Acórdão Nº 08013112920218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 30-03-2021

Data de Julgamento30 Março 2021
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08013112920218200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL - 0801311-29.2021.8.20.0000
Polo ativo
DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):
Polo passivo
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE SANTA CRUZ
Advogado(s):

Habeas Corpus com pedido liminar nº 0801311-29.2021.8.20.0000

Impetrante: Defensoria Pública

Paciente: Josenildo Crispim de Almeida

Aut. Coatora: Juiz da 1ª Vara de Santa Cruz

Relator: Dr. Roberto Guedes (Juiz Convocado)

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL CULPOSA QUALIFICADA (ART. 303, §2º DO CTB). PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DA ORDEM, SUSCITADA PELA PGJ. OMISSÃO LEGAL NO TOCANTE A INTERPOSIÇÃO DE RESE EM PROVIMENTOS DENEGATÓRIOS DE OFERECIMENTO DO ANPP. REJEIÇÃO. MÉRITO: RETROATIVIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. VIABILIDADE DE INCIDÊNCIA DO INSTITUTO PARA OS DELITOS COMETIDOS ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO PACOTE ANTICRIME. ATÉ O ADVENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal, à unanimidade de votos, rejeitar a preliminar suscitada pela 8ª Procuradoria de Justiça de não conhecimento do writ, no demais, em dissonância com o Parquet, conceder a ordem, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública em favor de Josenildo Crispim de Almeida, apontando como autoridade coatora o Juiz da 1ª Vara de Santa Cruz, o qual, nos autos 01000683-34.2019.8.20.0103, onde o paciente se acha incurso no art. 303, §2°, da Lei 9.503/97 (lesão corporal culposa qualificada), denegou o pleito de “Acordo de Não Persecução Penal” por entender pela irretroatividade do instituto, estabelecendo como marco limitador o recebimento da denúncia (ID 8593259).

2. Aduz, em síntese, pela possibilidade do ANPP devido à sua natureza jurídica processual híbrida, bem assim sua limitação até o recebimento da denúncia importaria em negar vigência ao art. 5º, XL, da CF/88 (ID 8625089).

3. Pugna, ao cabo, pela sua concessão.

4. Junta os documentos constantes do ID 8593259.

5. A Secretaria Judiciária certificou inexistência de ordem anterior (ID 8681050).

6. Informações prestadas de ID 8790267.

7. Parecer Ministerial pelo não conhecimento por sucedâneo recursal e, no mérito, pela denegação. (ID 8814608).

8. É o relatório.

VOTO

DA PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO POR SUCEDÂNEO RECURSAL, SUSCITADAS PELA 8ª PJ

9. Sem razão o Parquet.

10. Isso porque, malgrado o pacote anticrime tenha previsto Recurso em Sentido Estrito em face do decisum que recusar homologação à proposta de acordo não persecução penal (art. 581, XXV do CPP), seu texto restou omisso quanto à denegatória do oferecimento do acordo, como sói acontecer na hipótese (indeferimento, de plano, fulcrado na irretroatividade do instituto).

11. Deste modo, conquanto cônscio da divergência doutrinária acerca da viabilidade de insurgência por meio de Habeas Corpus, penso ser mais acertado o juízo positivo de prelibação.

12. Afinal, além de se admitir a interpretação extensiva1 (minus dixit quam voluit) das hipóteses de cabimento do RESE insertas no art. 581 do CPP, não se permite sua ampliação para os casos evidentemente excluídos pela lei, ou seja, na omissão voluntária do legislador.

13. Dessa feita, quando o suposto ato ilegal não for passível de impugnação pela via recursal própria e represente perigo à liberdade de locomoção do Paciente, os Tribunais Superiores têm admitindo a utilização do writ.

14. Daí, rejeito a prejudicial.

MÉRITO

15. Conheço da Ordem.

16. No mais, com razão a Defensoria Pública.

17. Antes de adentrar no meritum propriamente dito, é curial se fazer uma breve incursão nesse novel instituto, delimitando seus marcos e evolução.

18. Como cediço, o acordo de não persecução penal (ANPP) foi objeto de diretriz pelo CNMP, através da Resolução 181/17, sendo inserido posteriormente no CPP em seu art. 28-A.

19. Para seus defensores, os métodos negociais são instrumentos pacificadores sociais na atual dinâmica processual brasileira, abreviando o tempo do conflito, sendo mais eficiente, e menos burocrático. Desse modo, o consenso entre as partes se estabelece em um ambiente de coparticipação racional, mediante vantagens recíprocas, gerando um senso de autoresponsabilidade e comprometimento com o acordo.

20. Sob a exegética da justiça consensual, o ANPP pode ser conceituado como um ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o inculpado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições bem menos severas em face daquelas previstos ao tipo.

21. Sua natureza é mista ou híbrida, isto é, são normas que, apesar de estarem no contexto do processo penal, regendo atos praticados pelas partes durante a investigação ou durante o trâmite processual e têm forte conteúdo de direito penal material, assim sugere Renato Brasileiro de Lima:

“… normas processuais materiais (mistas ou híbridas): são aquelas que abrigam naturezas diversas, de caráter penal e de caráter processual penal. Normas penais são aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir do Estado (v.g., causas extintivas da punibilidade). De sua vez, normas processuais penais são aquelas que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade. Assim, se um dispositivo legal, embora inserido em lei processual, versa sobre regra penal, de direito material, a ele serão aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna…".

22. Ou seja, se o ANPP atinge o ius puniendi e, consequentemente, a extinção da punibilidade pelo advento do cumprimento das condições6, conclui-se, portanto, pela sua natureza processual mista.

23. Por conseguinte, versando sobre direito material, sua retroação em processos não transitados em julgado se mostra imperativa, sendo, pois, corolário da novatio in mellius (art. 5º, XL, da CF7).

24. No âmbito dos Tribunais Superiores, a matéria ainda não foi pacificada, havendo divergência, por exemplo, entre a 5ª e 6ª Turmas do STJ.

25. Todavia, sendo a linha adotada pela 6ª Turma do STJ mais consentânea com a posição garantista desta Corte de Justiça e dos TRF´s, penso ser sua jurisprudência um referencial, sobretudo se consideradas as razões até então adotadas:

PEDIDO DE EXTENSÃO NO AGRAVO REGIMENTAL DO HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. PENAS MÍNIMAS SOMADAS INFERIORES À QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PACOTE ANTICRIME. NATUREZA MISTA DA NORMA. RETROATIVIDADE. PEDIDO EXTENSIVO DEFERIDO. 1. Dispõe o art. 580 do Código de Processo Penal que, "No caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros". 2. O cumprimento integral do acordo de não persecução penal gera a extinção da punibilidade, previsto no art. 28-A do CPP, com a redação dada pela Lei 13.964/2019, de modo que, como norma de natureza jurídica mista e mais benéfica ao réu, deve retroagir em seu benefício em processos não transitados em julgado. 3. Estando o ora requerente nas mesmas condições fáticas, faz jus à extensão do efeitos da ordem concedida ao corréu. 4. Pedido de extensão deferido a PANTALEÃO ESTEVAM DE MEDEIROS. (PExt no AgRg no HC 575.395/RN, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020).

26. É importante frisar que, recentemente, a 6ª Turma voltou a enfrentar a quaestio (HC 628647), anuindo ao viés ideológico da 5ª Turma.

27. Todavia, o juízo delibatório desse writ foi por demais conturbado, sobretudo com a mudança de relatoria (decorrente da aposentadoria do Ministro Néfi Cordeiro), quando então o placar de julgamento até então observado foi revertido.

28. De todo modo, repito, fato é que, na ausência de julgado vinculativo, até sobrevir posicionamento definitivo do STF (HC 185.913), não há razão para se ALTERAR o entendimento adotado pelos Tribunais Regionais Federais e outras Cortes de Justiça.

29. Volvendo-se à casuística, o Paciente foi preso em flagrante, no dia 02/08/2019, pelo delito do art. 303, §2° do CTB, sendo oferecida Denúncia em 11/12/2019, e recebida em 20/01/2020.

30. Logo e muito embora o recebimento da exordial acusatória tenha se dado antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (23/01/2020), deveria o Magistrado a quo ter remetido os autos ao MP para a análise do oferecimento do acordo.

31. Insta ressaltar haver Defensoria, em sede de Resposta à Acusação, intentado a aplicação do instituto, tendo seu pedido negado sob o seguinte fundamento (ID 8593259 - fls. 56/58):

“… em que pese a natureza híbrida da lei penal instituidora do ANPP, observa-se, como posto, que este se esgota em etapa pré-processual, sendo seu marco limitador o recebimento da denúncia, podendo ser aplicado a fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia, o que não se opera no caso dos autos, visto a denúncia ter sido recebida em 20 de janeiro de 2020 e a lei mencionada ter entrado em vigor 30 (trinta) dias após a sua publicação oficial que se deu em 24 de dezembro de 2019 …”.

32. Daí, permanecendo fiel à linha retórica expressamente mais garantista, a qual possibilita o acordo até a edição da sentença condenatória, entendo ser procedente a insurgência.

33. À vista do exposto, em dissonância com a 8ª Procuradoria de Justiça, concedo a ordem como requerida na vestibular.

Natal, data da assinatura eletrônica.

Dr. Roberto Guedes (Juiz Convocado)

Relator

Natal/RN, 30 de Março de 2021.

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