteúdo, tem fundamentado diversas decisões que retratam a atual tendência da jurisprudência acerca do assunto, qual seja, a de reconhecer a legitimidade do instrumento contratual firmado entre a pessoa analfabeta e a instituição financeira, desde que o mesmo contenha a assinatura a rogo do contratante, bem como a firma de duas testemunhas, afastando-se a exigência da procuração pública para a sua validade.

Tal foi o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça do Ceará no IRDR n.º 17 (Processo n.º 0630366-67.2019.8.06.0000), que serviu de base para a afetação da matéria pelo STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.116). Eis a tese adotada no aludido IRDR: “É considerado legal o instrumento particular assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas para a contratação de empréstimos consignados entre pessoas analfabetas e instituições financeiras, nos ditames do art. 595 do CC, não sendo necessário instrumento público para a validade da manifestação de vontade do analfabeto nem procuração pública daquele que assina a seu rogo, cabendo ao Poder Judiciário o controle do efetivo cumprimento das disposições do artigo 595 do Código Civil (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - 0630366-67.2019.8.06.0000, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, Seção de Direito Privado, data do julgamento: 21/09/2020, data da publicação: 22/09/2020).

A despeito disso, a Perícia Datiloscópica juntada às págs. 286/298, realizada pelo Núcleo de Perícias do TJRN com o objetivo de aferir a autenticidade da digital da contratante aposta no documento juntado pelo banco, apresentou a seguinte conclusão: (...) conclui este Perito que as Digitais Questionadas não partiram da impressão do polegar direito da Sra. MARIA FRANCISCA SOARES, conforme demonstrado e ilustrado no CONFRONTO DATILOSCÓPICO do ITEM 8 - CONFRONTO DATILOSCÓPICO (...)”.

Resta, portanto, evidente a nulidade do contrato questionado pela autora, sendo cabível, em virtude da comprovação de fraude praticada por terceiro, a incidência do teor da Súmula n.º 479 do Tribunal da Cidadania, in verbis: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".

Nesse sentido:

CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO NÃO AUTORIZADO PELO CONSUMIDOR. FRAUDE BANCÁRIA PERPETRADA POR TERCEIRO. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA QUE COMPROVA A FRAUDE. DEVER DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM FISCALIZAR E AVERIGUAR A VERACIDADE DA TRANSAÇÃO BANCÁRIA. RISCO DA ATIVIDADE. PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONDUTA LESIVA COMPROVADA. NEXO DE CAUSALIDADE EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO.OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES.

(TJRN. APELAÇÃO CÍVEL 0100808-70.2017.8.20.0103, Rel. Juiz Convocado JOAO AFONSO MORAIS PORDEUS, j. 03/12/2019). (Sem os grifos).

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS....

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